O regime de Cuba aprovou um projeto de lei que tem o objetivo exclusivo de regular o sistema de meios de comunicaรงรฃo social na ilha e continuar a restringir a liberdade de expressรฃo dos veรญculos independentes.
A Assembleia Nacional do Poder Popular de Cuba aprovou em 26 de maio a Lei de Comunicaรงรฃo Social, a primeira regulamentaรงรฃo sobre a imprensa e mรญdia na ilha.
O projeto de lei estabelece que as agรชncias de notรญcias, rรกdio, televisรฃo e meios de comunicaรงรฃo social impressos e digitais “sรฃo propriedade socialista de todo o povo ou de organizaรงรตes polรญticas, de massa e sociais, nรฃo podendo sofrer qualquer outro tipo de propriedade”, deixando de lado a imprensa independente.
Ao mesmo tempo, a lei dรก o poder de restringir conteรบdos que sejam empregados โpara fazer propaganda a favor da guerra de um Estado estrangeiro hostil aos interesses da naรงรฃoโ, ou que usem meios de comunicaรงรฃo para โdifamar, caluniar ou injuriar as pessoas, os รณrgรฃos e os organismos do Estadoโ.
SIP condena aprovaรงรฃo do projeto de lei
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) condenou a aprovaรงรฃo desta lei cubana porque, segundo o seu presidente, Michael Greenspon, “รฉ claro que o regime aumenta as novas formas de censura contra meios de comunicaรงรฃo e jornalistas por meio de restriรงรตes administrativas e legais para neutralizar o descontentamento social”.
A LatAm Journalism Review (LJR) explica os quatro pontos mais importantes da aprovaรงรฃo deste novo projeto de lei cubana e suas consequรชncias para a liberdade de imprensa.
1. Nรฃo hรก direito ร informaรงรฃo pรบblica por parte dos cidadรฃos
A Constituiรงรฃo cubana jรก afirma que todas as “pessoas tรชm o direito de solicitar e receber informaรงรตes verdadeiras, objetivas e oportunas do Estado, e de acessar aquelas geradas por รณrgรฃos e entidades estatais, de acordo com as normas estabelecidas”.
No entanto, de acordo com jornalistas e organizaรงรตes, isso nรฃo รฉ totalmente cumprido. Este novo projeto de Lei de Comunicaรงรฃo Social cubano nรฃo estabelece diretrizes para pedidos de informaรงรฃo pรบblica.
A lei no entanto, fala do direito a “pedidos e solicitaรงรตes de pessoas sobre a gestรฃo da organizaรงรฃo”, sem indagar sobre quais sรฃo os pedidos ou solicitaรงรตes vรกlidas.
Em termos gerais, o novo regulamento indica que a informaรงรฃo pรบblica sรณ รฉ obtida atravรฉs dos meios de comunicaรงรฃo do Estado, que desempenham a funรงรฃo de mediadores.
โOs meios fundamentais de comunicaรงรฃo social sรฃo os รณrgรฃos de mรญdia que tenham carรกter estratรฉgico na construรงรฃo de consensos, cumpram funรงรตes de serviรงo pรบblico e constituam mediadores polรญticos, ideolรณgicos e culturaisโ, estabelece a lei.
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2. Hรก divergรชncias internas no governo
Foram necessรกrias 34 versรตes anteriores da Lei de Comunicaรงรฃo Social para a sua aprovaรงรฃo. Mas a populaรงรฃo sรณ conheceu a minuta de trรชs projetos.
Em novembro de 2022, foi divulgado um segundo projeto de lei que incluรญa uma avaliaรงรฃo do Secretariado e do Escritรณrio Polรญtico do Comitรช Central do Partido do Governo, bem como do Conselho de Ministros e do Conselho de Estado.
Ainda assim, no mรชs de dezembro, foi decidido adiar a discussรฃo e aprovaรงรฃo do projeto de lei para desenvolver, entre os meses de janeiro e marรงo de 2023, uma nova consulta aos deputados e levar em consideraรงรฃo os critรฉrios dos Ministรฉrios das Forรงas Armadas Revolucionรกrias, do Interior e das Relaรงรตes Exteriores.
