Londres – O primeiro ano da guerra na Ucrânia foi marcado por um número elevado de ferimentos e mortes de jornalistas, mas nem todos as perdas foram de profissionais documentando o conflito: pelo menos 27 deles tornaram-se soldados e morreram em combate.
A conta foi feita pela organização não-governamental ucraniana Institute of Mass Information (IMI), que destacou em seu balanço dos efeitos da guerra sobre a liberdade de imprensa neste primeiro ano da guerra o número de profissionais que perderam a vida lutando por seu país na linha de frente, situação incomum em outros conflitos.
Houve ainda 13 perdas de jornalistas assassinados em bombardeios ou vítimas de tortura nas mãos das forças russas, e oito no desempenho de suas funções. O total de mortes foi de 48.
Alguns dos que trocaram computadores, câmeras e microfones por armas eram especializados em cobrir guerras, como Oleksandr Makhov de 36 anos, um conhecido repórter de TV que resolveu abandonar a profissão para se alistar e não voltou para casa.
4 mortes de jornalistas como soldados na Ucrânia este mês
As baixas acabam diluídas entre números de soldados mortos ou feridos. Apenas em fevereiro, o IPI registrou quatro perdas de jornalistas lutando na guerra: Ihor Teryokhin, Pavlo Tymoshenko, Oleksiy Borys, Serhiy Klymenko.
E não são apenas jornalistas ucranianos que resolveram se alistar. Um dos casos destacados pela organização é o da jornalista transgênero americana Sarah Ashton-Cirillo, ferida durante um combate direto com forças russas na Ucrânia na semana passada.
Ela chegou à Ucrânia como correspondente, fazendo reportagens para o jornal LGBTQ Nation e artigos para o site Resolute Square, e resolveu se alistar.
No Twitter, ela postou um vídeo do momento em que foi atingida e perdeu parte da mão, salientando que venceram a batalha e isso é o que importa.
https://twitter.com/SarahAshtonLV/status/1628734097529925632?s=20
Jornalistas ucranianos e estrangeiros atacados na Ucrânia
Ao todo, 497 crimes foram cometidos contra jornalistas na Ucrânia, incluindo 35 ataques diretos documentados, disse a ONG. Pelo menos 17 profissionais ficaram feridos, sofrendo concussões, fraturas e perfurações.
Alguns deles foram destacados pelo instituto. O primeiro caso foi o de Yevhen Sakun, cinegrafista que perdeu a vida quando a torre de TV em que trabalhava, em Kiev, foi bombardeada.
O primeiro estrangeiro a morrer foi Brent Arnaud, premiado documentarista americano que colaborava com diversas organizações de mídia internacionais.
Também foram destacados Pierre Zakrzewski, britânico, e Oleksandra Kuvshynova, ucraniana. Os dois estavam a bordo do carro de reportagem da Fox News atacado por tropas russas.
O correspondente britânico Benjamin Hall perdeu metade da perna de um lado e um pé do outro, além de ter ficado com problemas de audição e ferimentos no olho e na mão.
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O IMI registrou ainda 21 casos de jornalistas capturados ou sequestrados pelo exército russo nas regiões de Kiev, Zaporizhzhia, Kherson, Lugansk e Kharkiv. Segundo a organização, o jornalista Dmytro Khyliuk permanece em cativeiro até hoje.
Em 5 de março, os militares russos sequestraram Nikita (nome alterado), jornalista que colaborava como “fixer” para Rádio França, em um vilarejo no centro da Ucrânia, o torturaram e o mantiveram em cativeiro por nove dias.
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Outra forma de violação foi o bloqueio de TV e rádio por meio da destruição de torres de telecomunicações. O IPI registrou 16 casos, com o sinal interrompido temporariamente ou para sempre em nove regiões ucranianas.
O perigo não esteve somente na cobertura nas ruas e front de batalha, seja na cobertura ou para os jornalistas que se alistaram como soldados para defender a Ucrânia.
Segundo o instituto, forças russas tomaram conta deredações de pelo menos 25 meios de comunicação ucranianos “com o propósito deliberado de distribuir sua propaganda agressiva nos territórios ocupados da Ucrânia”.
A invasão russa resultou no fechamento total ou temporário de pelo menos 233 meios de comunicação, disse a organização:
Veículos de mídia tiveram que fechar devido às ameaças diretas dos ocupantes russos, à tomada de seus escritórios, à impossibilidade de trabalhar sob a ocupação temporária, à destruição de seus espaços de trabalho ou à crise financeira causada pela guerra russa.
Além disso, o IMI registrou 67 casos de ameaças enviadas a jornalistas e editores de mídia nacional e regional:
No início, os ocupantes ameaçavam os jornalistas fisicamente (chegando às casas dos jornalistas ou de seus pais); depois, as ameaças passaram para o meio online (por meio de e-mails com ameaças de processos criminais, prisão, tortura, interrogatórios e armas nucleares).
A imprensa ucraniana também sofreu foi alvo de guerra cibernética, segundo o instituto, que constatou 43 ataques DDoS a sites de mídia que cobrem a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Os cibercrimes russos incluíram sites de mídia sendo hackeados, notícias sendo substituídas por manifestos e símbolos russos, postagem de pedidos de rendição e ataques de phishing a jornalistas ucranianos.
“Os jornalistas ajudaram o mundo a aprender sobre os eventos na Ucrânia e sobre o papel da Rússia na guerra, evitando a distorção dos fatos e a disseminação da propaganda do Kremlin”, disse Oksana Romaniuk, diretora-executivo do Institute of Mass Information.
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Jornalista homenageado por Zelensky
Entre os jornalistas que morreram como soldados na guerra da Ucrânia, o caso de maior repercussão foi o de Oleksandr Makhov, um conhecido repórter da TV ucraniana.
Ele já tinha se alistado antes. Em 2014, lutou em um conflito iniciado após insurreições separatistas em duas regiões do leste do país
O presidente Volodymyr Zelensky publicou um vídeo lamentando a morte do jornalista no Instagram.
“Patriota e sincero, sempre sem vaidade. Ele estava sempre entre os mais corajosos, entre os primeiros da fila.”
Zelensky responsabilizou a Rússia pelo bombardeio que vitimou Makhov Dirigindo-se ao filho do jornalista, Vladyslav, ele disse que o país vai “alcançar a vitória” na guerra.
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