Londres – O futuro da monarquia britânica, agora sob o comando de Charles III, tem implicações políticas, econômicas e sociais não apenas para as quatro nações que fazem parte do reino, mas também para os países que compõem a Comunidade Britânica das Nações, muitos ainda com o monarca britânico como seu chefe de Estado. 

Os três dias de festa pela coroação representam uma oportunidade para exibir ao país e ao mundo mais um dos espetáculos de relações públicas com a grandiosidade que só a família real britânica consegue fazer, fundamentais para que ela continue a existir e a reinar – pelo menos de forma simbólica – em nações como Austrália e Nova Zelândia.

É uma oportunidade que não poderia ser perdida, já que se não houver imprevistos como mortes ou abdicações, o próximo show midiático deverá ser o casamento do príncipe George, hoje com apenas 10 anos de idade. 

Futuro da monarquia nas mãos de Charles III

Uma cerimônia de coroação majestosa como a que está sendo planejada não é obrigatoria, pois o rei assumiu o trono em setembro.

E nem é mais praticada em outras nações europeias que ainda conservam o sistema monárquico, mas fazem transições em cerimônias mais discretas, algumas dentro do Parlamento do país. 

A última troca de comando no trono britânico aconteceu em 1953, quando não havia redes sociais, a TV engatinhava e poucos questionavam sobre se ela deveria existir ou não. 

O filho de Elizabeth II, então com quatro anos de idade, foi o primeiro sucessor de um monarca a participar de sua coroação.

Rainha Elizabeth foi coroada em 1953 e o então príncipe Charles assistiu
Divulgação Palácio de Buckingham via Twitter)

A ideia de transmitir a coroação pela TV foi do príncipe Philip, marido de Elizabeth II, que viu ali uma chance de aproximar a realeza do povo. Elizabeth II passou a vida sob os holofotes até morrer, em setembro de 2022, ano em que celebrou o Jubileu de Platina no trono. 

Charles assumiu o trono com um certo clima de ‘sob nova gerência’, embora sem desrespeitar a mãe, a rainha Elizabeth II, que morreu como uma figura discreta e admirada até por quem não é monarquista de carteirinha. 

Ao lado da rainha Camilla, seu amor da vida toda, ele vem discretamente sinalizando modernizações.

Uma delas é uma exposição política que a monarca que o antecedeu não praticava. 

Sua visita recente a Berlim foi interpretada como uma tentativa de melhorar as relações do Reiuno Unido esgarçadas com a Europa depois do Brexit. Com postura de chefe de Estado, ele discursou no Parlamento falando em alemão.

Charles III deixou politicos desconfortáveis ao receber a representante da União Europeia em uma visita à Irlanda ligada às negociações por um acordo para desatar o nó da saída da União Europeia. 

Em entrevista na época da morte da rainha Elizabeth II, o publicitário Washington Olivetto, que mora em Londres e observa de perto o que a monarquia representa para o povo do país, disse que Charles III está treinando há 70 anos para ser rei, e por isso dificilmente errará. 

Ele correria menos chances de erro se decidisse seguir o modelo da mãe: discrição total, nenhuma dica sobre o que pensa a respeito de temas contemporâneos, falas ensaiadas e distância de polêmicas.

Se houvesse ataques ou fofocas na mídia, o lema era: “não reclame, não explique”. 

Mas a julgar pelos movimentos nesses meses e nos planos da coroação, Charles III quer entrar para a história do seu jeito – e já começou quebrando o protocolo ao se irritar com a caneta de um jeito bem humano, uma cena que viralizou. 

Os festejos pela coroação estão incorporando elementos inclusivos, como a participação de diferentes crenças religiosas e idiomas de outras nações do reino. 

Charles enfrenta desafios imensos, como a queda constante na quantidade de pessoas que continuam favoráveis à monarquia, questionamentos sobre a riqueza dos Windsor, uma discórdia pública com o filho Harry que envolve temas sensíveis como racismo e saúde mental, e pesquisas mostrando que muita gente não está interessada em participar de eventos para marcar a data. 

Pesquisas registram desencanto com a monarquia

Uma pesquisa encomendada pela rede BBC ao instituto YouGov na semana passada revelou que 58% dos britânicos entrevistados apoiam a monarquia, e 26% preferem um chefe de Estado eleito. Esse número vem crescendo sobretudo entre jovens. 

Segundo o mesmo instituto,  a pontuação da monarquia na escala que mede a opinião favorável, que era de 41 quando Elizabeth II morreu, caiu para 30 pontos seis meses depois.

É nesse ambiente que Charles III e Camilla receberão a coroa no dia 6 de maio, em uma cerimônia de duas horas para 2 mil convidados na Abadia de Westminster, em Londres. 

Serão três dias de festa para todas as tribos: dos monarquistas que vão chorar emocionados e sacudir bandeirinhas na passagem do rei em procissão a bordo de uma carruagem dourada, aos anti-monarquistas que planejam ofuscar o brilho de um evento que receberá atenção mundial realizando manifestações no ‘quintal’ do Palácio de Buckingham. 

A cada dia o Palácio alimenta a imprensa com detalhes e imagens sobre a coroação, como a nova foto do rei Charles e da rainha Camilla que passou a decorar os perfis nas redes sociais desde sábado. 

A mídia britânica consome com avidez cada novidade. e prepara coberturas especiais para o próximo fim de semana. 

Ela terá o desafio de se equilibrar entre o encantamento, a oportunidade de bater recordes de audiência e a missão de registrar os fatos, incluindo os negativos, como as manifestações Not My King convocadas pelo grupo Republic.