Foto Carolina de Assis jornalista LatAm Journalism Review
Carolina de Assis 

A saída de dois profissionais da imprensa do Equador após receberem ameaças de morte por conta de suas reportagens é a evidência mais recente do aumento da insegurança para jornalistas fazerem seu trabalho no país. 

Karol Noroña, do site de notícias  GK, é uma delas.

Em entrevista à LatAm Journalism Review (LJR), ela falou sobre o assunto – que tem sido documentado por organizações da sociedade civil -, do fortalecimento do crime organizado e da inércia das instituições estatais que deveriam proteger jornalistas e toda a cidadania.

Noroña, que há anos se dedica à cobertura do crime organizado e do sistema carcerário no país saiu do Equador no dia 24 de março, logo após saber por suas fontes que havia planos de um atentado “iminente” contra sua vida.

“Tornou-se cada vez mais hostil fazer jornalismo, agora que todo o Estado equatoriano está permeado pelo crime organizado”.

“Sabemos, pelas experiências de outros países, que quando o crime organizado está assentado, tem permeado não apenas funcionários do governo, mas também o Ministério Público, a Polícia Nacional, e isso faz com que nós [jornalistas] estejamos em um estado de completo desamparo”, disse ela.

Organizações denunciam ameaças a jornalistas

Um mês depois da saída de Noroña, a organização Periodistas Sin Cadenas, dedicada à defesa do jornalismo investigativo e da liberdade de expressão, anunciou que outro jornalista equatoriano havia deixado o país por ter recebido ameaças de morte e pela falta de proteção estatal.

Segundo o relato da organização, esse jornalista, cuja identidade não foi divulgada, “recebeu reiteradas ameaças que foram passadas ao conhecimento do Ministério Público do Estado, do Conselho de Comunicação, do Ministério do Interior e da Secretaria-Geral de Comunicação da Presidência nos últimos oito meses”.

“No entanto, nenhuma dessas instituições nem suas autoridades atenderam seu caso em todo esse tempo com a relevância que merece. Como consequência, devemos lamentar sua saída permanente do país”, afirmou a Periodistas Sin Cadenas.

Em comunicado divulgado no dia 24 de abril, as organizações Periodistas Sin Cadenas, Fundamedios, Voces del Sur, Red Leal e IFEX-ALC afirmam que “a desproteção estatal tem gerado um ambiente hostil onde o crime organizado e a delinquência apontam diretamente ao jornalismo equatoriano”.

Os dois casos recentes de exílio de jornalistas “são exemplos de que o Estado não tem sido eficiente em proteger e garantir um exercício jornalístico livre e seguro”, escreveram as organizações.

Intimidação no Equador com ameaças e explosivos

Além do exílio de pelo menos dois jornalistas ameaçados de morte, o Equador registrou neste ano uma nova modalidade de ataque aos profissionais da imprensa: pendrives explosivos.

Em 20 de março, pelo menos cinco jornalistas de diferentes meios de comunicação – TV e rádio – receberam pendrives enviados para suas redações dentro de envelopes, e pelo menos um também continha uma nota com ameaças por escrito.

Os dispositivos continham explosivos e um deles detonou ao ser inserido em um computador, mas ninguém ficou ferido.

Segundo matéria  do jornal espanhol El País no fim de março, as primeiras investigações da polícia informaram que o remetente dos cinco pendrives explosivos era o mesmo homem, que havia enviado os envelopes para as redações localizadas em Quito e Guayaquil.

No entanto, até aquele momento, o suspeito não havia sido capturado.

A Fundamedios registrou 79 agressões contra a liberdade de expressão no país no primeiro trimestre de 2023 – no mesmo período em 2020, foram 16 registros, e em 2022, foram 57.

“O aumento dos ataques cometidos contra a imprensa não fica apenas nos números, mas também no tipo de agressões, que vêm se agravando”, afirmou a organização em seu mais recente informe trimestral, intitulado “A violência e o crime organizado calam o jornalismo no Equador”.

