Casos de jornalistas vítimas de agressão ao cobrirem manifestações, como os que aconteceram em Brasília no último domingo, têm ocorrido também em outros países da América Latina que vivem ou viveram situações de conflito nas últimas semanas. 

No Peru, México e Bolívia, profissionais de imprensa estão sendo agredidos e até assaltados mesmo identificados como profissionais de mídia, como denunciaram organizações de liberdade de imprensa e de expressão internacionais. 

As agressões no Brasil ganharam dimensão global devido à transmissão de cenas ao vivo da depredação das sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro, e por envolverem correspondentes que cobriam o ataque para veículos internacionais como Washington Post, Reuters e AFP.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) contabilizaram pelo menos 16 casos de agressão ou assédio. 

O Brasil aparece em 15º entre os 22 países que compõem o índice Chapultepec de liberdade de imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) .

A SIP condenou os ataques contra jornalistas brasileiros e correspondentes que cobriam a invasão realizada por partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

A entidade fez um apelo público ao respeito do trabalho jornalístico e lembrou que “a liberdade de imprensa é essencial para a existência da democracia”.

Os atos são vistos como violações da liberdade de imprensa, por impedirem a cobertura dos fatos e funcionarem e pelo chamado “chilling effect” – o medo de jornalistas se exporem a riscos que acaba privando a sociedade de informações.

Peru: agressão a fotojornalista da EFE

No Peru, desde o início das manifestações que resultaram na queda do presidente Pedro Castillo, em dezembro, a Associação Nacional de Imprensa (ANP, na sigla em espanhol) contabilizou pelo menos 72 violações, segundo a Federação Internacional de Jornalistas. 

O caso de maior repercussão foi o do fotojornalista da agência EFE Aldair Mejía, agredido e ameaçado pela polícia ao registrar a prisão de um homem na cidade de Juliaca. Ele contou ter tido a credencial apreendida. 

Em seguida, ele foi baleado na perna pelas forças de segurança. Agentes que perseguiram Mejía por fazer seu trabalho, disseram a ele: “se você fizer isso de novo, vou explodir sua cabeça e você estará morto”, relatou a associação. 

 A presidente da ANP, Zuliana Lainez, qualificou os acontecimentos de “bárbaros”  e reclamou da falta de ação do Estado para coibir os ataques. 

Em um manifesto assinado por associações de jornalistas de todo o país, a ANP condenou os “crimes cometidos por forças armadas e policiais” e também cobrou das empresas jornalísticas mais proteção aos seus profissionais. 

Pelo menos 40 pessoas morreram nos protestos, incluindo policiais e adolescentes que participavam de manifestações. 

México: agressão e roubo de carro de jornalistas

No México, agressões e até roubos foram praticados por membros do cartel de drogas de Sinaloa, que no dia 5 de janeiro entraram em confronto com forças de segurança da cidade de Culiacán, em represália à prisão de Ovidio Guzmán, que seria líder do grupo criminoso. 

Crimes associados ao tráfico no México são comuns. Muitos assassinatos ocorridos nos últimos anos foram em localidades dominadas pelo crime organizado. Na maioria dos casos, os alvos são profissionais de cidades pequenas que denunciavam a influência dos cartéis. 

O Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) disse ter conversado com o jornalista freelancer Marcos Vizcarra, um dos agredidos, que relatou a violência sofrida. 

Um homem não identificado, que ele suspeita ser membro do cartel, o deteve sob a mira de uma arma e roubou seu carro. 

Mais tarde, quando foi para um hotel local, homens armados entraram no prédio e roubaram seu telefone, disse ele ao CPJ. 

O Comitê relatou também que homens armados forçaram três jornalistas que trabalhavam para veículos locais e nacionais a sair do carro em que viajavam e roubaram o veículo, telefones celulares e laptops, segundo informações recebidas das vítimas, que não quiseram se identificar por motivos de segurança. 

Nenhum dos profissionais foi ferido fisicamente, mas o CPJ lembrou a situação dramática do México, que registrou uma escalada de mortes de jornalistas em 2022. 

“As autoridades mexicanas devem intensificar imediatamente seus esforços para proteger os jornalistas que cobrem os distúrbios em Culiacán, que se tornaram semelhantes a reportagens feitas em uma zona de guerra”, disse Jan-Albert Hootsen, representante do CPJ no México.

“A menos que as autoridades finalmente protejam a imprensa e levem aqueles que atacam repórteres à justiça, o assédio e os roubos flagrantes de jornalistas continuarão.”

Um funcionário do Mecanismo Federal para a Proteção de Defensores de Direitos Humanos e Jornalistas, órgão subordinado ao Ministério do Interior federal que oferece proteção a repórteres, disse ao CPJ que a agência havia contatado a Guarda Nacional para coordenar a segurança dos repórteres durante os combates .

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, é frequentemente alvo de críticas por parte de jornalistas e de organizações de mídia por incitar o ódio da população contra a imprensa. 

Bolívia: jornalista espancado e carro incendiado 

Na Bolívia, manifestações de apoio ao governador de Santa Cruz e líder da oposição, Luis Fernando Camacho, preso preventivamente desde 28 de dezembro, foram reprimidas com um grande destacamento policial que praticou “violência excessiva e ataques” contra jornalistas, na avaliação da Sociedade Interamericana de Prensa. 

Segundo a Associação Nacional de Imprensa (ANP) boliviana, que reúne os principais meios de comunicação impressos do país, no dia 1º de janeiro agentes policiais confiscaram equipamentos e espancaram o repórter Joel Orellana e seu assistente Miguel Ángel Rivero. Eles haviam filmado a repressão policial aos manifestantes.

Em 30 de dezembro, o cinegrafista José Tarqui, do jornal online Jornalismo Somos Todos, foi ferido por projéteis disparados pela tropa de choque.

Os policiais da tropa dispararam granadas de gás lacrimogêneo contra equipes de imprensa dos canais Unitel, Sitel, PAT e Gigavisión, segundo a ANP. 

Em outro caso de agressão, o jornalista Harold Salvatierra, da Radio Actualidad, denunciou o incêndio de seu carro enquanto cobria confrontos entre manifestantes e policiais.