Londres – Na véspera do julgamento do último recurso para tentar evitar a extradição de Julian Assange para os EUA, organizações de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa se mobilizam para acompanhar a sessão no Supremo Tribunal do Reino Unido, prevista para durar dois dias (20 e 21 de fevereiro) – e aumentam a pressão para que o fundador do Wikileaks seja libertado.
Rebecca Vincent, diretora global de campanhas da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), acompanha o caso desde o início e esteve em todas as sessões da longa saga judicial enfrentada pelo fundador do Wikileaks, que publicou segredos de guerra dos EUA e enfrenta 18 processos que podem render 175 anos de prisão.
“Todos os olhares estão voltados para o Supremo Tribunal do Reino Unido durante esta audiência fatídica, mas resta saber se o sistema judiciário britânico pode oferecer alguma forma de justiça, impedindo a extradição de Assange”, disse a diretora.
Ela lembra, no entanto, que “continua a ser da competência do governo dos EUA pôr fim a esta tragédia judicial, desistindo dos processos que já duram 13 anos contra Assange e cessando esta perseguição sem fim”.
Ninguém deve enfrentar tal tratamento por publicar informações de interesse público. É hora de proteger o jornalismo, a liberdade de imprensa e nosso direito de saber. É hora de libertar Assange agora.”
Caso Assange e a liberdade de imprensa
Os vídeos e documentos publicados por Julian Assange no Wikileaks sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão foram reproduzidos por veículos de comunicação de todo o mundo, que não foram processados por terem utilizado as informações.
Alguns mostram soldados atirando à queima-roupa em civis, incluindo jornalistas.
Segundo a RSF, Assange não ‘vazou’ as informações. Ele as publicou depois de recebê-las de Chelsea Manning, que era oficial do governo e obteve os dados secretos.
Entre os dispositivos legais usados nos processos contra ele está Lei de Espionagem de 1917, uma lei do tempo da primeira guerra.
Os processos movidos pelo Departamento de Estado são vistos pelas organizações como ameaças ao futuro da liberdade de imprensa, pois abrem precedente para outras condenações e podem fazer com que informantes não tenham coragem de revelar segredos de interesse da sociedade.
Entre as entidades convencidas desse risco está a Anistia Internacional. Na semana passada, a organização divulgou um comunicado reiterando a preocupação de que Assange enfrente o risco de graves violações dos direitos humanos se for extraditado e alertou sobre um profundo “efeito inibidor” na liberdade global dos meios de comunicação.
“O futuro de editores e jornalistas investigativos em todo o mundo está em jogo. Se Julian Assange for enviado para os EUA e processado, as liberdades globais dos meios de comunicação também serão julgadas”, afirmou Julia Hall, especialista da Anistia Internacional em contra-terrorismo e justiça criminal na Europa.
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O que vai acontecer nos dias 20 e 21
De 20 a 21 de fevereiro, um painel de dois juízes do Tribunal Superior será responsável pela última fase do processo do Reino Unido no caso de extradição do governo dos EUA contra Assange, considerando o seu pedido final de recurso da ordem assinada pela Ministra do Interior em junho de 2022.
Depois da audiência, batizada pelos apoiadores de Julian Assange como o “Dia X”, quaisquer fundamentos rejeitados por estes juízes não poderão ser objeto de recurso no Reino Unido.
Embora não seja possível prever totalmente como o tribunal irá proceder, é pouco provável que o tribunal emita uma decisão imediatamente – isto provavelmente ocorrerá algumas semanas mais tarde, segundo a Repórteres Sem Fronteiras.
Na hipótese de o tribunal aceitar alguns ou todos os fundamentos de recurso de Assange, poderia ser realizada uma nova audiência. Se todos os fundamentos forem rejeitados, como foram até agora, o seu único recurso legal restante seria o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, e isso dependeria do governo britânico aceitar essa instância.
O Reino Unido tem o chamado “relacionamento especial” com os EUA, o que torna improvável uma decisão unilateral que não seja amparada pela justiça ou fruto de um acordo com o país que tenta a extradição. Mas os EUA jamais admitiram a hipótese de desistir dos processos.
A audiência desta terça-feira gerou um burburinho significativo, com a atenção internacional ao caso de Assange crescendo, juntamente com apelos generalizados para a sua libertação, de comunidades de liberdade de expressão e de direitos humanos, a jornalistas e organizações de mídia e a legisladores em todo o mundo, inclusive no país natal de Assange, a Austrália.
Na semana passada, o Parlamento do país aprovou uma moção instando o Reino Unido e os EUA a aceitarem repatriar o fundador do Wikileaks, que é australiano, para seu país natal. O primeiro-ministro, Anthony Albanese, votou a favor e se manifestou abertamente sobre o caso.
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A Relatora Especial da ONU sobre Tortura, Alice Jill Edwards, também se manifestou sobre o cas de Assange. Em uma carta ao governo britânico, ela apelou ao país pela suspensão da extradição iminente de Assange, citando os graves riscos para sua saúde mental e o risco de suicídio.
O Reino Unido e os EUA estão respectivamente classificados em 26º e 45º lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2023 da RSF .
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