Mais de 90 jornalistas haitianos e a organização RepĂłrteres Sem Fronteiras (RSF) divulgaram um manifesto dirigido Ă  comunidade internacional e ao novo Conselho Presidencial de Transição do Haiti pedindo que dĂȘem ao direito Ă  informação um lugar central na busca de uma solução para a crise de violĂȘncia. 

“Como o direito Ă  informação Ă© um bem essencial, os jornalistas e meios de comunicação do Haiti devem ser protegidos para que o paĂ­s nĂŁo se torne um deserto de informação”, afirmam a RSF e os jornalistas haitianos no apelo conjunto emitido em 16 de abril.

Segundo a RSF, seis jornalistas haitianos foram mortos em crimes relacionados ao trabalho desde 2022, alguns de forma extremamente violenta. Os repĂłrteres estĂŁo constantemente expostos a ameaças, ataques ou sequestros.  

Jornalistas e a crise de violĂȘncia no Haiti 

Desde o assassinato do presidente Jovenel MoĂŻse, em julho de 2021, o paĂ­s entrou em uma espiral de extrema instabilidade polĂ­tica e violĂȘncia generalizada de gangues.

À medida que os grupos criminosos estendem o seu controle sobre a capital, Porto Príncipe, os jornalistas ficam restritos a alguns bairros onde ainda podem trabalhar, embora não sem riscos. Muitos fugiram do país.

No dia 12 de abril, um mĂȘs depois de o primeiro-ministro Ariel Henry ter dito que estava pronto para renunciar, foi oficialmente anunciada a criação de um Conselho Presidencial de Transição, com a missĂŁo de restaurar a segurança e realizar eleiçÔes atĂ© fevereiro de 2026.

O conselho, cujos membros ainda nĂŁo foram nomeados, deverĂĄ designar um primeiro-ministro, que entĂŁo formarĂĄ um gabinete para governar.  

“É difĂ­cil imaginar um ambiente mais complexo para o jornalismo do que aquele que vemos hoje no Haiti. Os desafios histĂłricos que os meios de comunicação enfrentam neste paĂ­s foram agravados pelo impacto da violĂȘncia contra jornalistas que atingiu um nĂ­vel sem precedentes nos Ășltimos meses, alĂ©m de eles estarem expostos a uma situação econĂŽmica geralmente precĂĄria”, aponta Arthur Romeu, diretor do escritĂłrio da RepĂłrteres Sem Fronteiras na AmĂ©rica Latina.

“O jornalismo deve ocupar um lugar central nas discussĂ”es sobre o fim da crise e deve estar no topo da agenda da cooperação internacional”. 

Um dos casos recentes a ilustrar as ameaças foi o do jornalista Lucien Jura, um dos mais conhecidos no paĂ­s, sequestrado em casa e libertado alguns dias depois. 

O manifesto dos jornalistas haitianos  

A maioria dos jornalistas que assinaram o apelo à comunidade internacional e ao Conselho Presidencial de Transição estå baseada em Porto Príncipe ou em municípios vizinhos.

Alguns trabalham para meios de comunicação nacionais como Le Nouvelliste , HaĂŻti24 e AlterPresse . Outros sĂŁo freelancers. Eles trabalham para mĂ­dia impressa, mĂ­dia online, TV e rĂĄdio. Muitos deles pertencem Ă  Associação de Jornalistas Haitianos (AJH). 

No texto, eles afirmam que “o mundo precisa saber o que estĂĄ acontecendo no Haiti, e para isso, o Haiti precisa de um jornalismo independente, confiĂĄvel e diversificado, e de um ambiente em que os profissionais da mĂ­dia possam trabalhar com total segurança”.

O manifesto salienta que bairros inteiros da capital, Porto PrĂ­ncipe, tornaram-se inacessĂ­veis. “Estes bairros, proibidos devido ao seu controle por grupos armados, tornam-se cada vez mais numerosos”. 

Nesse cenĂĄrio, trabalhar tornou-se “um ato diĂĄrio de heroĂ­smo”, apontam. 

“Face aos enormes riscos, praticar a autocensura, abandonar o jornalismo ou fugir do paĂ­s apresentam-se cada vez mais como as nossas Ășnicas estratĂ©gias de sobrevivĂȘncia.”

Por isso, os jornalistas apelam Ă  comunidade internacional, Ă s agĂȘncias de ajuda, Ă s organizaçÔes internacionais e ao Conselho Presidencial de Transição para que dĂȘem ao apoio aos jornalistas e ao ecossistema midiĂĄtico um lugar central nas discussĂ”es sobre uma solução para a crise. 

Liberdade de imprensa em queda livre 

O Haiti foi classificado como o terceiro pior paĂ­s do mundo no Índice de Impunidade Global de 2023 do ComitĂȘ de Proteção a Jornalistas, que mede onde os assassinos de jornalistas tĂȘm maior probabilidade de ficar impunes.

A Ășltima edição do Global Press Freedom Index da RepĂłrteres Sem Fronteiras, publicada em em abril de 2023 – antes do agravamento da violĂȘncia – jĂĄ registrava a deterioração.

O paĂ­s caiu 29 posiçÔes no ranking, ficando em 99Âș na lista de 180 naçÔes.