Londres – Na manhã deste domingo, o caixão com o corpo da rainha Elizabeth iniciou uma jornada que vai durar mais de uma semana até o enterro, marcado para 19 de setembro, percorrendo ruas e sendo velado em vários locais na Escócia e em Londres em mais um espetáculo midiático dos muitos que marcou a sua vida – e que para o publicitário Washington Olivetto a transformaram “na melhor agência de publicidade que o país poderia ter”.
Vivendo em Londres desde 2017, o premiado publicitário chegou ao Reino Unido quando Elizabeth II ainda desempenhava suas funções oficiais sem as restrições impostas pela idade e pela saúde que nos últimos meses fizeram com que limitasse ainda mais as viagens e aparições públicas até sua morte, em 8 de setembro.
Ele fez a metáfora da agência de propaganda em uma entrevista ao MediaTalks quando a rainha completou 70 anos no trono, e agora analisa o sucessor, o rei Charles II, que sobe ao trono aos 73 anos de idade.
“Ele não vai fazer nada de muito errado, está treinando ha mais de 70 anos para isso.”
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No entanto, apesar dos movimentos acertados de comunicação feitos nos últimos dois dias, quase sem deslizes – o único foi uma careta que viralizou – , Charles pode ter dificuldades em repetir a performance da mãe, que se tornou uma das figuras mais admiradas do mundo e atravessou 70 anos de reinado com poucos problemas de imagem.
Para Washington Olivetto, Charles não vai brilhar, e um dos motivos é o fato de carregar a imagem de substituto. Já o príncipe William, na opinião do brasileiro, tem mais chances.
“O filho sim brilhará, quando chegar a vez dele.”
Washington Olivetto: ‘o fato é a morte da grande rainha’
Embora o tratamento emotivo e favorável dado à morte da rainha e ascensão do novo monarca na TV e nos jornais não esteja se repetindo nas redes sociais, com debates acalorados sobre o futuro da monarquia e questionamentos sobre o papel histórico da família real britânica em temas como escravidão e colonialismo, Washington Olivetto não acredita que essas narrativas ganhem força nos próximos dias.
“O fato é a morte da grande rainha. O resto é agora é detalhe.”
O publicitário diz que sua visão sobre o papel da rainha como figura pública não mudou depois que passou a morar no país, pois a convivência com gente do mundo da publicidade já tinha ajudado a compreender a extensão desse fenômeno de imagem.
Washington Olivetto contou ter perguntado uma vez a um amigo inglês o motivo de eles acreditarem tanto na rainha, e a resposta foi:
“Pelo mesmo motivo de vocês católicos acreditarem tanto em Deus”.
Na época do Jubileu de Platina, Olivetto comparou a rainha ao filho que a sucederia, e fez um diagnóstico preocupante para o novo rei que hoje foi oficialmente proclamado:
“Charles carece de uma coisa que a mãe esbanja: carisma.”
Um abributo que, na definição religiosa, significa “o dom concedido por Deus”.
Ele pode não ter o dom, mas está usando todos os instrumentos de comunicação e a eficiente máquina de relações públicas do Palácio de Buckingham para compensar – e reverter os índices desfavoráveis de popularidade.
Na última medição do instituto YouGov, feita em maio, ele apareceu em 7º lugar entre os membros da realeza, perdendo até para a sobrinha, Zara Philips.
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Mas isso foi antes da comoção popular pela morte da rainha, e de uma cobertura simpática da mídia, que nos últimos dias passou longe de temas espinhosos para Charles, como os recentes escândalos envolvendo doações para a sua fundação beneficente.
No primeiro dia como rei, Charles III chegou ao Palácio de Buckingham com a mulher, Camilla, e caiu nos braços do povo.
The King and The Queen Consort have arrived at Buckingham Palace.
Upon arrival, Their Majesties received a warm reception from members of the public who were paying their respects. pic.twitter.com/1kw62rljUI
— The Royal Family (@RoyalFamily) September 9, 2022
Com as TVs e canais de internet transmitido ao vivo, percorreu toda a grade de proteção onde súditos de aglomeravam, apertando mãos e até recebendo beijos de admiradores.
Em seguida, olhou as flores e as mensagens para a rainha Elizabeth II depositadas na grade do Palácio, até entrar para fazer seu primeiro pronunciamento à nação.
Charles III se apresentou seguro mas emotivo, referindo-se com carinho à mãe e comprometendo-se com o serviço ao país, uma de suas marcas registradas.
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Até a briga com o filho Harry foi “lustrada” no pronunciamento.
O novo monarca declarou seu amor pelo filho e por sua mulher Meghan Markle, mas sutilmente indicou que eles não têm lugar como membros do círculo mais próximo, já que seguem com sua vida no exterior.
William, o sucessor, destacado por Washington Olivetto, mereceu mais palavras do novo rei. Ele é agora o príncipe de Gales, título que pertencia a Charles. E Kate Middleton é a nova princesa de Gales, substituindo a lendária sogra Diana.
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Com todo o carisma – como aponta Olivetto – e habilidade da dupla William-Kate, o novo rei tem uma montanha a escalar, obrigado a construir sua popularidade em um cenário adverso.
O Reino Unido enfrenta uma crise que deve piorar no inverno, com aumento do custo de vida e em particular das contas de energia, item essencial em um país frio.
O rei é um chefe de Estado e não tem ingerência sobre políticas de governo. Mas o mau humor da população é um fator negativo que pode influenciar a percepção sobre lideranças de forma generalizada.
E nas outras nações que compõem a comunidade britânica e nos países do Reino Unido (Irlanda, Gales e Escócia), o problema está nos movimentos de independência da Coroa e de separação.
A isso soma-se uma decisão de Charles de operar com uma monarquia mais “enxuta”, com menos membros atuantes participando de cerimônias oficiais e viagens, uma forma de contornar as críticas sobre uso de dinheiro público – e para muitos, de deixar Harry e Meghan de fora do círculo mais próximo.
Isso significa menos presença em locais estratégicos, reduzindo as chamadas “ofensivas de charme”, que a Rainha Elizabeth e o príncipe Philip sempre fizeram tão bem, funcionando como a agência de propaganda da comparação de Washignton Olivetto.
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