Londres – A morte da jovem curda Mahsa Amin, que completa um ano neste sábado (16) desencadeou uma onda de protestos no Irã, que puniu manifestantes com mão de ferro e intensificou ainda mais a repressão à imprensa.
Nesse período, pelo menos 100 jornalistas foram detidos. Muitos receberam penas longas ou foram forçados a abandonar seus empregos, segundo levantamento feito pela Federação Internacional de Jornalistas e pelo sindicato local.
O relatório aponta que mais de 20 profissionais de imprensa foram condenados à prisão por acusações como produzir propaganda contra o regime e agir contra a segurança do país. Alguns receberam penas violentas e humilhantes, como chicotadas e serviço comunitário varrendo ruas.
Morte da jovem curda sob custódia da policia do Irã
Mahsa Amini, de 22 anos, foi presa em 16 de setembro de 2022 pela “Polícia da Moralidade” sob a alegação de estar usando o véu islâmico de forma incorreta.
Ela perdeu a vida sob custódia policial, e as autoridades anunciaram que a razão teria sido um ataque cardíaco devido a problemas de saúde anteriores, o que a família negou.
As manifestações tomaram conta do país, com mulheres iranianas removendo e queimando os lenços de cabeça e gritando “Mulher, vida, liberdade”. A força policial foi dissolvida, mas o Irã continua fiscalizando e reprimindo mulheres que não usam o véu.
Milhares de manifestantes foram mortos e feridos nas ruas desde 16 de setembro de 2022, e muitos foram detidos e presos, incluindo jornalistas que noticiaram os acontecimentos.
Uma das formas tradicionais de intimidação de jornalistas adotadas pelo Irã é a convocação de profissionais para comparecerem a interrogatórios. Segundo a IFJ, essa prática aumentou significativamente neste ano, com mais de 110 jornalistas convocados.
Pelo menos 20 profissionais foram para o exílio por medo de detenções, intimações e penas de prisão de longa duração, afirma o relatório.
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Penas acima da lei
Em janeiro deste ano, o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) denunciou que o sistema judiciário do Irã estava aplicando penas mais rigorosas do que as previstas em lei para acusações associadas à morte da jovem curda.
De acordo com o código penal iraniano, as condenações por crime de propaganda preveem penas de prisão de até um ano. A acusação de conluio pode render até cinco anos de cadeia.
No entanto, pelo menos cinco jornalistas receberam sentenças além dos máximos legais, de acordo com o CPJ. Elas incluiram tempo superior de prisão, chicotadas, proibição de trabalhar ou deixar o país e serviço comunitário obrigatório.
Uma delas foi a fotojornalista Yalda Moaiery, condenada a seis anos de prisão. Ela também recebeu uma proibição de deixar o país por dois anos, foi impedida de trabalhar como jornalista por três anos e teve que cumprir dois meses de serviço comunitário limpando ruas.
#یلدا_معیری، عکاس خبری با انتشار ویدیوی اعلام کرد بعد از ۲۳ سال کار عکاسی خبری در داخل و خارج از ایران، به دلیل پوشش تصویری #اعتراضات_سراسری اخیر به ۶ سال حبس تعزیری و پنج مورد احکام تکمیلی از جمله دو ماه فعالیت به عنوان #پاکبان محکوم شده است.#خبرنگاری_جرم_نیست #مهسا_امینی pic.twitter.com/WG8doYmBJn
— ایران وایر (@iranwire) January 6, 2023
Em julho, Moiaery recebeu o Prêmio Wallis Annenberg de Justiça para Mulheres Jornalistas da Fundação Internacional de Mídia Feminina de 2023
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Outro caso notório é o de Nazila Maroofian, que entrevistou o pai de Mahsa Amini e desafiou a versão oficial de morte por problemas anteriores de saúde.
Ela foi condenada a dois anos de prisão e está em um vai-e-vem, sendo solta e novamente presa seguidas vezes. Na semana passada, a jornalista afirmou ter sido vítima de violência sexual enquanto estava na cadeia.
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Levar jornalistas já libertados de volta para a prisão virou prática comum. Vários profissionais foram capturados e depois liberados, alguns com pagamento de fiança.
E o medo de voltar para a cadeia contribui para silenciá-los ou para decidirem pelo exílio.
Jornalistas presos um ano após morte de jovem curda
Neste momento, segundo a Federação Internacional de Jornalistas, há seis profissionais de imprensa atrás das grades no Irã devido à cobertura da morte da jovem curda, além de outros em prisão domiciliar.
- Niloofar Hamedi, repórter do jornal Shargh, foi detida na sua casa em Teerã, em 22 de setembro de 2022.
- Elahe Mohammadi, repórter do jornal Hammihan, também foi presa em casa, no dia seguinte.
- Rebawa Saidmohamadi, jornalista da Sahar TV, foi preso no ano passado depois de regressar do Curdistão iraquiano e condenado a sete anos de prisão.
- Kamyar Fakoor, repórter de Khabaronline, está preso desde 9 de maio de 2023 e cumpre uma pena de nove meses de prisão.
- Ali Moslehi, um jornalista local na cidade de Kashan, foi preso no dia 29 de julho na sua casa.
- Vida Rabani, jornalista freelancer do jornal Shargh, foi detida em 24 de setembro de 2022 na sua casa em Teerã. Ela foi libertada por motivos de saúde em junho e retornou novamente à prisão de Evin em 2 de setembro.
Além de Maroofian, outras duas jornalistas do Irã têm sido alvo de atenção internacional: Nilofar Hamedi e Elahe Mohammadi, primeiras profissionais de imprensa que noticiaram a morte da jovem Mahsa Amini.
Hamedi entrevistou o pai de Amini no hospital, e foi a única jornalista a comparecer ao enterro.
Em março, elas ganharam o Prêmio Louis M. Lyons de 2023 por Consciência e Integridade no Jornalismo por seu “compromisso inabalável em produzir jornalismo corajoso sobre questões no Irã que afetam as mulheres.
Agora, estão na cadeia aguardando julgamento, que pode levar a uma pena de prisão perpétua devido à acusação de espionagem para os EUA.
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Liberdade de imprensa caiu ainda mais no Irã
O Irã ocupa o 177º lugar entre 180 países no Global Press Freedom Index da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que acompanha a situação da liberdade de imprensa no mundo.
Na análise sobre o país, publicada em abril, a RSF aposta que embora a repressão já fosse muito forte, com jornalistas enfrentando detenções, interrogatórios, prisões, vigilância, assédio e ameaças, ela se agravou muito desde o início da onda de protestos desencadeada pela morte de Mahsa Amini.
“Mais de 70 jornalistas, muitos deles mulheres, foram presos porque as autoridades não pouparam esforços para impedir a cobertura dos protestos.
Até mesmo jornalistas iranianos baseados no exterior foram submetidos a pressões que variavam de assédio online a ameaças de morte.”
Em fevereiro, após ameaças a seus profissionais identificadas pela Scotland Yard, o canal independente Iran International fechou sua redação em Londres e passou a operar nos EUA.
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