Londres – Uma nova pesquisa da Earth Journalism Network (EJN), apresentada como a mais ampla realizada recentemente, levantou uma questão que vem ganhando espaço nos debates sobre jornalismo climático: o princípio clássico de incluir os dois lados em uma reportagem.

O estudo foi baseado em pesquisa com 744 jornalistas em 108 países, 30% especializados e 70% generalistas, combinando respostas a questionários estruturados e entrevistas em profundidade. Os autores são acadêmicos da Universidade Deakin, na Austrália. O Brasil está entre um dos países participantes. 

Covering The Planet (Cobrindo o Planeta) traz boas e más notícias para quem acredita no jornalismo como instrumento capaz de mudar o rumo da crise do clima: o espaço para o tema aumentou em dez anos, mas problemas como financiamento e segurança impedem que a cobertura seja compatível com a gravidade da situação, na avaliação da maioria dos entrevistados. 

Pesquisa questionou prática de ouvir os dois lados no jornalismo climático 

Ao explorar como os jornalistas fazem suas reportagens, a pesquisa constatou que o conceito de “equilíbrio” − escrito assim mesmo, entre aspas − ainda é usado em muitos países, resultando na inclusão de fontes “céticas” nas reportagens: 62% dos entrevistados disseram seguir essa prática.

No Brasil, 43% dos jornalistas participantes afirmaram fazê-lo. Em 11 países a taxa de resposta positiva à pergunta superou 80%, chegando em alguns casos a 100%.

O relatório considera esse comportamento “surpreendente e perturbador”, salientando que a norma jornalística de equilíbrio é problemática diante da constatação de que a maioria das pessoas forma sua opinião sobre as mudanças climáticas por meio da imprensa.

E muitas delas podem acreditar que a ciência sobre as alterações climáticas ainda está sendo debatida, sem que a influência das ações humanas tenha sido claramente confirmada, diz o estudo.

Os autores afirmam que ainda há um longo caminho a percorrer em vários países para que a imprensa retrate com precisão as alterações climáticas, e sugere que os jornalistas recebam formação em ciência para construir seu próprio conhecimento baseado no consenso cientifico.

Ativismo ou jornalismo?

Outros princípios do jornalismo questionados no Covering The Planet são os da objetividade e imparcialidade, colocando em pauta a extensão do ativismo na cobertura climática e a dificuldade de jornalistas que vivem em regiões afetadas por problemas climáticos não transferirem suas vivências para as matérias.

Esse ângulo foi explorado nas entrevistas em profundidade, que mostraram opiniões bem diferentes sobre o que seria caracterizado como ativismo ou jornalismo − e se o que é visto por alguns como ativismo deve estar presente no jornalismo.

Um jornalista do Equador disse: “Defender o clima não é ativismo, é uma coisa óbvia, como defender direitos humanos ou de gênero”. J

á um britânico foi para o lado oposto: “Não vamos defender ou pedir ação”.

Cobertura do clima longe do ideal

Embora o volume de cobertura venha aumentando em quase todos os países pesquisados − 82% dos jornalistas entrevistados relataram que clima e ambiente têm agora muito mais espaço do que há uma década −, a maioria acha que ele ainda está longe do ideal.

Para 76% dos entrevistados, a escassez de recursos financeiros limita ou impede as coberturas, que muitas vezes dependem de viagens ou de um longo tempo dedicado a uma investigação.

As ameaças também emergiram como preocupações. Quase quatro em cada dez jornalistas entrevistados relataram que se sentem ameaçados ao fazerem matérias ambientais. E a mesma proporção admitiu que pratica a autocensura, deixando de cobrir questões relacionadas ao clima ou calibrando a abordagem.

Essas ameaças em sua maioria partem de pessoas ou organizações que exercem atividades ilegais − e o caso do jornalista inglês Dom Philips, assassinado na Amazônia brasileira há dois anos, é uma triste lembrança de que esse medo não é infundado.

O que falta ao jornalismo climático? 

Em uma lista de desejos para tornar o jornalismo climático e ambiental mais extenso e aprofundado, o item mais votado na pesquisa da ENJ foi financiamento, necessidade citada por 79% dos entrevistados.

Em seguida aparecem treinamentos e workshops presenciais (75%); bolsas para participação em conferências (72%); mais acesso a dados relevantes (67%) e a fontes especializadas no assunto (60%).

A pesquisa completa pode ser vista aqui.