Londres – A morte violenta de um jornalista candidato à presidência do Equador, Fernando Villavicencio, a semanas do pleito, não entra nas estatísticas utilizadas para medir o grau de liberdade de imprensa no país – mas é um reflexo do retrocesso vivido em uma nação devastada pela violência das gangues criminosas e inflamada pela polarização política que está elegendo seu novo presidente.

Em apenas um ano, o Equador despencou 12 posições no índice de liberdade de imprensa global da organização Repórteres Sem Fronteiras. O país governado atualmente por Guillermo Lasso, que não tenta a reeleição, registrou três jornalistas mortos em 2022 e tem perdido profissionais que optam pelo exílio para fugir de ameaças do crime organizado. 

O Equador é agora o 80º do mundo no ranking, posição melhor do que a do Brasil, que ficou em 92º.  E amargou um queda acentuada, mais dentre os 180 países que compõem o índice, assim como outros países da região. 

Crise de liberdade de imprensa na América Latina 

Na América Latina, dez países estão em situação melhor do que o Equador no Global Press Freedom Index (o México não faz parte da lista): Costa Rica, Trinidad e Tobago, Jamaica, Argentina, República Dominicana, Suriname, Belize, Uruguai, Guiana e Panamá.

No entanto, os problemas que afetam a liberdade de imprensa no Equador são regionais e comprometem a situação mesmo em nações mais bem colocadas. A Costa Rica caiu 15 posições em um ano; a Jamaica 20; a Argentina 11; a República Dominicana 13 e a Guiana 26. 

Tempestade perfeita sobre a liberdade de imprensa no Equador 

A análise da RSF sobre a situação do Equador revela uma tempestade perfeita, formada pela combinação de crise econômica afetando a sobrevivência dos veículos, ameaças por parte do crime organizado e a tensão pré-eleitoral. 

O período em que o Equador foi governado por Rafael Correa, entre 2027 e 2017, é considerado pela organização como ‘terrível para a liberdade de imprensa”, apesar de ter sido ele a dar abrigo ao fundador do Wikileaks, Julian Assange, na embaixada de Londres, para evitar sua extradição. 

No entanto, a situação doméstica era diferente. Segundo a análise da RSF, Correa “tentou constantemente controlar a agenda da mídia e transformar a mídia pública em mídia estatal, nunca hesitando em atacar pública e pessoalmente seus críticos na imprensa, e iniciando inúmeros conflitos entre o governo e a imprensa independente”.

Ex-presidente Rafael Correa, do Equador, apoia a candidata Luisa González
Rafael Correa apoia a candidata Luisa Gonzáles (Foto: Twitter Luísa González)

Correa vive em Bruxelas, e a candidata de seu partido, Luisa Gonzáles, adotou a mesma narrativa, atacando jornalistas em entrevistas. 

Na avaliação da Repórteres Sem Fronteiras, a presidência de Lenín Moreno, de 2017 a 2021, e de Guillermo Lasso, eleito presidente em maio de 2021, aliviaram as tensões entre o governo e muitos veículos privados. 

No entanto, lembra a entidade, Lasso recentemente atacou o site de notícias La Posta  por causa de sua cobertura de “El Gran Padrino”, um caso envolvendo um membro de sua família.

Um dos fundadores do jornal, Andersson Boscán, decidiu sair do país junto com a mulher depois de tomar conhecimento de um plano da máfia albanesa para matá-lo. 

Jornalistas tiveram que fugir do Equador sob ameaça da máfia albanesa envolvida no tráfico de drogas no país

O episódio exemplifica a situação dos jornalistas no país, que segundo a RSF trabalham em um clima de crescente hostilidade, perigo físico e autocensura, marcado pelo aumento do poder de gangues criminosas e cartéis de drogas, assim como aumento de ameaças, agressões físicas e assassinatos. 

Em 2023, pistoleiros mataram os jornalistas Mike Cabrera, Gerardo Delgado e César Vivanco, mas as razões do crime não foram esclarecidas. Os três eram pré-candidatos em eleições regionais. 

“As frequentes ameaças de morte contra jornalistas e ataques a meios de comunicação apontam para uma crise estrutural violência e impunidade que afetam a profissão e, de forma mais ampla, a sociedade equatoriana como um todo”, salienta a RSF.

A organização aponta que em áreas de fronteira, como as províncias de Esmeraldas e El Oro, e nos portos onde operam os cartéis, os jornalistas locais se auto-censuram cada vez mais.

Imprensa afetada pela crise 

A liberdade de imprensa no Equador também foi afetada pela crise econômica, agravada pela pandemia da covid-19, destacou a RSF. 

Muitos jornais, como o La Hora ou o jornal estatal El Telégrafo , agora só existem online. Muitas estações de rádio cancelaram seus boletins notícias e até mesmo o principal diário, El Comercio, demitiu muitos de seus funcionários.

A mídia online está tentando dominar o jornalismo investigativo, seu modelo de negócios não é sólido o suficiente, como evidenciado pelo recente fechamento do site Los 4 Pelagatos .

A Lei Orgânica da Comunicação (LOC), promulgada em 2013, foi desviada de seu propósito original e muitas vezes saiu pela culatra contra os jornalistas, na avaliação da organização, e tem sido usada para justificar demissões, processos por difamação e multas impostas a repórteres.

Mas os aspectos mais críticos da antiga regulamentação foram reformados no governo Lasso, o que foi elogiado pela Repórteres Sem Fronteiras e por outras organizações. 

Ainda assim, o cenário é um dos piores na América Latina no que diz respeito a ameaças, levando vários jornalistas a se exilarem para se proteger.