Londres – A justiça da Argélia ignorou a movimentação internacional pela libertação do jornalista  Ihsane El Kadi, um dos mais conhecidos profissionais de imprensa do país, e condenou-o neste domingo (2) a cinco anos de prisão, com dois anos de suspensão da pena. Ele ficará preso três anos. 

O grupo de mídia de propriedade do jornalista, formado pela emissora Radio M e pelo site de notícias econômicas Maghreb Émergent, críticos ao governo e ao exército da Argélia, foi fechado e terá que pagar multas pesadas. 

El Kadi foi condenado com base nos artigos 95.º e 95.º bis do Código Penal relativos à “receção de fundos do estrangeiro para fins de propaganda” e “pela prática de actos susceptíveis de atentar contra a segurança nacional e o normal funcionamento das instituições” .

Grupo de mídia extinto 

Na sexta-feira, dois dias antes do julgamento, a organização de defesa da liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras fez um ato em favor de El Kadi em Paris, depositando diante da embaixada da Argélia 13 mil envelopes, em alusão às assinaturas recebidas em uma petição pedindo a libertação do jornalista

O manifesto tinha sido assinado por 16 proprietários ou editores de grandes veículos de mídia, entre eles o russo Dmitry Muratov, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2021, e os diretores de redação dos jornais Financial Times e Le Monde.

Segundo a AFP, as multas aplicadas ao jornalista e à sua empresa, Interface Media, chegam a 11,7 milhões de dinares argelinos (US$ 86.200).

 Ao fim do julgamento, um dos advogados do jornalista, Abdelghani Badi, disse que apelará da sentença. 

A equipe de defesa de El Kadi rejeitou as acusações de financiamento estrangeiro, sustentando que a única transferência estrangeira para a Interface Media foi feita por sua filha que mora no Reino Unido e é sócia da empresa. 

Reações à condenação do jornalista da Argélia 

A oposição na Argélia também reagiu à condenação do jornalista. Em nota para a imprensa tornada pública, assim que a sentença foi proferida, o partido Rassemblement pour la Culture et la Démocratie (RCD) condenou o “assédio judicial” sobre ele. 

Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, El Kadi vinha sendo vítima de assédio político e jurídico há anos, com atos que vão de intimidações a processos judiciais e prisões. 

O  jornalista foi detido em 24 de dezembro em sua casa em Zemmouri, uma cidade costeira a leste da capital Argel, e levado algemado aos escritórios da Radio M e do site Maghreb Emergent. 

Os agentes ordenaram que os funcionários saíssem, apreenderam computadores e outros materiais e fecharam as portas. 

Poucos dias antes da detenção, El Kadi havia publicado uma análise da situação política argelina, destacando a interferência do exército argelino nas eleições presidenciais.

Um membro da família do jornalista, que pediu para permanecer anônimo, disse a representantes da Anistia que os agentes de segurança não apresentaram um mandado de prisão e nem informaram as acusações contra ele.

El Kadi foi detido por por cinco dias e interrogado sobre suas reportagens no quartel Antar em Argel, comandado pela Direção Geral de Segurança Interior da Argélia. 

Um procurador acusou-o de vários delitos, entre os quais “receber fundos, donativos ou benefícios que possam prejudicar a segurança do Estado”, “receber fundos estrangeiros para propaganda política” e “distribuir, vender ou expor folhetos, boletins ou panfletos com o objetivo de prejudicar o interesse nacional”.

El Kadi foi condenado em 25 de dezembro a uma sentença ainda não aplicada de seis meses de prisão e multa por “publicar informações falsas”, relacionadas a um artigo de 23 de março de 2021 defendendo a atuação do grupo político não registrado Rachad nos protestos de “Hirak”. O grupo é classificado pelas autoridades como terrorista.

Em 29 de dezembro, um juiz ordenou que o jornalista fosse mantido preso na penitenciária de El Harrach.

A prisão preventiva foi prorrogada em 15 de janeiro sem a presença de seus advogados, denuncia a Anistia. Na ocasião, o grupo de advogados que defende o jornalista publicou uma nota protestando contra a condução do caso. 

https://twitter.com/maghrebemergent/status/1615771942690119685?s=20&t=M7gtQ9GzlQUADjO-MuPaOQ

Antes de lançar a petição online, a Repórteres Sem Fronteiras, com sede na França, apelou formalmente à Organização das Nações Unidas (ONU), pedindo interferência no caso.

O argumento é de que a prisão, ocorrida poucos dias após a publicação de artigos críticos às autoridades, tem motivação política e “um claro desejo de amordaçar a mídia independente”.

Liberdade de imprensa na Argélia 

Devido a um aumento constante das ameaças, intimidações e assédio judicial aos jornalistas, a Argélia ocupa o 134º lugar entre 180 países no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa divulgado pela RSF em 2022.

Na análise sobre o país, a RSF afirma que a tensão domina o clima político, especialmente após a eleição do presidente Abdelmadjid Tebboune em dezembro de 2019.

“A mídia e os jornalistas estão sob constante pressão, exercida principalmente pelo gabinete do presidente, partidos políticos, serviços de segurança e autoridades locais.

Repórteres são impedidos de exercer seu trabalho com liberdade e independência, enquanto o governo exerce influência direta na contratação e demissão de executivos na mídia e nas agências reguladoras.”

Há quase um ano, quando foi publicada a mais recente edição do ranking de liberdade de imprensa, a RSF havia salientado que o ambiente legislativo na Argélia vinha se tornando cada vez mais restritivo – e o caso de Ihsane El Kadi confirma as preocupações.

Segundo a RSF, o artigo 54 da Constituição argelina garante a liberdade de imprensa, mas também representa uma ameaça aos jornalistas ao vincular a divulgação de informações e opiniões ao respeito às “características e valores religiosos, morais e culturais da nação”. 

Uma reforma do código penal, adotada em 2020, prevê penas de prisão de um a três anos para a divulgação de “notícias falsas” e “discurso de ódio” destinados a prejudicar a “segurança e a ordem nacional”, bem como a “segurança do Estado e a unidade nacional”. ” 

“Essas leis são regularmente usadas para processar e condenar jornalistas. Nessa atmosfera, florescem a censura e a autocensura”, aponta a organização.