Londres – Um dia após a data marcada para a libertação da jornalista chinesa Zhang Zhan, condenada a quatro anos de cadeia por transmitir notícias dramáticas sobre os primeiros dias da covid em Whuan, seu paradeiro é desconhecido e não houve sequer confirmação oficial de que ela tenha sido solta.

Advogada, ela se tornou jornalista-cidadã motivada pela crise do coronavírus, deixando Shangai, onde vivia, para fazer a cobertura dos acontecimentos na cidade que foi o epicentro da pandemia usando as redes sociais.

Apesar de protestos internacionais, Zhang Zhan foi condenada em dezembro de 2020 pelo crime de “fomentar discórdia e causar problemas”, fez greves de fome na prisão e sua saúde se deteriorou gravemente. Mas os apelos pela sua libertação antes do fim da pena, em 12 de maio, não foram atendidos pelo governo da China.

Jornalista chinesa virou símbolo da repressão na crise da covid

O caso de Zhang Zhan, de 40 anos, se tornou emblemático, exemplificando o aumento da repressão da China sobre dissidentes e jornalistas no momento em que o país era apontado como local de origem da pandemia.

Ela recebeu vários prêmios internacionais pelo seu trabalho e o caso passou a ser acompanhado de perto por organizações de liberdade de imprensa e de direitos humanos.

Zhang Zhan, jornalista-cidadã na China, foi hospitalizada devido à greve de fome na prisão
Zhang Zhan em seu último vídeo no YouTube antes de ir para a prisão na China (reprodução)

Desde o fim de semana, diversas entidades distribuíram comunicados manifestando preocupação sobre se a China iria cumprir o prazo determinado pela justiça, dando liberdade plena à jornalista nesta segunda-feira.

No entanto, ela não reapareceu em público, nem sua família se manifestou. As organizações acreditam que ela deve estar ainda sob algum tipo de restrição, em um processo chamado de “manutenção da estabilidade”.

A Repórteres Sem Fronteiras disse em um comunicado que os jornalistas detidos pelo seu trabalho permanecem frequentemente sob vigilância mesmo depois de serem libertados e são geralmente proibidos de viajar para o exterior.

Campanha em apoio à jornalista diz que família está sob pressão

A campanha Free Zhang Zhan, com base no Reino Unido, divulgou uma nota no fim da segunda-feira (horário de Pequim) informando que até aquele momento não havia confirmação da libertação da jornalista.

Jane Wang, que lidera o movimento, disse acreditar que a família de Zhang Zhan esteja sob enorme pressão e que teria sido “severamente advertida” a não dar entrevistas à imprensa.

Segundo Wang, pelo menos uma ativista baseada em Xangai foi convocada pela polícia por falar sobre a suposta saída de Zhang Zhan da prisão no dia 13 de maio, que ela planejava acompanhar.

Um ativista baseado em Henan foi interceptado numa estação ferroviária a caminho de Xangai, segundo a organização. A intenção era cumprimentar Zhang Zhan ou pelo menos mostrar solidariedade.

Ativistas compararam o caso ao de outros jornalistas e ativistas chineses libertados após cumprirem penas por crimes relacionados à covid e que foram silenciados.

“Estes são sinais extremamente preocupantes. Se Zhang Zhan enfrentar a mesma situação que a  ativista Chen Jianfang (que foi colocada em prisão domiciliar pelas autoridades de Xangai desde outubro de 2023, quando foi libertada da prisão), ela terá poucas chances de receber tratamento médico com urgência”, disse Jane Wang.

O caso de Zhang Zhan, a jornalista chinesa que desafiou as regras da covid

Ex-advogada e residente de Xangai, Zhan tinha 37 anos quando foi sozinha para Wuhan em 1º de fevereiro e transmitiu notícias sobre a pandemia via WeChat, Twitter e YouTube a partir da cidade chinesa onde o coronavírus foi inicialmente identificado.

Os mais de 100 vídeos curtos mostravam entrevistas com residentes e imagens de crematórios, estações de trem, hospitais e do Instituto de Virologia da cidade.

O governo acusou-a de “enviar informações falsas por meio de texto, vídeo e outras mídias por meio da internet, como WeChat, Twitter e YouTube; de conceder entrevistas a mídias estrangeiras –Free Radio Asia e Epoch Times – e de especular maliciosamente sobre a epidemia de covid-19 em Wuhan”.

Ao ser presa, em maio de 2020, Zhang negou as acusações e disse que todas as reportagens sobre a resposta ao surto foram baseadas em relatos de moradores locais. Suas reportagens em vídeo costumavam criticar o sigilo e a censura.

“Pessoas comuns dizendo algo corriqueiro no WeChat podem ser convocadas e advertidas”, disse ela em um vídeo postado no YouTube,  que continua no ar no site da campanha em sua defesa. 

“Como tudo está encoberto, este é o problema que este país enfrenta agora”.

Em outros vídeos, ela acusou as autoridades de violar os direitos básicos das pessoas e pediu a libertação de outros jornalistas-cidadãos que haviam sido presos por reportar em Wuhan.

Greve de fome contra as acusações

A jornalista fez sua primeira greve de fome em junho daquele ano, sendo alimentada à força por uma sonda nasal. Seu advogado relatou que ela compareceu ao julgamento em uma cadeira de rodas, fortemente abalada. E que teria perdido de 15 a 20 quilos e tido os cabelos cortados.

O advogado afirmou que o promotor apenas leu a lista de evidências, sem mostrar a maioria delas. E que Zhan quase não falou, mas disse que  “o discurso do cidadão não deveria ser censurado”.

A jornalista chinesa Zhang Zhan passou os quatro anos na cadeia sem admitir que havia cometido um crime ao noticiar a covid, o que poderia ter resultado no abrandamento da pena.

Sua família divulgou vários alertas sobre o agravamento de sua saúde, devido a sucessivas greves parciais de fome. Ela continuou a ser alimentada à força na prisão, disseram os familiares.

Em setembro de 2023, a mãe da jornalista informou a organizações de liberdade de imprensa que ela estava pesando apenas 37 quilos, metade de seu peso normal, e que tinha sido internada no hospital da prisão feminina de Xangai para tratar de desnutrição grave, doenças gastrointestinais, baixa contagem de glóbulos brancos e excesso de marcadores tumorais.

Guerra contra liberdade de imprensa

“O regime chinês tem conduzido uma verdadeira guerra contra o jornalismo desde que o líder Xi Jinping chegou ao poder em 2012”, diz a Repórteres Sem Fronteiras.

Segundo a organização, a China é a maior prisão do mundo para jornalistas e defensores da liberdade de imprensa, com pelo menos 119 detidos.

O país está classificado em 172º lugar entre 180 países no Global Press Freedom Index 2024.