Londres – A posição do Brasil no ranking global de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) 2023 foi melhor do que a de 2022, passando de 110º para 92º – mas isso não significa que a situação seja confortável.
Segundo a RSF, 12 países das Américas estão em situação melhor, incluindo alguns com histórico recente de violações, como Equador e Costa Rica.
A Noruega é o país mais bem classificado, e o pior é a Coreia do Norte. São extremos onde o trabalho da imprensa é respeitado pelo Estado e pela sociedade, protegido por leis sólidas, e onde não existe imprensa independente.
No meio disso estão países como o Brasil, que embora não seja uma ditadura, vive em um ambiente de polarização e desinformação que ameaça o trabalho da imprensa e a informação da sociedade.
Fatores que determinam a posição do Brasil no ranking de liberdade de imprensa
A metodologia do Global Press Freedom Index da organização Repórteres sem Fronteiras combina dados objetivos como mortes e ataques com a opinião de especialistas sobre o ecossistema de mídia em cada país.
São levados em conta fatores como a segurança e também as condições para a prática do jornalismo, incluindo econômicas.
O relatório de 2023 compara a situação de 2022 com a de 2023 para justificar o avanço de 18 posições, que também é impactado por alterações em outros países, que pioraram em relação ao Brasil.
A Repórteres Sem Fronteiras reconhece que a chegada do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva restaurou a estabilidade nas relações entre mídia e governo, depois do período turbulento sob Jair Bolsonaro.
Mas aponta a violência estrutural contra jornalistas, a propriedade altamente concentrada da mídia e os efeitos da desinformação como grandes desafios para a liberdade de imprensa.
Contexto sociocultural
Para a RSF, a retórica agressiva em relação aos jornalistas e à imprensa adotada pelo governo Bolsonaro de 2019 a 2022 alimentou uma atitude cada vez mais hostil e desconfiada em relação aos jornalistas na sociedade brasileira.
E a ampla disseminação de desinformação “continua a envenenar o debate público”.
O Brasil continua altamente polarizado e os ataques de mídia social à imprensa abriram caminho para repetidos ataques físicos contra jornalistas, vistos em particular durante as eleições de 2022 e a tentativa de insurreição de apoiadores de Bolsonaro no centro de Brasília em 8 de janeiro de 2023.
Contexto político
O governo Bolsonaro foi classificado como “extremamente desafiador” para a imprensa brasileira:
O presidente insultava regularmente jornalistas e meios de comunicação e mobilizou exércitos de apoiadores nas redes sociais como parte de uma estratégia afinada de ataques coordenados que visavam desacreditar a imprensa, rotulada como inimiga do Estado.
Bolsonaro deu continuidade a essa estratégia como ex-presidente, com o objetivo de garantir que seus apoiadores desacreditassem as acusações de corrupção feitas contra ele e sua família, os resultados das eleições que levaram Lula da Silva ao poder e as ações do novo governo.
A análise afirma que enquanto o presidente Lula tenta restaurar os princípios democráticos no trato com a mídia, “ele é constantemente desafiado pelos partidários de Bolsonaro e partidos de extrema-direita, que continuam tentando desestabilizar o governo”.
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Enquadramento jurídico
A Constituição Federal de 1988 garante a liberdade de imprensa e, em geral, o ordenamento jurídico brasileiro favorece a liberdade jornalística. No entanto, para a RSF as leis de transmissão e telecomunicações são antiquadas, permissivas e ineficientes.
A organização salienta também que repórteres e meios de comunicação são muitas vezes submetidos a processos abusivos por parte de políticos e empresários, que usam sua influência para intimidar a imprensa.
Cenário da mídia
A Repórteres Sem Fronteiras critica a concentração da mídia nas mãos de grupos privados e o que chama de uma relação “quase incestuosa” entre centros de poder e influência política, econômica e religiosa.
E destaca o comprometimento da independência de meios de comunicação regionais e locais devido à dependência de publicidade estatal, bem como a interferência do governo Bolsonaro na imprensa estatal.
Segurança
Durante a última década, pelo menos 30 jornalistas foram mortos no Brasil, o segundo país da região com mais mortes de repórteres durante esse período, contabiliza a RSF.
Os mais vulneráveis são blogueiros, apresentadores de rádio e jornalistas independentes que trabalham em municípios de pequeno e médio porte, cobrindo corrupção e política local.
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Assédio online e ataques a jornalistas, especialmente mulheres, estão aumentando, segundo o relatório.
Pelo menos três assassinatos foram diretamente ligados ao jornalismo em 2022, incluindo o assassinato do repórter britânico Dom Phillips enquanto investigava crimes ambientais contra comunidades indígenas na Amazônia.
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