Londres – A Assembleia Nacional do Paquistão aprovou um projeto de lei atribuindo aos legisladores o poder de punir aqueles que supostamente cometerem desacato, não obedecerem às ordens do parlamento ou de seus comitês, não fornecerem documentos, apresentarem documentos adulterados perante uma Câmara ou comissão ou violarem os direitos de membros das casas legislativas. 

Organizações de direitos humanos e de defesa da liberdade de expressão e de imprensa criticaram fortemente a nova lei de “Desacato ao Parlamento”, que poderá ser usada contra oponentes do governo, incluindo jornalistas independentes.

O projeto de lei dá ao parlamento autoridade para prescrever aos “condenados” até seis meses de prisão ou multa de 1 milhão de rúpias paquistanesas (equivalente a R$ 17 mil), sem necessidade de processo judicial ou investigações policiais. 

País é 150º em liberdade de imprensa 

O Paquistão, que há duas semanas viveu dias de protestos violentos após a detenção do líder de oposição Imran Khan, ocupa o 150º lugar no ranking Global Press Freedom Index da organização Repórteres Sem Fronteiras, que mede a liberdade de imprensa em 180 países. 

Uma das justificativas para a classificação é o conjunto de leis de repressão à liberdade de imprensa e de expressão, agora ampliada com o projeto de lei aprovado no Parlamento.  

A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) pediu que o parlamento realize consultas completas com representantes da mídia antes de promulgar a legislação, para garantir que não haja ameaça aos jornalistas ou profissionais de imprensa. 

Da forma como foi aprovada, a nova lei de desacato ao parlamento determina que o presidente da casa forme um comitê de 24 membros das coalizões de liderança e oposição em até 30 dias após a entrada em vigor. 

Qualquer ofensa por parte de uma instituição ou pessoa será apresentada à comissão, que encaminhará suas recomendações à Assembleia Nacional e ao Senado no prazo de 60 dias. 

Com base nas recomendações do comitê, o caso será encaminhado a um comitê “anti-desacato”, composto por cinco membros, três da Assembleia Nacional e dois do Senado, para determinação da pena. 

Lei de desacato ao parlamento contraria Constituição do Paquistão

Em nota chamando a atenção para os riscos à liberdade de imprensa e de expressão, a IFJ citou um artigo publicado no jornal paquistanês Dawn pela advogada Rida Hosain, especializada em direitos humanos.

Hosain fez comparações com a Lei de Prevenção de Crimes Eletrônicos, de 2016, utilizada para restringir a liberdade de expressão e de imprensa no Paquistão. 

Ela salientou a redação vaga do projeto de lei de desacato e o risco de eliminar a chance de um processo justo. Segundo Hosain, o texto ignora o dispositivo constitucional estabelecendo que leis deem a um tribunal o poder de punir pessoas que se recusem a prestar depoimento ou produzir provas, ao autorizar o parlamento a impor sanções criminais. 

“O perigo com o projeto de lei é óbvio: é uma lei vaga e excessivamente ampla com consequências criminais. Não há nenhuma história em que isso tenha terminado bem. […]

O problema com a ambiguidade desta lei é que ela pode ser apontada em qualquer direção, “carregada” com qualquer vingança e usada para sufocar qualquer tipo de dissidência.”

O projeto de lei precisará ser aprovado pelo Senado do Paquistão antes de entrar em vigor e ainda pode ser contestado pelos tribunais superiores do país, segundo a Federação Internacional de Jornalistas. 

A União Federal de Jornalistas do Paquistão promete reagir. A liderança da entidade está cobrando uma interpretação clara do projeto de lei, com garantias de que não será usado contra a imprensa.

E afirmou que a comunidade jornalística “será forçada” a protestar a fim de proteger seus direitos.