Impaciente com críticas da imprensa desde a campanha eleitoral, o presidente da Argentina, Javier Milei, está intensificando os ataques pessoais e atos repressivos contra jornalistas, mostra um relatório feito pelo Fórum Argentino de Jornalismo (Fopea, na sigla em espanhol).
Milei foi o responsável por mais da metade dos 17 ataques (53%) a profissionais de mídia registrados entre 19 de março e 18 de abril, segundo o Fopea. Atores estatais, incluindo Milei praticaram 76% das violações.
Nos primeiros 100 dias de governo (entre dezembro e março), Milei havia protagonizado oito violações, e em apenas em abril foram nove. O Fopea protestou contra o que chama de “ira presidencial”, salientando que as críticas de jornalistas ao chefe de Estado também desencadeiam “uma enxurrada de insultos de trolls de fanáticos nas redes sociais”.
Ataques de Milei a jornalistas são ‘inaceitáveis’
O Fórum, uma organização não-governamental dedicada a proteger a liberdade de imprensa, considera “inaceitável” a prática do presidente de disparar acusações a profissionais de imprensa, chamando-os de “comprados”, “mentirosos”, “corruptos” e “achacadores”, e citou os casos dos jornalistas Jorge Lanata, María Laura Santillán, Víctor Hugo Morales, Joaquín Morales Solá , Jorge Fernández Díaz, principais alvos dos ataques.
O relatório registra também preocupação com a instruções dadas pelo presidente a ministros, dirigentes e apoiadores para “não se sentarem à mesa” para entrevistas com determinados jornalistas e meios de comunicação, e identifica outras formas de repressão, como violência em manifestações e censura.
“Os funcionários públicos, e especialmente o presidente, têm liberdade de expressão, o que inclui a possibilidade de questionar e criticar o trabalho de jornalistas ou meios de comunicação social.
Mas, ao fazê-lo, devem considerar que as suas palavras têm uma relevância significativa.”
De 19 de março a 18 de abril foram registrados pelo Fórum 17 violações praticadas por nove agentes públicos e privados, envolvendo 20 vítimas (alguns ataques foram direcionados a mais de um jornalista):
- 9 profissionais foram alvo de discurso estigmatizante
- 3 foram objeto de ataques à integridade
- 1 jornalista sofreu assédio judicial
- 4 foram vítimas de violência policial
- 3 casos de censura foram registrados (cortes de transmissão em TVs públicas).
O presidente Javier Milei foi o autor de nove das violações. Em seguida aparecem o Poder Judiciário (com dois casos), a polícia, um prefeito, um integrante do crime organizado e um empresário. Dois ataques não tiveram seus autores identificados.
Somando-se registros dos meses anteriores, o Fopea afirma que Milei esteve envolvido pessoalmente em 17 situações de ataques à imprensa este ano – 36% do total.
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Comitê de Proteção a Jornalistas insta presidente a parar de atacar imprensa
“O presidente Javier Milei deve parar de atacar a imprensa e permitir que os jornalistas debatam com as autoridades”, disse a Coordenadora do CPJ para a América Latina, Cristina Zahar.
“A estigmatização do jornalismo leva à erosão da credibilidade da imprensa, e os ataques verbais contra jornalistas criam um precedente perigoso, que pode incitar formas de violência física, assédio online, ameaças, detenções e até homicídios.”
A organização publicou uma nota instando o presidente da Argentina a cessar os ataques e deixar a imprensa trabalhar livremente. O CPJ conversou com alguns dos jornalistas atacados, como o veterano Jorge Lanata, fundador do jornal Página 12, com 40 anos de carreira.
Milei o chamou de “mentiroso” e “corrupto” no X, antigo Twitter, depois de críticas à presença do Embaixador israelense em reunião de gabinete na Casa Rosada feitas em seu programa na Rádio Mitre, em 15 de abril.
“Milei é paranóico. Ele acha que todos estão envolvidos em uma conspiração para depô-lo. Ele reage fortemente contra comentários simples, não necessariamente críticos, como se o discurso entre um presidente e um civil fosse equilibrado – e não é”, disse Lanata ao CPJ, acrescentando que Milei postou seu comentário no X no momento em que o programa era transmitido ao vivo.
Lanata, que também apresenta um programa de jornalismo investigativo no canal espanhol Trece, rejeitou as acusações de Milei e instruiu seus advogados a apresentarem uma queixa em 18 de abril no tribunal federal, acusando o presidente de difamação e calúnia, segundo informações da imprensa local.
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