Entre os registros feitos  pela Fundamedios estão o caso do jornalista independente Julio César Ramos, em Babahoyo, província de Los Ríos, que em 7 de março acordou no meio da madrugada e viu dois homens ateando fogo em seu carro.

A Vinces TV, em Huaquilas, província de El Oro, comunicou que deixaria de cobrir temas de crime e polícia, depois de ter recebido mensagens ameaçadoras de grupos criminosos.

Outro caso foi o da jornalista Karen Minda, da La Voz del Pueblo, que recebeu ameaças de morte contra ela e sua família devido à sua cobertura sobre um dos líderes de um grupo criminoso em El Triunfo, na província de Guayas.

Jornalistas assassinados: ameaças são reais 

Em março completam-se cinco anos dos assassinatos do jornalista Javier Ortega, do fotógrafo Paúl Rivas e do motorista Efraín Segarra, do jornal El Comercio, e da impunidade desses crimes.

Os três profissionais foram sequestrados e mortos na província de Esmeraldas, na fronteira entre Equador e Colômbia, por dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), ao realizar uma cobertura sobre a violência na região.

Desde então, familiares e defensores de direitos humanos e da liberdade de imprensa estão unidos na campanha “Nos Faltan 3” para pedir que os Estados equatoriano e colombiano responsabilizem os envolvidos nos crimes e desclassifique as informações sobre o caso.

“A impunidade em “Nos Faltan 3” alimenta o contexto de novas ameaças e ataques a jornalistas”, escreveu o Periodistas Sin Cadenas.

Já a Fundamedios afirmou se tratar de um “duplo atentado contra a liberdade de expressão” a falta de respostas por parte dos Estados equatoriano e colombiano.

“As recorrentes violações aos direitos humanos dos familiares é indignante”, declarou a organização.

‘Como confiar?’, questiona Noroña

No exílio, Karol Noroña contou à LJR que trabalhava no El Comercio em 2018 e era colega de Ortega, Rivas e Segarra quando eles foram sequestrados e assassinados.

“Tive que sair [do país] no quinto aniversário da morte deles com uma impunidade total, sem respostas”, disse ela, que realizou uma investigação sobre o caso em 2021, em parceria com a jornalista Mayra Prado, que foi publicada no site da Periodistas Sin Cadenas.

“Posso dizer em voz alta que esse caso tem sido coberto pela impunidade por interesses, não só de autoridades equatorianas, mas da Colômbia também”, disse Noroña.

Segundo a jornalista, “Houve outros casos [de assassinatos de jornalistas desde então], mas o deles foi o mais emblemático, e ao existir impunidade, isso abre caminho para que o que nos acontece agora também não dê em nada”.

Até o dia 29 de abril, mais de um mês depois da saída de Noroña do Equador, nenhuma autoridade havia se pronunciado publicamente sobre seu caso.

No entanto, segundo ela, o Ministério Público lhe enviou um email quando seu exílio se tornou público.

O órgão lhe ofereceu duas opções, contou Noroña: que ela denunciasse formalmente a ameaça que recebeu e daí partiria uma investigação, ou que o Ministério Público iniciasse uma investigação por conta própria, com a colaboração dela.

Noroña disse que respondeu ao email se recusando a apresentar denúncia ou a colaborar com a investigação.

Orientada por seu advogado, ela incluiu em sua resposta a afirmação de que, segundo a Constituição e o Código Penal do Equador, o Ministério Público tem o dever de investigar por conta própria ao tomar conhecimento de casos como o dela, sem necessidade de denúncia prévia ou de colaboração da vítima.

“Como posso confiar em apresentar uma denúncia, se um colega ou uma colega que o fez durante oito meses teve que sair igualmente exilado em condições terríveis?

Quando vi a notícia do meu colega, mais do que nunca, apesar do custo pessoal disso, soube que a única coisa que eu podia ter feito era sair do país, porque o que eu poderia fazer?”

Eu investigo a polícia, então eu iria aceitar que a única coisa que façam é colocar dois policiais de vigilância, que nem sequer cumprem com esse trabalho?”

