Londres – Um tribunal do Vietnã confirmou uma sentença de nove anos de prisão para a premiada jornalista e ativista Pham Doan Trang, rejeitando seu recurso contra uma decisão de dezembro de 2021. 

Em outubro de 2020, Trang, que escreveu extensivamente sobre abusos de direitos humanos e brutalidade policial no Vietnã, foi presa na cidade de Ho Chi Minh por “fazer, armazenar ou divulgar informações, materiais e produtos que visam a se opor ao Estado”, segundo o Ministério de Segurança Pública do Vietnã.

Apesar de a jornalista se declarar inocente de todas as acusações, o Tribunal Popular de Hanói condenou-a a nove anos de prisão por “publicar propaganda anti-Estado”. Em 25 de agosto, o recurso foi rejeitado. 

Condenação da jornalista do Vietnã gerou protestos no mundo 

Trang, de 44 anos, é uma das quatro mulheres jornalistas detidas no Vietnã, país que ocupa a 175ª posição no ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras entre os 180 países listados.

Ela escreveu vários livros e ajudou a fundar veículos de mídia independentes, incluindo a revista jurídica Luta Khoa e o site em inglês The Vietnamese, baseado na Califórnia, do qual é uma das editoras.

É detentora do Prêmio Mulheres de Coragem da Secretária de Estado dos EUA e do Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). 

Além de atuar na imprensa, criou o grupo ambientalista Green Trees, que denuncia infrações ambientais e já teve vários ativistas presos. 

Capturada em sua casa na cidade de Ho Chi Minh em 6 de outubro de 2020, a jornalista ficou incomunicável por mais de um ano, até 19 de outubro de 2021, quando foi transferida para um centro de detenção a fim de aguardar o julgamento. 

Ela foi sentenciada por um tribunal de Hanói no dia 14 de dezembro, depois de 434 dias detida.

E acabou recebendo uma pena maior do que a que havia sido pedida pela promotoria, desfecho atípico até para os padrões do regime autoritário do país, um dos cinco com mais jornalistas presos no mundo, segundo a Repórteres Sem Fronteiras.

Foto: screenshot Radio Free Asia

Protestos vieram de entidades como a Anistia Internacional, que classificou a decisão de “escandalosa”, e do Departamento de Estado dos EUA, que em nota afirmou que ela “não fez nada além de expressar pacificamente sua opinião”.

Trang recorreu alegando que o julgamento de dezembro não seguiu os processos legais adequados. Segundo relatos, ela foi interrompida várias vezes durante o processo judicial inicial.

Em 25 de agosto, o Tribunal Popular de Hanói rejeitou as alegações de Trang e sustentou que suas ações foram “perigosas para a sociedade”.

O Departamento de Estado dos EUA voltou a se manifestar contra a confirmação da sentença. 

De acordo com a nota, o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária constatou em setembro de 2021 que a detenção de Trang é arbitrária e viola os compromissos internacionais de direitos humanos do Vietnã.

“Observamos relatos do declínio da saúde de Trang e instamos o Vietnã a garantir cuidados médicos adequados e a permitir o acesso para avaliar sua condição médica.”

Jornalista vietnamita está isolada

Desde sua prisão em 2020, Trang não tem permissão para ver a família 

A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) disse em comunicado que, de acordo com o advogado de Trang, Dang Dinh Manh, a jornalista sofre de vários problemas de saúde, incluindo sinusite resultante de uma infecção por covid-19 e uma lesão no joelho, que ela adquiriu durante um protesto em 2015 em Hanói.

“Jornalistas e profissionais da mídia são regularmente perseguidos pelo sistema judicial do Vietnã”, acusa a IFJ.

Em abril deste ano, o jornalista Le Trong Hung, que cumpria uma pena de cinco anos por postar vídeos nas redes sociais, também perdeu seu recurso.

No início desta semana, alerta a IFJ, a Assembleia Nacional do Vietnã anunciou um novo regulamento que permite às autoridades multar jornalistas por gravarem processos judiciais sem receber permissão dos tribunais.

“O tratamento de jornalistas e trabalhadores da mídia pelas autoridades do Vietnã é caracterizado por perseguição.

O sistema judicial do Vietnã deve fazer mais para proteger a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.” 

Entre as homenagens recebidas por Pham Doan Trang está o Prêmio de Liberdade de Imprensa da RSF em 2019. Segundo a organização, ela se tornou “um modelo para inúmeros jovens ativistas vietnamitas amantes da liberdade”.

Em uma carta escrita em maio de 2020, antecipando a possível prisão, ela disse que sua própria liberdade importava pouco e que sua prisão deveria servir para chamar a atenção para sua causa:

“Eu não quero liberdade para mim, isso é muito fácil. Não, eu quero algo maior – liberdade para o Vietnã.”

Em junho passado, a jornalista foi uma das escolhidas para receber o prêmio de direitos humanos Martin Ennals 2022, em Genebra.

Os organizadores fizeram um vídeo sobre a sua trajetória, e destacaram uma de suas frases:

“Escrevo porque quero genuinamente escrever e espero poder ajudar a mudar a opinião deles [os governantes] sobre a sociedade.

Se as instituições de um país estão erradas, elas criam uma cultura política ruim e prejudicam os valores do povo. Quero mudar essas instituições para que os vietnamitas possam viver a vida que merecem.”