Londres – Em 2 de novembro celebrou-se o Dia de Finados e o Dia Mundial pelo Fim da  Impunidade de Crimes Contra Jornalistas, uma coincidência que faz jus à realidade vivida pelo setor em todo o mundo. 

Dias depois, o Ministério da Justiça filipino confirmou que a morte de um dos mais conhecidos profissionais de imprensa do país, Percy Lapid, em outubro, teve como mandante o chefe do sistema prisional do país, uma autoridade graduada que deveria proteger os cidadãos e não destruir vidas.  

É um raro caso de autoria identificada, restando saber se o integrante do governo será punido.

Impunidade de crimes contra jornalistas sem solução à vista

Poucas categorias contam com uma data para protestar contra a falta de punição para crimes cometidos contra seus profissionais. No caso da imprensa, eles afetam toda a sociedade.

Lapid havia denunciado corrupção do diretor do sistema penitenciário, que teria facilitado a vida de detentos integrantes de grupos criminosos. E por isso perdeu a vida.

Apesar da coincidência triste com Finados, a violência contra jornalistas não se limita a  assassinatos. Agressões e assédio online e off-line devastam reputações e empurram profissionais para o exílio ou levam a abandonar a atividade.

Mas contra a morte não há remédio. Faltando menos de dois meses para o fim do ano, o jornalismo já superou o número de perdas de profissionais a serviço ou associadas ao trabalho registrado em todo o ano de 2021, mais de 50.

É certo que este ano temos uma guerra, que levou pelo menos nove profissionais de mídia.

Mas a maioria dos crimes de 2022 ocorreu fora de zonas de conflito − pelo menos oficialmente, visto que algumas tiveram como alvo jornalistas atuando em regiões dominadas por grupos criminosos, sobretudo na América Latina.

Dois exemplos próximos são o Haiti, com seis mortes, e o México, com 15.

Há duas semanas, três homens foram condenados pelo assassinato da mexicana Lourdes Maldonado, ocorrido em janeiro. Cada um recebeu US$ 15 mil pelo “trabalho”.

Ela tinha vencido uma ação trabalhista contra uma TV de propriedade de um ex-governador estadual e estava sob proteção do Estado, mas há suspeitas de envolvimento de um cartel no crime.

No entanto, o mais importante não aconteceu, “honrando” a necessidade de uma data contra a impunidade: os mandantes não foram identificados.

Crimes contra profissionais sob proteção do Estado

É assustador constatar que nem jornalistas colocados sob proteção do Estado escaparam.

Foi o caso de Lourdes Maldonado e do colombiano Rafael Moreno. Ele havia pedido reforço na segurança fornecida pelo governo, mas foi assassinado em uma tarde de domingo em que tinha dispensado o agente que o acompanhava.

A impunidade é tamanha que na maioria dos casos não há sequer confirmação de que o crime tenha relação com o trabalho.

É comum ler declarações de autoridades sugerindo outras motivações. Mas não deve ser coincidência o fato de que quase todos os que perderam a vida tinham histórico de denunciar crimes e corrupção.

Outro padrão é o foco em blogueiros, jornalistas-cidadãos ou que trabalham em pequenos veículos locais, um deles no Ceará.

De todos os crimes fatais deste ano, poucos vitimaram jornalistas de grandes veículos, como o britânico Dom Philips, assassinado na Amazônia, e a repórter da Al Jazeera Shireen Abu Akleh.

Ela foi baleada quando cobria uma operação do exército israelense na Cisjordânia, caso que chegou ao Tribunal de Haia mas por enquanto não resultou em responsabilização ou punição.

Se isso acontece com uma figura conhecida e cidadã americana, não é difícil imaginar o que ocorre em casos como o do hondurenho Edwin Andino, de 23 anos, sequestrado junto com o pai e encontrado morto amordaçado com fita isolante, uma marca registrada de grupos criminosos para indicar a intenção de silenciar quem os denuncia. 

A consequência da impunidade nos crimes é o chamado chilling effect, com jornalistas ou mesmo veículos desistindo de levar denúncias adiante por medo.

Grandes investigações não são impactadas, pois contam com o apoio de organizações de mídia poderosas e esquemas para salvaguardar os profissionais.

O Bellingcat é um exemplo. Fundado em 2015 pelo jornalista britânico Elliot Higgins, tem sede na Holanda e criou um eficiente mecanismo de apuração, combinando expertise de profissionais investigativos e tecnologia para vasculhar o mundo digital. 

Eles têm segurança suficiente para desafiar governos, políticos e grandes interesses financeiros. 

Na outra ponta, ainda há corajosos que enfrentam poderosos ou criminosos sem proteção − tanto que vários deles foram vítimas fatais de crimes ou de assédio e perseguições.

Mas quantos “engavetaram” pistas que poderiam ter se transformado em reportagens por causa dos riscos?

Embora as organizações de liberdade de imprensa costumem estar unidas ao condenar atos de  violência contra a imprensa, a Federação Internacional de Jornalistas perdeu a paciência e lançou um movimento próprio, criticando a ineficiência do plano de ação da Unesco que agora completa dez anos.

A IFJ propôs à ONU a adoção de uma Convenção sobre segurança e independência de jornalistas, afirmando que “apesar de suas dignas intenções, o plano Segurança de Jornalistas e Impunidade não foi capaz de oferecer o “ambiente livre e seguro” que prometeu.

Pode não adiantar nada. Mas diante da realidade, não custa tentar algo diferente.