“Porque o Ministério Público equatoriano tem um sistema de proteção a testemunhas que sequer tem orçamento e que não nos dá segurança. Como vou investigar a polícia com policiais me vigiando?”, disse ela.

MP do Equador diz que ‘tem recursos limitados’

Três semanas após a divulgação do exílio de Noroña, uma missão do Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) e representantes da Fundamedios se reuniram com representantes do governo equatoriano e do Ministério Público “com o objetivo de buscar a maneira de melhorar as condições do exercício profissional” do jornalismo no país, escreveu a Fundamedios.

A chefe do Ministério Público do Equador, Diana Salazar, disse que “a instituição que dirige tem competências limitadas, já que a segurança depende da Polícia, e que para proceder a uma investigação é necessário que se apresente a denúncia”, relatou a Fundamedios.

Salazar também afirmou que o programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas sofre com “a falta de recursos econômicos que permitam sua operatividade, o que a levou a solicitar que [o programa] se declare em emergência, mas seu pedido não foi atendido pelo governo”.

Ela sugeriu estabelecer “uma espécie de apoio com organizações da sociedade civil,” para que sejam elas a alertar sobre as denúncias das pessoas que se sentem ameaçadas profissionalmente mas não querem denunciar diretamente junto ao Ministério Público, relatou a Fundamedios.

Já Sebastián Corral, secretário-geral de Administração Pública do governo de Guillermo Lasso, disse aos representantes de Fundamedios e CPJ que “todo o país vive uma crise de insegurança sem precedentes, da qual não são vítimas apenas os jornalistas, mas também promotores, policiais e a cidadania em geral”.

As organizações afirmaram que Corral se comprometeu a trabalhar para que a Lei de Comunicação seja regulamentada e que se inclua na regulamentação os recursos para o funcionamento do Mecanismo de Proteção a jornalistas, previsto na lei.

‘Olhar regional’

Noroña disse que nunca havia imaginado ter que recorrer ao exílio para proteger sua vida.

“Essa palavra, para mim que acompanho o jornalismo de muitos colegas a nível internacional, é algo que nunca imaginei que ia passar nesse momento da minha vida. Eu ainda estou começando”, disse ela, que tem 28 anos de idade e oito de jornalismo.

Ela acredita que a situação que vive o Equador hoje, com o fortalecimento do crime organizado, precisa ser contada a partir de um “olhar regional”, já que é algo que acontece transnacionalmente e envolve vários países da região.

“Muito do que acontece no Ecuador, evidentemente, tem a ver com uma reconfiguração e uma potencialização das organizações criminosas em todos os níveis”, afirmou.

Ela também sublinhou que “o crime organizado não existe sem Estado”.

“Sim, os cartéis e as economias ilícitas estão lá, mas isso não acontece sem a cumplicidade do Estado, sem cumplicidade direta de funcionários públicos de todos os níveis. (…)”.

“É preciso falar de corrupção, porque é isso que nos impede, como jornalistas pelo menos e para outras pessoas também, de denunciar às autoridades, porque sabemos que estão corrompidas. Não todas, mas a grande maioria”, afirmou Noroña.

Para ela, o panorama é “desolador”, mas é importante não se deixar levar pelo pessimismo.

“Para poder seguir fazendo jornalismo, precisamos nos articular não apenas nós, jornalistas, no Equador, mas também na Colômbia, no Brasil, no México; fazer uma rede internacional para que tudo isso seja mais visível, porque não é possível que estejamos condenados a nos silenciar por conta disso (…)”, disse ela.

“Contar histórias de um contexto de morte é justamente lutar para seguir contando a vida”.

“Pelo menos essa tem sido nossa intenção no Equador: criar memória, para que as pessoas que estão morrendo, que são adolescentes, crianças, colegas, não se percam, e nomear essas vidas”.


Sobre a autora

Carolina de Assis é jornalista e pesquisadora, com mestrado em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda).


Este artigo foi originalmente publicado no LatAm Journalim Review, um projeto do Knight Center for Journalism in the Americas (Universidade do Texas em Austin). Todos os direitos reservados ao autor.