A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) denunciou que o regime de Daniel Ortega está se mobilizando para utilizar os equipamentos de impressão confiscados do jornal La Prensa e arregimentar equipes que trabalharam no veículo para criar um jornal destinado a publicar propaganda política favorável ao governo da Nicarágua. 

Mais antigo jornal do país, o La Prensa tem história marcada por fechamentos temporários, prisão de gestores e jornalistas, bombardeio e incêndio das suas instalações, censura, bloqueio aduaneiro aos insumos de impressão e o assassinato do seu diretor, Pedro Joaquín Chamorro Cardenal, em 1978.

Desde 2019 ele passou a ser perseguido pelo regime de Daniel Ortega, resultando no confisco de sua sede e maquinário, prisão de jornalistas e diretores e exílio para os que conseguiram escapar do país. 

O jornal continua sendo publicado digitalmente, rodando em servidores de computador fora do alcance do governo desde que o regime tomou suas instalações, em 13 de agosto de 2021. 

Em 2022, uma operação de fuga retirou do país todos os profissionais que ainda estavam trabalhando localmente para produzir conteúdo, depois que um motorista do La Prensa foi preso por ter participado da cobertura da  expulsão de freiras da Nicarágua. 

Segundo a SIP, o artigo 14 da Constituição da Nicarágua proíbe o confisco de bens e imóveis. O valor comercial dos “bens usurpados do La Prensa” é estimado pela entidade em cerca de US$ 20 milhões

No antigo prédio do jornal, o regime de Ortega instalou o Centro Cultural e Politécnico José Coronel Urtecho, a cargo do Instituto Nacional Tecnológico (Inatec).

As sedes de outros jornais também perseguidos, o Confidencial e o 100% Notícias, também foram confiscadas e convertidas em uma casa materna e um centro de atendimento para viciados, respectivamente.

Para a SIP, o novo uso que o regime de Daniel Ortega da Nicarágua dará às rotativas e instalações “roubadas do jornal La Prensa” é indevido, ilegal e anticonstitucional.

Além de usar o maquinário, o governo estaria contratando pessoal que trabalhava para a empresa, devido ao seu conhecimento especializado no uso das rotativas, e outras equipes de produção e da área comercial. 

Regime Ortega: ‘uso de bens privados para fins de propaganda’

O presidente da SIP, Michael Greenspon, diretor global de Licenciamento e Inovação de Impressão do The New York Times, se disse  “alarmado ao ver que além de ter confiscado ilegitimamente e tomado conta dos bens de uma empresa privada, o regime tem agora a coragem de usá-los para fins de propaganda”.

O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, Carlos Jornet, disse que “um regime como o de Ortega não está disposto a criar um meio público para que os cidadãos recebam informações imparciais e transparentes sobre os atos do governo”.

Jornet, diretor jornalístico da La Voz del Interior, da Argentina, acrescentou: “Esta é uma nova tentativa de usar a engrenagem de propaganda e propagar mentiras, a fim de continuar a criar sua própria narrativa para enganar o povo”.

A SIP afirmou que manterá  sua campanha pela libertação de Juan Lorenzo Holmann, gerente geral da La Prensa, e dos jornalistas Miguel Mora e Miguel Mendoza, condenados a 13 e nove anos de prisão.

Holmann Chamorro foi condenado por lavagem de dinheiro, bens e bens sem que nenhuma prova fosse produzida pelas autoridades, segundo organizações de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa.

A entidade também insta o governo Ortega a anular as sentenças aplicadas a Cristiana Chamorro e Pedro Joaquín Chamorro, membros do conselho da La Prensa, e ao jornalista Jaime Arellano, condenados a oito, nove e 13 anos, respectivamente.

O Índice Chapultepec da SIP de 2022 mostra a Nicarágua em último lugar entre os 22 países das Américas analisados pelo seu desempenho em liberdade de expressão e de imprensa. 

O país está em 160º lugar no ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras, que lista 18o nações. 

Na análise sobre a Nicarágua, a RSF aponta que mesmo após a reeleição de Ortega para o quarto mandato consecutivo, o jornalismo “continua a enfrentar um pesadelo de censura, intimidação e ameaças”, com jornalistas submetidos a assédio, arbitrariedades, prisões e ameaças de morte, razão pela qual vários foram para o exílio.