Por Aldo De Luca | MediaTalks, Londres 

O site journalism.co.uk  aproveitou a celebração do Dia Mundial das Notícias (WND),em 28 de setembro, para reconhecer os trabalhos jornalísticos realizados em 2020 considerados notáveis nas seguintes áreas: jornalismo investigativo e colaborativo, local, móvel, de dados e de soluções, além de documentário e fotojornalismo.

Os temas variaram desde a pandemia, o movimento Black Lives Matter e a denúncia dos lucros dos principais bancos mundiais com as operações financeiras de organizações criminosas até a emergência climática. 
 
Nestes dois últimos, tivemos a participação de jornalistas brasileiros. A denúncia dos lucros dos bancos em desrespeito às regras contra lavagem de dinheiro foi feita pela BuzzFeed News em parceria com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, do qual fazem parte o Poder360, a revista piauí e a revista Época. 
 
No tema da emergência climática, foi reconhecida a edição especial The Climate Issue da revista Are We Europe, com destaque especial para o artigo da jornalista brasileira Fernanda Buriola sobre os efeitos da ansiedade ecológica na saúde mental.
 
São todos trabalhos excelentes e, acima de tudo, inspiradores. Confira:

 


Jornalismo de soluções

Palavras de Consolo para os Eco-AnsiososFernanda Buriola – The Climate Issue / Are We Europe 

Na área do jornalismo de soluções, o site selecionou a edição especial The Climate Issue, lançada em setembro pela revista Are We Europe, que apresentou saídas para o tema da emergência climática, buscando amenizar as sensações de desesperança e ansiedade dos leitores com o aquecimento global.

Dentre os diversos tópicos abordados na edição, o site destaca o artigo da jornalista brasileira Fernanda Buriola, atualmente radicada na Bélgica, por falar da ansiedade ecológica e levantar um tema frequentemente esquecido da discussão sobre emergência climática: nossa saúde mental. E enfatiza que, além de expor como o aquecimento global pode criar sentimentos legítimos de ansiedade dentro de nós, Fernanda mostra o que pode ser feito para amenizar essas preocupações.

O site destaca uma fala do editor-chefe da revista, Kyrill Hartog, no recente evento da Solutions Journalism Network, quando disse que eles passaram a adotar a abordagem focada em soluções para ajudar os leitores a superar sentimentos negativos.

“É uma forma única de cobrir a crise climática”, diz. “Falamos de experiências de pessoas na Europa e como elas estão assustadas com as mudanças climáticas ou tentando fazer a diferença.”

A versão completa da The Climate Issue está disponível para assinantes, mas o journalism.co.uk lembra que várias das reportagens estão disponíveis no site da revista, como a que ensina como ajudar os consumidores a fazer escolhas de energia mais verdes.

 


Jornalismo investigativo e colaborativo

Arquivos do FinCENBuzzFeed News e ICIJ, que inclui Época, Piauí e Poder360

O site descreveu o trabalho como “uma investigação de escala histórica”, elogiando a parceria entre o BuzzFeed News e o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que vêm publicando desde setembro reportagens mostrando como grupos terroristas e cartéis de drogas usaram cinco dos principais bancos do mundo para financiar seus crimes. 

Os bancos são JPMorgan, HSBC, Standard Chartered Bank, Deutsche Bank e Bank of New York Mollen, que desafiaram as medidas internacionais contra lavagem de dinheiro e movimentaram espantosas quantias ilícitas para essas redes criminosas e personagens suspeitos.

Além do jornalismo investigativo, o trabalho é resultante do poder do jornalismo colaborativo, que envolveu uma equipe de mais de 400 repórteres de mais de 100 veículos de 88 países, reunidos pelo ICIJ para analisar mais de 2.100 documentos vazados do FinCEN (Financial Crimes Enforcement Network, a unidade de inteligência do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos), e entregues por uma fonte anônima ao BuzzFeed News. 

A equipe passou um ano extraindo dados sobre mais de US$ 2 trilhões em transações e comprovou como os bancos envolvidos lucraram com as operações financeiras dos criminosos.

No Brasil, o trabalho teve a participação das equipes dePoder360, revista piauíe revista Época, que integram o ICIJ. Além de detalhes do escândalo internacional, os três veículos vêm publicando reportagens sobre movimentações suspeitas de contas de clientes brasileiros ou ligadas ao Brasil. 

“Os arquivos FinCEN são documentos detalhados das forças invisíveis e sinistras que moldam nossa economia global, nossa história e nosso futuro. Eles expõem uma vasta e poderosa rede de corrupção financeira que atinge todos os cantos do mundo, todos os setores e incontáveis governos – e mostram que as autoridades dos EUA estão cientes disso, mas não fazem o que é necessário para impedi-la”, disse Mark Schoofs, editor-chefe do BuzzFeed News, em frase destacada pelo site.

Além do material impresso, o site destaca que as conclusões do trabalho podem ser acompanhadas também no podcast Suspicious Activity: Inside the FinCEN Files. Trata-se de uma série de cinco capítulos com cerca de 30 minutos cada um, produzidos em parceria com o Pineapple Street Studios. Quatro dos episódios já estão disponíveis no Spotfy e o quinto está sendo lançado.


