Los Angeles – Três em cada quatro americanos acreditam que as mudanças climáticas já prejudicam quem vive nos Estados Unidos, e 73% dos entrevistados disseram que um número cada vez maior de plantas e animais correm risco de extinção, ao mesmo tempo em que o movimento anti-ESG ganha força no país. 

Os dados são da Pew Research, uma das agências de pesquisas mais relevantes do país, que em 2023 estendeu o questionário a respeito da pauta ambiental – mesmo ano em que o país bateu recorde de desastres climáticos bilionários.

Apesar dos números, o líder da maior potência mundial não foi à COP28.

Mudanças climáticas causam desastres nos Estados Unidos

A Casa Branca justificou a ausência de Joe Biden alegando que o presidente estaria focado no conflito do Oriente Médio.

Na agenda pública, porém, constavam eventos como uma reunião bilateral com o presidente de Angola e a “inauguração” da árvore de Natal, em Washington DC.

Essa incoerência da Casa Branca é condizente com o momento do país, que se diz preocupado com o clima, mas “desabona” o ESG.

Um levantamento da Reuters, publicado em julho deste ano, mostrou que mais de US$ 15 bilhões foram retirados de fundos ESG apenas no segundo trimestre de 2023.

Movimento anti-ESG

A pressão de Wall Street não para por aí. O empresário do setor de tecnologia e saúde Vivek Ramaswamy ganhou as manchetes ao afirmar que o lucro virou algo “secundário” para as grandes corporações, que preferem “lacrar” nas redes sociais.

Ramaswamy chegou a escrever uma carta aberta ao CEO da Apple, Tim Cook, pedindo para que a empresa pare de levar em consideração a diversidade racial na contratação de funcionários, priorizando a qualidade dos candidatos.

O magnata conservador se tornou, por assim dizer, uma espécie de porta-voz do movimento anti-ESG.

Essa contracorrente ganhou força também na esfera política dos Estados Unidos, sobretudo entre os republicanos.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, proibiu sua administração de tomar decisões baseadas em conceitos de sustentabilidade, e chegou a declarar que ESG é uma ameaça à economia.

Vale lembrar que, em agosto de 2023, a Flórida foi atingida pelo furacão Idalia, que deixou pelo menos quatro mortos no estado e um prejuízo de até US$ 20 bilhões.

Shon Hiatt: Do contra, mas com razão?

Shon Hiatt, professor da USC especialista em energia
Shon Hiatt

Para quem acompanha o movimento anti-ESG, nem tudo são bandeiras partidárias. O professor da USC, Shon Hiatt, especialista em energia, é um dos que pensam assim.

Em conversa com o MediaTalks, ele citou diferentes fatores para explicar essa tendência – todos ligados à “pontuação” que avalia o escore ESG das empresas.

Utilizando critérios pré-determinados, pode-se avaliar cada prática ESG de uma empresa. A pontuação geral é resultado do cálculo médio dessas classificações.

Pareceu confuso? Pois é. “Estudos mostraram que as pontuações variam de forma dramática, dependendo da agência avaliadora”, explica Hiatt.

“Por exemplo, a Tesla pode ter um ESG super alto segundo a avaliação da agência A, mas ter um escore baixo na B. Isso acontece porque os indicadores são distintos, e as pessoas não sabem de que forma este ESG está sendo calculado”.

Outro ponto levantado pelo docente tem a ver com o risco financeiro. Quando avaliamos as práticas que englobam o Environmental, Social and Governance, não levamos em conta a saúde financeira da companhia, de forma que uma empresa sustentável pode não ser rentável – o que inviabilizaria a coisa toda.

Por fim, Hiatt acredita que um peso desproporcional dos critérios da avaliação ESG esteja demasiadamente focado na emissão de carbono, o que explica a guinada republicana na direção do movimento anti-ESG.

“Estados conservadores, como Texas, Ohio e West Virginia, têm empresas que estão envolvidas em práticas com alta emissão de carbono, tais como extração de petróleo, refinação e extração de carvão. Essas empresas terão, naturalmente, uma pontuação muito mais baixa do que qualquer negócio de outro setor”, explica o professor.

