Londres – A poucos dias do primeiro aniversário da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o jornal de Dmitry Muratov, jornalista detentor do prêmio Nobel da Paz e um dos principais alvos da perseguição de Vladimir Putin a opositores, perdeu definitivamente o registro de funcionamento, em um processo baseado em supostas irregularidades burocráticas. 

A cassação do certificado de registro de mídia, decretada pelo Tribunal de Basmanny em setembro de 2022, foi confirmada pelo Tribunal da Cidade de Moscou, que nesta terça-feira (7) rejeitou o recurso impetrado pelos advogados do Novaya Gazeta em uma sessão que durou apenas cinco minutos. 

O jornal faria 30 anos daqui a dois meses. A decisão do Tribunal inclui também a revista Novaya Gazeta, lançada depois que o jornal foi obrigado a deixar de circular de forma impressa, em março de 2022, e de atualizar o site, proibição imposta em junho do mesmo ano.

O Novaya Gazeta nasceu com a ajuda do ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev, que doou parte dos recursos do Prêmio Nobel da Paz que recebeu para equipar a redação com computadores, em 1993. 

Mesmo com banimento na Rússia, jornalistas que faziam parte do Novaya Gazeta criaram uma versão europeia do jornal a partir do exílio, que teve o apoio de um fundo da organização Repórteres Sem Fronteiras. 

Perseguição do governo Putin a jornais no exílio 

A redação fica baseada em Riga, na Letônia, onde também funciona outro veículo russo banido do país, o Meduza.

Mas apenas residentes da Rússia que acessam a internet por meio de VPN conseguem ler o conteúdo, pois o órgão regulador de mídia da Rússia, o Roskomnadzor, bloqueou esse site dentro da Rússia também.

Apesar do conteúdo de oposição a Putin e à guerra na Ucrânia, o Novaya Gazeta não foi extinto pelo que escreveu, e sim por acusações de ordem burocrática contestadas pela defesa.

Na ação pedindo a cassação do registro, o Roskomnadzor alegou que a redação não teria apresentado o estatuto três meses após sua constituição. No entanto, o órgão regulador não existia na época, e essa exigência legal só foi criada anos depois. 

Já a revista Novaya Gazeta não teria publicado edições por mais de um ano, o que justificaria o cancelamento do registro, apesar de a defesa ter apresentado exemplares ao tribunal. 

O editor-chefe da Novaya Gazeta, Dmitry Muratov, permaneceu na Rússia, apesar da perseguição do governo de Vladimir Putin.

Ele chegou a ser atacado com tinta tóxica dentro de um trem, ato atribuído a agentes do governo. 

Muratov foi ao tribunal e protestou diante dos juízes contra a acusação, como relatou a edição Europa do Novaya Gazeta: 

“De acordo com o artigo 29 da Constituição, todos têm o direito de coletar e divulgar informações, sendo garantida a liberdade de imprensa.

Ao cancelar nosso registro, você cancela o Artigo 29 da Constituição da Federação Russa. Não apoie essa vergonha – será muito embaraçoso.”

Kirill Martynov, editor-chefe do Nova Gazeta Europa, Europa, lamentou a destruição do mais antigo jornal independente da Rússia, e prometeu resistir.

Sempre nos opusemos à guerra, seis dos nossos jornalistas foram assassinados e nosso editor-chefe recebeu o Prêmio Nobel da Paz alguns meses antes de Putin invadir a Ucrânia. Isso não vai terminar assim.”

As autoridades sob o comando de Vladimir Putin têm usado os tribunais para intensificar a perseguição à imprensa desde que o Kremlin invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado. 

Logo após a invasão, o presidente russo sancionou uma lei prevendo penas de até 15 anos de prisão para quem divulgar o que o governo entende como sendo fake news sobre o exército – entre elas chamar a guerra de guerra.

 A lei não é destinada apenas à imprensa tradicional. Ativistas, políticos e uma blogueira de moda estão entre os indicados ou condenados. 

Na semana passada, o site Meduza foi declarado “entidade indesejável” na Rússia, em mais uma ação para sufocar a mídia independente mesmo fora do país.