Jornalismo de dados

Vídeos explicativos sobre pandemia Ed Conway – Sky News 

O site enfatiza que a pandemia elevou o jornalismo de dados a um novo patamar, assumindo uma importância fundamental para explicar seus efeitos. Mas alerta que, sem contexto, a avalanche de números pode causar confusão e alarme desnecessário.

Nesse cenário, o site destaca o trabalho do editor de economia da Sky News, Ed Conway, que postou vídeos explicativos para destrinchar os números e fornecer contexto com base em múltiplas fontes e dados de outros países. Entre os pontos altos, incluem-se a análise da probabilidade de uma segunda onda da doença e a comprovação do aumento de mortes de pessoas em casa em comparação com números decrescentes em instituições de idosos e hospitais.

“É difícil pensar em outra história nos últimos tempos em que os dados – como são apresentados e interpretados – tenham sido tão importantes”, disse Conway ao journalism.co.uk. “Na verdade, muitos dos dados por trás da Covid-19 são bastante simples e mostrá-los de forma visual foi algo que tentamos fazer o máximo possível durante a pandemia.”


Documentário

Volte para o lugar de onde você veio – Reha Kansara – BBC Three

Entre os documentários, o site destaca o trabalho da jornalista da BBC Three, Reha Kansara, que com sua obra Volte para o lugar de onde você veio, lançada em setembro, levantou a discussão sobre as implicações desse insulto ouvido com muita frequência no Reino Unido, na esteira do movimento Black Lives Matter e os protestos por justiça social que se seguiram.

O site enfatiza que tal insulto, dirigido a pessoas nascidas no Reino Unido,  desperta um sentimento de exclusão e de negação de cidadania e identidade. O documentário de Kansara ouve as vítimas e também aqueles que se levantam contra a prática, em busca do significado da identidade britânica hoje.

“O mundo não mudou muito (nos últimos seis meses) em relação ao racismo neste país”, disse Kansara ao Journalism.co.uk. “O que mudou é que as pessoas estão mais abertas para discutir isso.”


Jornalismo móvel

Cobertura do lockdown da Itália Nico Piro – RAI 

Na área do jornalismo móvel, o site destacou o trabalho de Nico Piro, correspondente especial da rede de televisão italiana RAI e treinador de jornalismo móvel, durante o lockdown provocado pela pandemia na Itália.

“Como jornalista, sempre tentei dar voz aos que não têm voz”, disse Piro ao journalism.co.uk, que já havia relatado em livro a guerra no Afeganistão. “Portanto, quando a pandemia começou na Itália, encontrei-me em uma situação semelhante em meu próprio país”.

Na entrevista ao site, o jornalista disse que quando lhe disseram para ficar em casa, pensou naqueles que não tinham casa e isso se tornou o foco de seu relato:

“Para mim, não ter uma casa era uma metáfora mais ampla daquela parte esquecida da sociedade que estava sofrendo mais – então fui para abrigos de sem-teto, bancos de alimentos e clínicas gratuitas na parte mais pobre do país”.


Jornalismo local 

Controle dos gastos dos governos locaisThe Bureau of Investigative Journalism 

Em meio a tantos destaques do jornalismo global e nacional, o site ressalta que a importância do jornalismo local não pode ser relegada a um segundo plano.

E nesse campo destaca o trabalho do The Bureau of Investigative Journalism, que se impõe a missão de fiscalizar os gastos dos governos locais e seus efeitos nas comunidades do Reino Unido. 

Dentre várias importantes investigações publicadas expondo investimentos questionáveis das autoridades locais em energia solar ou a situação de abandono a que submetem os sem-teto, o site selecionou a denúncia de que os governos locais estavam investindo bilhões de libras em propriedades comerciais. 

A reportagem mostra que ao direcionar o dinheiro público para investimentos especulativos, os governos locais deixavam de priorizar sua aplicação em habitação, conservação e serviços públicos, o que fez com que o Tesouro do Reino Unido proibisse a prática.


Fotojornalismo

A picture and its story: Black man carries suspected far-right protester to safety –  Dylan Martinez – Reuters

 

Entre os trabalhos de fotojornalismo, o site destacou a foto de Dylan Martinez, da Reuters, mostrando um momento tocante de solidariedade no meio dos protestos antirraciais em Londres. Nela, o manifestante Patrick Hutchinson carrega para um lugar seguro um manifestante contrário do grupo de extrema-direita, ferido no caos.

O site destacou o depoimento de Dylan à própria Reuters sobre os detalhes de como conseguiu registrar esse momento memorável: “A multidão se abriu bem na minha frente”, lembrou ele. “Eu estava no lugar certo na hora certa, e com a sorte desse ponto de vista. Ele veio em minha direção, caminhando rapidamente.”

O jornal ressalta que a foto foi publicada nas primeiras páginas de vários jornais nacionais britânicos num momento tenso para o Reino Unido, já que os protestos  anti-racistas inspirados pelo movimento Black Lives Matter, em sua maioria pacíficos, transformaram-se em violentos confrontos com contramanifestantes em 13 de junho de 2020.

 


Aldo De Luca,  Conselheiro e colaborador do MediaTalks byJ&Cia, é jornalista brasileiro radicado em Londres. Formado em Jornalismo pela UFF (Universidade Federal Fluminense), foi repórter especial do jornal O Globo em 1987 e 1988. Fundou junto com Luciana Gurgel a agência Publicom, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group).  Além de jornalista,  é Engenheiro pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Integra a  FPA (UK Foreign Press Association). 

 

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