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Ameaça nuclear, desinformação, clima: como a guerra na Ucrânia influenciou a nova hora do Relógio do Juízo Final

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Foto: Wendelin Jacober / Pixabay

Londres – O relatório produzido por um comitê de 18 cientistas que define anualmente quanto tempo falta para a “meia-noite do apocalipse”, uma metáfora para apontar riscos para os seres humanos e o planeta, elegeu este ano a guerra na Ucrânia como principal motivo para o avanço do ponteiro do Relógio do Juízo Final. 

O Doomsday Clock marca agora 90 segundos para o horário que simboliza a extinção do planeta, o ponto mais próximo desde que essa medição simbólica começou a ser feita, em 1947.

A definição da hora é feita pelo Comitê de Ciência e Segurança dos Cientistas Nucleares, com o apoio de um conselho que inclui  10 detentores de Prêmios Nobel. 

Comitê do Relógio do Juízo Final vê ‘risco terrível’ 

Ao apresentar a nova hora, na terça-feira (24), o Comitê afirmou:

 “A guerra da Rússia contra a Ucrânia levantou questões profundas sobre como os estados interagem, corroendo as normas de conduta internacional que sustentam respostas bem-sucedidas a uma variedade de riscos globais. E o pior de tudo, as ameaças pouco veladas da Rússia de usar armas nucleares lembram ao mundo que a escalada do conflito – por acidente, intenção ou erro de cálculo – é um risco terrível.”

Um dos membros do comitê, Steve Fetter, observou que “mesmo que o uso de armas nucleares seja evitado na Ucrânia, a guerra desafiou a ordem nuclear — o sistema de acordos e entendimentos que foram construídos ao longo de seis décadas para limitar os perigos dessas armas”.

Os riscos não são apenas o de uma bomba atômica lançada pela Rússia, que detém a tecnologia, ou de aliados da Ucrânia que poderiam revidar ataques. A confirmação do fornecimento de tanques Leopard por outros países como Alemanha e Noruega elevou as tensões. 

A declaração assinada pelos cientistas do Relógio do Juízo Final, distribuída não só em inglês, mas também em ucraniano e russo, aleta para a possibilidade de que vazamentos de substâncias radioativas coloquem em risco a população.

“A Rússia levou sua guerra para o entorno dos reatores nucleares de Chernobyl e Zaporizhia, violando protocolos internacionais e arriscando a liberação generalizada de materiais radioativos.

Os esforços da Agência Internacional de Energia Atômica para proteger essas usinas até agora foram insuficientes.” 

A usina de Zaporizhia está ocupada por forças russas desde o início da guerra. A agência realizou uma primeira inspeção em setembro de 2022, com a finalidade de avaliar a possibilidade de um desastre nuclear devido aos intensos bombardeios no local.

E a censura a informações sobre o que acontece lá dentro virou mais um ponto de discórdia entre a Rússia e a Ucrânia. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acusou a Rússia de proibir a entrada de jornalistas e fazer uma operação de propaganda, publicando imagens da visita na mídia estatal. 

A ameaça da desinformação

Para os cientistas do Relógio do Juízo Final, a guerra de fake news e de propaganda política, levando à desinformação, é outro risco trazido ao mundo pela guerra na Ucrânia. 

O relatório destaca que “o controle do governo russo sobre o ecossistema de informações bloqueou a ampla disseminação de informações verdadeiras sobre a guerra da Ucrânia”. 

As perseguições à mídia independente já aconteciam antes da guerra, mas se intensificaram desde 24 de fevereiro de 2022, data da invasão da Ucrânia.

Em março, uma lei de fake news foi sancionada por Vladimir Putin, prevendo penas de até 15 anos de prisão para os que disseminassem informações falsas sobre o exército russo. 

Uma das proibições é chamar a guerra de guerra. Na retórica do governo, trata-se de uma operação especial, destinada a proteger os limites territoriais da Rússia e a população que vive nas regiões em disputa. 

Como consequência da lei, de detenções arbitrárias e de prisões, jornalistas estrangeiros deixaram o país ou tiveram vistos cancelados. Sucursais de veículos internacionais fecharam ou deixaram de produzir conteúdo a partir da Rússia, para não colocar suas equipes sob risco. 

Nem o jornal de Dmitry Muratov, detentor do prêmio Nobel da Paz de 2021, escapou.

Depois de uma ordem de suspensão, ele perdeu as licenças para imprimir e depois para atualizar a versão digital.

Profissionais que trabalhavam no veículo fundaram o Novaya Gazeta Europa e passaram a atualizar o site de fora do país, de onde não são alcançados pelo governo. 

Mas nem sempre é possível escapar da repressão. Uma das primeiras pessoas processadas pela lei de fake news é uma blogueira que vive na França e se manifestou nas redes sociais contra a invasão da Ucrânia. 

Ela acaba de ter seus bens na Rússia confiscados, como parte do processo a que responde à revelia, pois não voltou ao país. 

O relatório do Relógio do Juízo Final também acusa o presidente russo Vladimir Putin de ter “destruído as normas de comportamento no espaço, ameaçando publicamente usar uma arma contra os satélites Starlink dos EUA, argumentando que eles não são apenas um sistema comercial, mas também militar”.

A Ucrânia utiliza a comunicação por satélites para a comunicação com tropas remotas em locais onde a infraestrutura de telecomunicações foi destruída. 

A guerra e o meio ambiente 

A guerra também elevou os riscos para o meio ambiente, segundo os cientistas do Relógio do Juízo Final. Eles consideram que além do perigo nuclear, o conflito na Ucrânia prejudica os esforços globais para combater as mudanças climáticas.

Os países dependentes do petróleo e do gás russos procuraram diversificar seus suprimentos e fornecedores, levando à expansão do investimento em gás natural exatamente quando esse investimento deveria ter diminuído.”

Rachel Bronson, presidente do Comitê do Relógio do Juízo Final, disse: 

“Estamos vivendo um momento de perigo sem precedentes, e hora de 2023 reflete essa realidade: 90 segundos para a meia-noite é o ponto mais próximo em que o relógio já esteve, uma decisão que nossos especialistas não tomaram com facilidade.

Ela conclamou os líderes a “explorarem todos os canais de diálogo para fazer o relógio voltar para trás”.

A história do Relógio do Juízo Final 

O Boletim dos Cientistas Atômicos foi fundado em 1945 por Albert Einstein, J. Robert Oppenheimer, Eugene Rabinowitch e cientistas da Universidade de Chicago que ajudaram a desenvolver as primeiras armas atômicas do Projeto Manhattan.

Os cientistas sentiram que “não podiam permanecer distantes das consequências de seu trabalho” e trabalharam para informar o público e os formuladores de políticas sobre as ameaças provocadas pelo homem à existência humana.

O Relógio do Juízo Final foi criado em 1947 pelo Boletim dos Cientistas Atômicos para transmitir o quão perto a humanidade está de se destruir, e desde então a hora é atualizada todos os anos, sempre em janeiro. 

 
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