“Assim, essas empresas saem em desvantagem para obter financiamento, porque grandes investidores institucionais, como fundos de pensão, não querem mais investir em nenhuma empresa que tenha, digamos, uma pontuação ESG inferior a 70”, diz Hiatt.

Segundo o professor, é por isso que há fundos estaduais que atacam as classificações ESG porque acreditam que o rating desfavorece muitas das empresas sediadas em seus estados.

Witold Henisz | O avesso do avesso

Witold Henisz, Diretor da Iniciativa ESG da Universidade de Pensilvânia
Witold Henisz

Vem da costa leste dos Estados Unidos um contraponto. Diretor da Iniciativa ESG da Universidade da Pensilvânia, o professor Witold Henisz é enfático ao falar que esse movimento “do contra” é estritamente político, ampliado pela mídia.

“Não quero dizer que ele não tenha implicações práticas, mas acho que sua importância é superestimada”, contou ao MediaTalks.

Henisz reconhece que o sistema ESG não é perfeito e que há muito a lapidar, mas acredita que o capital continua apontando nesta direção – assim como os eleitores.

“Se olharmos para o movimento anti-ESG e para o ESG, vemos que um lado tem mais dinheiro, mais votos e mais impacto, enquanto o outro é basicamente um posicionamento político.

Este assunto deveria ser tratado apenas nas páginas de política, e não nas de negócios e finanças”.

Embora concorde com o argumento da falta de coerência dos critérios de avaliação das práticas de ESG, Henisz teme que isso sufoque todo o movimento.

“Eu simpatizo com muitas das críticas específicas (ao ESG). Só não me prendo à conclusão de que devemos nos livrar dele ou que é perigoso. Minha conclusão é que ainda temos aprimoramentos a fazer, e estou empenhado em fazer esse trabalho. Encorajo os críticos do movimento ESG a nos mostrar uma alternativa melhor. Não a apenas jogar pedras”, disse.

“Ajudem a encontrar o caminho a seguir, onde possamos mostrar como o risco climático é real e como isso não é uma coisa dos Democratas, nem uma questão dos Republicanos”.

“O escore ESG não pode ser reduzido a uma questão ideológica. É uma boa forma para avaliar os riscos financeiros do clima, os riscos financeiros da justiça social. Todos devemos concordar com isso”, conclui.

Entrevista | Edward Freeman: O ‘criador’ do ESG

Edward Freeman é considerado o criador da ESG
Edward Freeman, o ‘criador’ da ESG

A teoria dos stakeholders, publicada em 1984, por Edward Freeman, é considerada, por muitos, uma das forças motoras do movimento ESG.

Por isso, desde então, Freeman fala e escreve muito sobre o tema – e conversou com o MediaTalks. Para o especialista, toda discussão sobre o tema deve ser comemorada, porque denota evolução.

“Acho que o ESG, em si, já é um avanço: primeiro houve um conceito e um modelo, depois começamos a aprimorá-lo. Essa estrutura de análise e investimento é uma ferramenta que prioriza o stakeholder e que simplifica sua abrangência”.

Ainda de acordo com ele, a ideia de ignorar o bem-estar gerado por uma empresa, para focar apenas no seu retorno financeiro é uma ideia absurda, cujo fracasso já foi, inclusive, comprovado.

“A crise financeira de 2008 é, para mim, um dos casos que melhor ilustram o que pode acontecer quando os stakeholders são ignorados para priorizar o interesse dos investidores”.

Invocando Oscar Wilde – “todo santo tem um passado, e todo pecador tem um futuro” – Freeman nos encoraja a abdicar de narrativas do tipo “esta empresa é boa; esta empresa é má”, alertando que as coisas são bem mais complexas do que isso.

“A gente tem a concepção errada de que conversar sobre ética e sobre valores são diálogos leves e sutis, e que falar de orçamento e de metas é uma conversa difícil. Eu acho que é justamente o contrário”, diz.


Edição especial MediaTalks COP28

Este artigo faz parte de um relatório especial analisando as repercussões da COP28, jornalismo ambiental, ativismo e percepções da sociedade sobre as mudanças climáticas.

Leia aqui a edição completa.