Passado pouco mais de um ano do início do conflito entre Rússia e Ucrânia, a divulgação do levantamento World Press Freedom Index, da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), mostra os efeitos da guerra na liberdade de imprensa em cada país.

A Ucrânia de Volodymyr Zelensky, que em números absolutos amargava em 2020 o 106º lugar entre 180 nações analisadas, subiu para 79º. A Rússia de Vladimir Putin, por sua vez, caiu do 155º para o 164º lugar. 

Segundo a RSF, enquanto os russos expandem sua propaganda banindo e censurando a mídia independente, a Ucrânia está “na linha de frente contra a expansão da propaganda do Kremlin”.

Guerra: fogo cruzado e desinformação

A metodologia do Global Press Freedom Index combina a opinião de especialistas sobre o ecossistema de mídia de cada país com dados objetivos como número de mortes e ataques contra jornalistas.

São levados em conta fatores como a segurança e também as condições para a prática do jornalismo, incluindo as econômicas.

A análise da Rússia mostra queda de 2022 para 2023 nos cinco indicadores avaliados para determinar a pontuação no índice em relação aos demais países do ranking. 

Liberdade de imprensa na Rússia caiu ainda mais depois da guerra com a Ucrânia como mostra pesquisa anual da organização Repórteres Sem Fronteiras

O estudo destaca a proibição total de canais de TV independentes que transmitem notícias, incluindo os ocidentais como Euronews, France 24 e BBC.

Também ressalta o bloqueio a sites de notícias independentes como o Meduza e o Novaya Gazeta, fundado pelo jornalista Nobel da Paz Dmitry Muratov. 

“Os que sobrevivem pertencem a aliados do Kremlin há alguns anos, ou são obrigados a praticar autocensura, a fim de evitar assuntos e termos proibidos. As estações de rádio estão na mesma situação”, diz o relatório.

A RSF aponta que a repressão à imprensa é anterior à guerra, sustentando que desde o início da pandemia da covid-19 o presidente Vladimir Putin já parecia cada vez mais isolado do mundo exterior. Um comportamento que foi agravado depois da invasão e que se refletiu na liberdade de imprensa:

“Muitas leis relativas à liberdade de expressão adotadas nos últimos anos – incluindo as leis de difamação e “fake news” – foram alteradas para incorporá-las ao Código Penal no início da pandemia.

A invasão da Ucrânia deu um novo impulso a esse processo, com o parlamento adotando emendas que punem “informações falsas” sobre as forças armadas russas ou qualquer outro órgão estatal que opere no exterior com até 15 anos de prisão.”

O relatório destaca o papel da TV, controlada pelo governo, como principal fonte de informação do público. E denuncia a aplicação de penas pesadas e de tortura a jornalistas, assim como detenções de curta duração para intimidar a imprensa. 

Outro recurso usado é a classificação de veículos de imprensa e jornalistas como “agentes estrangeiros” ou “organizações indesejáveis”. O rótulo representa pesados ​​obstáculos burocráticos e também riscos legais, criminalizando qualquer tipo de cooperação com eles. 

Por cauda dessa situação, muitos jornalistas que trabalham para meios de comunicação independentes escolheram o exílio. 

Ainda assim, segundo a RSF, as autoridades mantêm a pressão sobre os que saem, condenando-os à revelia ou “visitando” seus familiares.

A proibição de redes sociais ocidentais beneficiou o Telegram, uma plataforma que viu dobrar seu número de usuários na Rússia em um ano, aponta o estudo:

“É o método que a mídia independente mais usa para driblar a censura, mas também foi invadido pelas redes de propaganda de Putin, com alguns canais chegando a rastrear movimentos de jornalistas estrangeiros tidos como espiões”.

Ucrânia, liberdade de imprensa 

Em comparação aos demais países analisados no Global Press Freedom Index, a Ucrânia melhorou sua posição em quase todos os quesitos, apresentando queda apenas nos indicadores de segurança, devido aos ataques e mortes de profissionais de imprensa no território.

O país amargou o penúltimo lugar em segurança, perdendo apenas para Mianmar.

Ucrânia invadida pela Rússia foi classificada em 79º em liberdade de imprensa pela Repórteres Sem Fronteiras, melhorando sua posição em relação ao ano anterior

Antes da guerra, segundo a RSF, repórteres já eram objeto de violência física, principalmente durante os protestos. Ataques cibernéticos, quebra de sigilo de fontes e restrição de acesso à informação também eram motivos de preocupação.

Mas depois da guerra a situação se agravou, aponta o relatório:

“Os jornalistas estão em maior perigo físico do que nunca desde a invasão russa. 

Eles são frequentemente feitos de alvo pelas forças militares, apesar de exibirem a identificação profissional. Com isso, o número de repórteres mortos ou feridos aumenta continuamente.”

A análise refere-se também às mudanças no trabalho dos jornalistas, praticamente todos transformados em repórteres de guerra

Mas a mídia ucraniana continua a cobrir questões sociais e a desempenhar um papel essencial na denúncia da corrupção da elite do país, diz a organização.

Outro impacto destacado é a perda de anunciantes e de assinantes devido ao caos econômico, levando veículos de imprensa a fechar ou reduzir as atividades. 

A influência russa é outro desafio. Na Ucrânia, segundo a RSF, “o aparato de propaganda do Kremlin é implantado em grande velocidade sempre que as forças russas conquistam novos territórios – os canais de TV são bloqueados, a mídia ucraniana é substituída e os jornalistas locais são caçados”.

Embora a RSF tenha feito críticas recentes à nova lei de mídia e ao bloqueio do acesso dos jornalistas às zonas de guerra, o estudo relativiza esses dois aspectos, considerando as pressões “na maioria das vezes proporcionais à situação”. 

Rússia e Ucrânia também oscilaram em soft power 

A queda da Rússia e a melhora da Ucrânia no ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras está alinhada aos números de outro levantamento realizado neste ano: o Global Soft Power Index, que mede a influência dos países sobre os demais, sem o uso da força militar ou econômica.

Nesse estudo, o país de Putin foi o único entre os 121 analisados a recuar em soft power, saindo do top 10 e passando para o 13º lugar.

Já a Ucrânia subiu 14 posições e figura em 37º na lista. Foi o maior salto de um país em todo o índice.