Londres – Uma mobilização internacional envolvendo profissionais de imprensa e ONGs de diversos países busca forçar o governo da Argélia a libertar o o jornalista Ihsane El Kadi, um dos poucos a resistir à repressão sobre a mídia do país, que foi preso em dezembro.

Jornalista independente, ele é diretor da emissora argelina Radio M e do site de notícias econômicas Maghreb Émergent, veículos de comunicação críticos ao governo e ao exército da Argélia.  

A prisão, considerada arbitrária, gerou grande comoção e deu origem a uma campanha liderada pela organização Repórteres Sem Fronteiras. 

O manifesto pedindo a libertação do jornalista foi assinado por 16 proprietários ou editores de grandes veículos de mídia, entre eles o russo Dmitry Muratov, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2021, e os diretores de redação dos jornais Financial Times e Le Monde.

Petição online por jornalista da Argélia

A RSF criou uma petição online de apoio a Ihsane El Kadi, cobrando a retirada das acusações contra ele. 

Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, El Kadi vem sendo vítima de assédio político e jurídico há anos, com atos que vão de intimidações a processos judiciais e prisões. 

A Anistia Internacional relatou que o jornalista foi detido em 24 de dezembro em sua casa em Zemmouri, uma cidade costeira a leste da capital Argel, e levado algemado aos escritórios da Radio M e do site Maghreb Emergent. 

Os agentes ordenaram que os funcionários saíssem, apreenderam computadores e outros materiais e fecharam as portas. 

Poucos dias antes da detenção, El Kadi havia publicado uma análise da situação política argelina, destacando a interferência do exército argelino nas eleições presidenciais.

Um membro da família do jornalista, que pediu para permanecer anônimo, disse a representantes da Anistia que os agentes de segurança não apresentaram um mandado de prisão e nem informaram as acusações contra ele.

El Kadi foi detido por por cinco dias e interrogado sobre suas reportagens no quartel Antar em Argel, comandado pela Direção Geral de Segurança Interior da Argélia. 

Um procurador acusou-o de vários delitos, entre os quais “receber fundos, donativos ou benefícios que possam prejudicar a segurança do Estado”, “receber fundos estrangeiros para propaganda política” e “distribuir, vender ou expor folhetos, boletins ou panfletos com o objetivo de prejudicar o interesse nacional”.

El Kadi foi condenado em 25 de dezembro a uma sentença ainda não aplicada de seis meses de prisão e multa por “publicar informações falsas”, relacionadas a um artigo de 23 de março de 2021 defendendo a atuação do grupo político não registrado Rachad nos protestos de “Hirak”. O grupo é classificado pelas autoridades como terrorista.

Em 29 de dezembro, um juiz ordenou que o jornalista fosse mantido preso na penitenciária de El Harrach.

A prisão preventiva foi prorrogada em 15 de janeiro sem a presença de seus advogados, denuncia a Anistia. O grupo de advogados que defende o jornalista publicou uma nota protestando contra a condução do caso. 

Antes de lançar a petição online, a Repórteres Sem Fronteiras, com sede na França, apelou formalmente à Organização das Nações Unidas (ONU), pedindo interferência no caso.

O argumento é de que a prisão, ocorrida poucos dias após a publicação de artigos críticos às autoridades, tem motivação política e “um claro desejo de amordaçar a mídia independente”.

“Pedimos à Relatora Especial da ONU que chame urgentemente as autoridades para cumprirem suas obrigações internacionais e constitucionais. As Nações Unidas devem exigir a libertação imediata de Ihsane El Kadi e o abandono total das acusações que visam apenas silenciá-lo.”

Liberdade de imprensa na Argélia 

Devido a um aumento constante das ameaças, intimidações e assédio judicial aos jornalistas, a Argélia ocupa o 134º lugar entre 180 países no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa divulgado pela RSF em 2022.

Na análise sobre o país, a RSF afirma que a tensão domina o clima político, especialmente após a eleição do presidente Abdelmadjid Tebboune em dezembro de 2019.

“A mídia e os jornalistas estão sob constante pressão, exercida principalmente pelo gabinete do presidente, partidos políticos, serviços de segurança e autoridades locais.

Repórteres são impedidos de exercer seu trabalho com liberdade e independência, enquanto o governo exerce influência direta na contratação e demissão de executivos na mídia e nas agências reguladoras.”

Há quase um ano, quando foi publicada a mais recente edição do ranking de liberdade de imprensa, a RSF havia salientado que o ambiente legislativo na Argélia vinha se tornando cada vez mais restritivo – e o caso de Ihsane El Kadi confirma as preocupações.

Segundo a RSF, o artigo 54 da Constituição argelina garante a liberdade de imprensa, mas também representa uma ameaça aos jornalistas ao vincular a divulgação de informações e opiniões ao respeito às “características e valores religiosos, morais e culturais da nação”. 

Uma reforma do código penal, adotada em 2020, prevê penas de prisão de um a três anos para a divulgação de “notícias falsas” e “discurso de ódio” destinados a prejudicar a “segurança e a ordem nacional”, bem como a “segurança do Estado e a unidade nacional”. ” 

“Essas leis são regularmente usadas para processar e condenar jornalistas. Nessa atmosfera, florescem a censura e a autocensura”, aponta a organização.