Londres – Na véspera da posse do novo presidente argentino, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) ‘soou o alarme’ sobre o perigo da postura hostil de Javier Milei em relação aos jornalistas e seu “desdém pelos padrões internacionais que regem o direito à informação”, prometendo “monitorar de perto sua presidência”.
O economista Milei assume neste domingo (10) o comando de uma nação que até agora estava entre as mais bem classificadas da região no Global Press Freedom Index da RSF, ocupando o 40º, enquanto Brasil ficou em 92º este ano.
No entanto, os sinais dados durante a campanha são de que o quadro pode mudar, como teme a organização de liberdade de imprensa, que pede salvaguardas para o jornalismo.
Por que Milei é visto como perigo para o jornalismo
Milei conhece bem o funcionamento da mídia. Ele ganhou fama como comentarista econômico no rádio e na TV, e é um hábil usuário de redes sociais, pelas quais conquistou os jovens.
Mas nos últimos cinco anos, ele também tem sido notório por seus confrontos com jornalistas e demonstrações de hostilidade em relação a eles – “uma agressividade que ele também exibe on-line e nas mídias sociais”, diz a Repórteres Sem Fronteiras, que considera seus violentos ataques verbais contra qualquer profissional crítico uma ameaça à liberdade de imprensa na Argentina.
O jornalista brasileiro Artur Romeu, que dirige o escritório da RSF na América Latina, salientou que o estilo agressivo não é novo no cenário político.
“Ele chegou ao poder replicando a estratégia usada por outros presidentes do hemisfério ocidental, como Jair Bolsonaro no Brasil e Donald Trump nos Estados Unidos, que saudaram a vitória de Milei.
Como eles, o novo presidente argentino usa um discurso que é abertamente hostil ao jornalismo e é assumido e amplificado por seus apoiadores nas mídias sociais.
Essa estratégia visa desacreditar a mídia e os jornalistas que criticam suas políticas.
O ex-presidente Jair Bolsonaro viajou a Buenos Aires para a posse, e nesta sexta-feira teve um encontro com Javier Milei.
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Quatro ameaças ao jornalismo da Argentina
Para Romeu, a posse do novo presidente da Argentina é “um sinal de alarme” para o jornalismo no país. O perigo visto pela organização divide-se em quatro pontos, com base em atos e declarações recentes de Javier Milei.
Insultos a jornalistas em público
“Desde 2018, quando se tornou comentarista econômico na TV e no rádio, Javier Milei tem descrito repetidamente os jornalistas como “ignorantes”, “imbecis”, “burros” e até mesmo “sanguessugas”.
Na maioria dos casos, esses insultos foram proferidos assim que um jornalista fez uma pergunta que não agradou. Durante a campanha presidencial, ele se referiu ao Chequeado, um dos sites de verificação de fatos mais respeitáveis da Argentina, como “mentirosos”.
Ele também se refere frequentemente a jornalistas e profissionais de mídia como “ensobrados” (corruptos) e usa essa retórica para desacreditar a mídia em geral.”
Ameaças e ataques físicos
“Antes de se tornar deputado, em 2021, Milei ameaçou jornalistas com violência física pelo menos duas vezes na televisão.
Ao chegar à cidade de Rosario para um comício político durante a campanha eleitoral presidencial em novembro, ele afastou um repórter, dizendo: “Isso está aberto às pessoas, não a você”.
Seus discursos, que são salpicados de ataques à imprensa, são absorvidos por seus apoiadores, que repetem os insultos aos jornalistas sem restrições. Enquanto ele votava no dia da eleição, apoiadores de Milei atacaram a equipe de TV pública do Canal 7 e ameaçaram tomar o microfone da repórter Gabriela Radice.”
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Ações judiciais contra jornalistas
“Em 2022, enquanto ainda era deputado, ele entrou com uma ação por difamação contra cinco jornalistas, buscando 1 milhão de pesos (cerca de 3.000 dólares) em danos de cada um deles, depois que eles sugeriram que ele havia usado conceitos nazistas em declarações públicas sobre a “superioridade moral e estética” de seu grupo político.”
Planos para de desmantelar a mídia pública
“Após sua vitória eleitoral, em 19 de novembro, Milei incluiu a rádio e televisão públicas e a agência de notícias nacional Telam na lista de empresas estatais que ele pretende privatizar ou fechar com base, diz ele, de que elas se tornaram “um mecanismo de propaganda”.
Ele também anunciou que abolirá toda a publicidade estatal na mídia.”
Durante a campanha eleitoral da Argentina, a RSF apresentou aos candidatos dez propostas para reforçar as salvaguardas para a liberdade, independência e diversidade jornalística no país.
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