A lei foi finalmente aprovada no fim de maio de 2023. Especialistas no assunto expressaram que essas mudanรงas na lei podem ser uma evidรชncia de tensรตes dentro do regime cubano.
O jurista Eloy Viera Caรฑive disse no canal do YouTube โNo nos callarรกn Cubaโ.
โO poder cubano continua mantendo uma capacidade polรญtica monolรญtica significativa, mas hรก tensรตes internas e esta lei de comunicaรงรฃo รฉ uma expressรฃo dissoโ.
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3. Proibiรงรฃo de reapropriaรงรฃo de conteรบdo de mรญdia pรบblica
A Lei Cubana de Comunicaรงรฃo Social tem uma seรงรฃo onde estabelece restriรงรตes sobre o conteรบdo a ser publicado.
Nos paรญses democrรกticos, a mรญdia pรบblica costuma ser uma das principais fontes de informaรงรฃo por sua capacidade de difusรฃo e, em alguns casos, de republicaรงรฃo por meio de outros veรญculos.
No entanto, o projeto de lei aprovado expressa que a republicaรงรฃo sรณ pode ser feita com a autorizaรงรฃo do meio.
O Artigo 51 da lei cubana, no capรญtulo “sobre a comunicaรงรฃo social no ciberespaรงo” diz que deve โproteger os conteรบdos e sua utilizaรงรฃo por terceiros, nacionais e estrangeiros, salvo autorizaรงรฃo expressa dos usuรกrios; o consentimento รฉ sempre revogรกvel pelo usuรกrio ou autoridade competenteโ.
Tambรฉm fica proibido “o uso de conteรบdo feito a partir de imagens, textos, รกudios e vรญdeos existentes, para criar realidades distorcidas para qualquer fim ou finalidade”.
4. Reintroduรงรฃo da publicidade na mรญdia pรบblica
Por fim, a nova lei introduz a possibilidade de os meios de comunicaรงรฃo estatais obterem fundos atravรฉs da โpublicidade socialistaโ e tambรฉm atravรฉs de fundos internacionais. Elementos que podem ser contraditรณrios ร visรฃo anticapitalista do regime.
O Artigo 81.1 estabelece que โo rรกdio, a televisรฃo, as agรชncias noticiosas e os meios de comunicaรงรฃo social impressos e digitais podem inserir publicidade em correspondรชncia com o seu perfil editorial e forma de gestรฃo econรดmica, mediante autorizaรงรฃo prรฉvia do Instituto de Informaรงรฃo e Comunicaรงรฃo Socialโ.
Jรก o artigo 38.1. determina que podem ser recebidos apoios financeiros de โprojetos de cooperaรงรฃo nacional e internacional e outros meios, desde que nรฃo comprometam o cumprimento da sua funรงรฃo pรบblicaโ.
Esta seรงรฃo pรตe sobre a mesa uma contradiรงรฃo com o Cรณdigo Penal cubano, que proรญbe grupos de mรญdia independentes de receber financiamento estrangeiro.
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O regime abre a possibilidade de novas formas de financiamento nos seus meios de comunicaรงรฃo, ao mesmo tempo em que continua a criminalizar o financiamento estrangeiro nas mรญdias que se opรตem a ele.
โO desenvolvimento da publicidade e do patrocรญnio ocorre a partir de fontes de financiamento lรญcitas e transparentes, passรญveis de auditoria, e cuja origem nรฃo tenha por objetivo subverter a ordem constitucional instituรญda no paรญsโ, diz a lei.
Sobre a autora
Katherine Pennacchio รฉ uma jornalista venezuelana com mestrado em Jornalismo Investigativo de Dados e Visualizaรงรฃo pela Unidade Editorial e pela Universidade Rey Juan Carlos de Madri.
ร co-fundadora da Vendata.org, projeto que atua na liberaรงรฃo de informaรงรฃo e publicaรงรฃo de dados abertos na Venezuela. Escreve tambรฉm para os sites de jornalismo investigativo Armando.info e Runrun.es.
Este artigo foi publicado originalmente no LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center for Journalism in the Americas (Universidade do Texas em Austin). Todos os direitos reservados ao autor.
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