Londres – Condenado a 20 anos de cadeia pela participação na morte da jornalista investigativa russa Anna Politkovskaya, o ex-detetive da KGB Sergei Khadzhikurbanov foi perdoado pelo presidente Vladimir Putin após completar um contrato de seis meses lutando por seu país na guerra da Ucrânia. 

A decisão foi recebida com indignação pela família e por organizações de defesa da liberdade de imprensa. Politkovskaya trabalhava no Novaya Gazeta, jornal de Dmitry Muratov, que recebeu em 2021 o Nobel da Paz por sua luta contra a censura e as perseguições à imprensa na Rússia.

Ela ficou conhecida internacionalmente por expor violações dos direitos humanos cometidas pelas forças russas na Chechênia. A jornalista foi baleada no prédio onde morava em 7 de Outubro de 2006. O assassinato provocou protestos e manifestações em todo o mundo. 

Jornalista morta preparava reportagem sobre crimes na Chechênia 

O advogado de Khadzhikurbanov, Alexei Mikhalchik, disse à mídia russa que seu cliente recebeu perdão presidencial e assinou um segundo contrato com o Ministério da Defesa para permanecer lutando. 

Ele é um dos cinco condenados pelo assassinato da jornalista, que segundo a Associação de Jornalismo Investigativo do país, estava reunindo relatos de testemunhas com fotografias de corpos torturados para um artigo a ser publicado dois dias depois de sua morte no Novaya Gazeta. 

 “Nós nunca recebemos o artigo, mas ela tinha provas sobre estas pessoas [sequestradas] e havia fotos”, afirmou o editor do Novaya, Vitaly Yerushensky, para uma rádio russa na época do assassinato.

Em comunicado conjunto, o jornal Novaya Gazeta e a família condenaram a libertação antecipada de Sergei Khadzhikurbanov, anunciada na terça-feira (14):

“Para nós, este ‘perdão’ não é um ato de redenção e arrependimento por parte do assassino.

É um fato monstruoso de injustiça e arbitrariedade, um insulto à memória de uma pessoa morta pelas suas crenças e pelo cumprimento do seu dever profissional”.

O jornal do prêmio Nobel da Paz foi proibido na Rússia e perdeu o registro, mas mantém uma edição europeia a partir da Letônia. Dmitry Muratov está em uma batalha judicial para reverter o rótulo de “agente estrangeiro”. 

Morte de jornalista russa sem mandante responsabilizado 

Em 2014, quase oito anos e dois julgamentos após a morte de Anna Politkovskaya, três irmãos chechenos, o tio deles e Sergei Khadzhikurbanov foram condenados à prisão.

Rustam Makhmudov foi condenado à prisão perpétua e acusado de supostamente puxar o gatilho junto com seu tio, Lom-Ali Gaitukayev.

Seus dois irmãos, Dzhabrail e Ibragim, foram condenados a 14 e 12 anos de cárcere em uma colônia penal.

O mentor do assassinato de Anna Politkovskaya nunca foi identificado, de acordo com a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês). 

Quem é o condenado que ganhou perdão de Putin 

Segundo o Novaya Gazeta, Sergei Khadzhikurbanov era oficial do departamento de polícia de combate ao crime organizado de Moscou. Ele recebeu sua primeira sentença por exceder a autoridade oficial – como são chamados os crimes cometidos por policiais.

Khadzhikurbanov cumpriu pena na região de Ryazan, em uma colônia de funcionários, o que não o impediu de aparecer regularmente em Moscou e se comunicar com seus colegas e membros de um grupo criminoso envolvido em assassinatos por encomenda, vigilância ilegal de pessoas e fraudes em apartamentos, com remoção de proprietários para o interior.

Quando já estava preso sob suspeita de organizar o assassinato de Anna Politkovskaya, também foi acusado de sequestro e de causar danos à pessoa sequestrada (ou seja, tortura). O ex-agente não cooperou com a investigação, não apresentou provas e não admitiu culpa.

O secretário-geral da FIJ, Anthony Bellanger, disse:

“O perdão de um dos assassinos de Anna Politkovskaya zomba da justiça e transmite a mensagem de que não há problema em matar um jornalista e escapar impune.”

A organização “condenou veementemente este perdão” e instou as autoridades judiciais russas a levarem à justiça todos os perpetradores, incluindo o autor intelectual do crime hediondo.

“A família de Anna, a comunidade jornalística e o público têm o direito de saber”, diz a nota.