Faltando menos de duas semanas para as eleiรงรตes presidenciais na Venezuela, marcadas para 28 de julho, um ataque frontal do presidente Nicolรกs Maduro ร s principais agรชncias internacionais de mรญdia que estรฃo cobrindo a campanha aumentou as preocupaรงรตes com a liberdade de imprensa no paรญs. 

Em um comรญcio, o presidente da Venezuela e candidato ร  reeleiรงรฃo, que segundo as pesquisas estรก em desvantagem na disputa, acusou as espanhola EFE, a britรขnica Reuters, a francesa Associated France Presse (AFP) e a americana Associated Press (AP) de “mentirem todos os dias”.

A Federaรงรฃo Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglรชs) condenou as declaraรงรตes de Maduro, afirmando que elas nรฃo sรณ contribuem para esquentar o clima eleitoral, mas tambรฉm tรชm um potencial perigoso de desacreditar jornalistas e aumentar o assรฉdiocontra a imprensa.

Maduro descreveu imprensa como ‘lixo’ 

A manifestaรงรฃo de Nicolรกs Maduro foi feita em um comรญcio no dia 9 de julho em Maiquetรญa, norte do paรญs. Ele disse que todos os dias as agรชncias internacionais “saem com uma ou duas mentiras”. 

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Imprensa da Venezuela reagiu ร s declaraรงรตes descrevendo-as como “discurso de รณdio, que estigmatiza o trabalho dos jornalistas”.

Sob Maduro, a Venezuela ocupa a 156ยบ entre 180 paรญses no ranking anual Global Press Freedom da organizaรงรฃo Repรณrteres Sem Fronteiras. ร‰ o terceiro pior paรญs da regiรฃo para o jornalismo, perdendo apenas para Cuba e Nicarรกgua

Campanha na Venezuela ‘em clima de censura’

A organizaรงรฃo รฉ uma das que acompanha de perto a situaรงรฃo ร  medida em que as eleiรงรตes se aproximam, e levantou no fim de junho preocupaรงรตes sobre as restriรงรตes a jornalistas locais e estrangeiros no pleito que pode dar a Maduro o terceiro mandato. 

O brasileiro Artur Romeu, diretor do escritรณrio da RSF na Amรฉrica Latina, afirmou que a campanha eleitoral presidencial venezuelana estรก ocorrendo em um clima de censura.

Para a RSF, a eleiรงรฃo “nunca serรก democrรกtica sem respeito ao direito ร  informaรงรฃo confiรกvel”. 

A organizaรงรฃo afirma que os dois mandatos de Nicolรกs Maduro, no poder desde 2013, foram marcados por um massacre do jornalismo independente e do pluralismo da mรญdia, citando dados de diversas entidades que monitoram o ambiente da mรญdia local. 

De acordo com um censo da ONG venezuelana Espacio Pรบblico, que promove a liberdade de expressรฃo, a Comissรฃo Nacional de Telecomunicaรงรตes interrompeu os sinais de mais de 200 estaรงรตes de rรกdio e mais de uma dรบzia de canais de televisรฃo desde 2016, pois o governo considerou essas transmissรตes subversivas.

Mais de cem publicaรงรตes impressas cessaram suas atividades desde o inรญcio da presidรชncia de Maduro, incapazes de pagar por papel e suprimentos de impressรฃo desde que o estado assumiu a indรบstria grรกfica em 2013, de acordo com o Instituto Prensa y Sociedad Venezuela (IPYS ).

A mรญdia online tambรฉm sofreu: somente entre janeiro e outubro de 2023, o governo Maduro bloqueou o acesso a 48 sites de notรญcias, de acordo com o projeto Venezuela sin Filtro, que rastreia a censura digital.

Profissionais de imprensa abandonando a Venezuela na era Maduro

Outro efeito da polรญtica repressiva de Nicolรกs Maduro sobre a imprensa da Venezuela รฉ o รชxodo em massa de jornalistas desempregados ou impedidos de trabalhar devido ร s restriรงรตes.

A Associaรงรฃo de Jornalistas Venezuelanos no Exterior (APEVEX) estimou que, atรฉ marรงo passado, mil repรณrteres deixaram o paรญs. Desde 2016, jornalistas e meios de comunicaรงรฃo estrangeiros tรชm sido regularmente expulsos ou proibidos de entrar na Venezuela.

Em 2017, quando o paรญs estava no meio de uma crise polรญtica apรณs a vitรณria da oposiรงรฃo nas eleiรงรตes legislativas, a RSF condenou publicamente a expulsรฃo e a negaรงรฃo de entrada de 20 jornalistas , todos eles banidos em questรฃo de meses. O canal alemรฃo Deutsche Welle (DW) , que tambรฉm transmite em espanhol, estรก censurado desde marรงo.

Venezuelanos sem acesso a notรญcias confiรกveis de fontes independentes

O desaparecimento em massa da mรญdia mergulhou os venezuelanos em regiรตes remotas em “desertos de informaรงรฃo”, รกreas onde notรญcias confiรกveis โ€‹โ€‹sรฃo escassas, segundo a anรกlise da Repรณrteres Sem Fronteiras. 

De acordo com a entidade, um mapa de 2023 do Press and Society Institute (YPIS), uma ONG que monitora a liberdade de imprensa do paรญs, mais de 7 milhรตes de venezuelanos โ€” 21% da populaรงรฃo โ€” tรชm acesso insuficiente a fontes locais de informaรงรฃo.

Quase 30% da populaรงรฃo obtรฉm a maior parte de suas notรญcias de canais de televisรฃo gratuitos, que cobrem menos assuntos de interesse pรบblico, como polรญtica e economia, devido ร  censura estatal.

Dessa forma, o jornalismo independente da Venezuela agora estรก quase totalmente concentrado na esfera digital. No entanto, muitos desses veรญculos digitais lutam para sobreviver, pois seu financiamento depende muito da filantropia e da cooperaรงรฃo internacional.

“A censura contรญnua do governo a sites de notรญcias dificulta ainda mais a expansรฃo de seu pรบblico pela mรญdia digital, assim como a falta de acesso a uma conexรฃo de internet consistente e de alta qualidade que assola grande parte da populaรงรฃo da Venezuela”, afirma a RSF: