Novos usuários do TikTok visualizam fake news sobre a guerra na Ucrânia já nos primeiros minutos dentro da plataforma, revelou um novo estudo publicado pelo grupo de fact-checking NewsGuard, sediado nos EUA.
Seis pesquisadores do grupo na Suíça, Alemanha, Itália, Reino Unido e Estados Unidos realizaram um experimento acessando a aba “For You” da rede social chinesa, onde são segmentados vídeos recomendados para o usuário.
Ao assistirem a todos os vídeos relacionados à invasão russa na íntegra, eles concluíram que a falta de rótulos e moderação no TikTok favorecem a disseminação de notícias falsas sobre a guerra, já que conteúdos verdadeiros e falsos são mostrados em sequência sem distinção entre eles.
TikTok não distingue informações verdadeiras e falsas sobre a guerra
O conflito entre Rússia e Ucrânia já dura um mês, mas a guerra da desinformação foi semeada pelo governo de Vladimir Putin muito antes.
Levantamento anterior do NewsGuard identificou 116 domínios da web pró-Kremlin, incluindo fontes da mídia estatal russa, como RT, Sputnik e Tass, que espalham deliberadamente fake news sobre a Ucrânia.
Na semana passada, a Reuters encerrou a parceria com a Tass e parou de distribuir o conteúdo para os usuários assinantes do Reuters Connect justamente por causa das suspeitas de informações falsas propagadas pela agência russa.
Para o novo relatório, o NewsGuard reuniu uma equipe de seis pesquisadores, que criaram novas contas no TikTok para simular o uso do app por usuários comuns.
Eles navegaram pela aba “For You” da plataforma por 45 minutos, sem seguir nenhuma conta ou realizar nenhuma pesquisa, mas assistindo na íntegra a todos os vídeos sobre a guerra na Ucrânia.
Em 40 minutos de acesso, todos visualizaram conteúdo falso ou enganoso sobre a invasão russa ao território vizinho, tanto pró-Rússia como pró-Ucrânia.
Um pesquisador de língua francesa recebeu um vídeo de um discurso de Vladimir Putin 29 minutos depois de se tornar usuário do TikTok alegando que “os neonazistas de hoje tomaram o poder na Ucrânia” e que a responsabilidade por qualquer derramamento de sangue no país cabe aos que estão no poder na Ucrânia.
Em 36 minutos, o mesmo pesquisador recebeu um vídeo, publicado em 5 de março, de um homem alegando que “todas as imagens desta pseudoguerra são falsas”.
A postagem afirmava: “não há imagens saindo da Ucrânia, nem mesmo os soldados russos Spetsnaz não podem ter smartphones para filmar nada – então todas as imagens que você viu na mídia são falsas.”
Em 14 de março de 2022, nove dias após a publicação, o vídeo havia sido visto 153.000 vezes.
Um dos exemplos que atingiu milhões de visualizações são vídeos que mostram o chamado “Fantasma de Kiev”, que teria derrubado sozinho seis aviões russos no início da invasão.
Essa informação já foi classificada como falsa por agências de fact-checking, que identificaram as imagens como sendo do videogame “Digital Combat Simulator (DCS) World”.
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Dentre as fake news que passaram pelo feed dos pesquisadores, o algoritmo do TikTok também exibiu conteúdo que já foi identificado anteriormente como propaganda do Kremlin pelo NewsGuard.
“No final do experimento de 45 minutos, os feeds dos pesquisadores exibiram quase exclusivamente conteúdos verdadeiros e falsos relacionados à guerra na Ucrânia – sem distinção entre desinformação e fontes confiáveis.”
A organização destaca que a falta de informação sobre a confiabilidade da fonte, avisos e verificações de fatos que pudessem capacitar os usuários a identificar informações verdadeiras e falsas torna o TikTok um terreno fértil para disseminação de fake news sobre a guerra.
Pesquisa sobre guerra no TikTok mistura fake news com veículos confiáveis
Em um segundo experimento, pesquisadores do NewsGuard procuraram por termos genéricos que os usuários do TikTok que procurassem informações sobre a guerra pudessem usar: Ucrânia, Rússia, Guerra, Kiev e Donbas.
A função de pesquisa da plataforma sugeriu vídeos que continham declarações falsas ou enganosas nos 20 principais resultados quando pelo menos um desses termos foi pesquisado.
A busca por “Donbas”, por exemplo, resultou em um vídeo que alegava falsamente que os neonazistas estão “em toda parte” na Ucrânia e que “o governo ucraniano usa as milícias neonazistas para manter o controle da Ucrânia”. O vídeo foi o quinto resultado sugerido.
Além da desinformação nos resultados de pesquisa, o TikTok também sugeriu fontes confiáveis, incluindo os perfis dos jornais britânicos Sky News e The Telegraph.
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Para o NewsGuard, misturar resultados idôneos com falsos é péssimo para os usuários do TikTok — em sua maioria, jovens e adolescentes:
“Embora fontes confiáveis tendam a ser ‘verificadas’ no TikTok com um visto azul, seu conteúdo ainda aparece ao lado de outros que carregam reivindicações de propaganda do Kremlin nos resultados de pesquisa, sem outra distinção feita entre os dois.
O TikTok não inclui informações sobre a confiabilidade das fontes de notícias em sua plataforma.”
Ao jornal EuroNews, o TikTok enviou nota comentando o estudo do NewsGuard e disse que o experimento “não imitou o comportamento de visualização padrão”.
“Embora este experimento não imite o comportamento de visualização padrão, continuamos a responder à guerra na Ucrânia com recursos de segurança e proteção aprimorados enquanto trabalhamos para remover informações erradas e ajudar a proteger uma experiência segura no TikTok”.
Eles acrescentaram que a empresa faz parceria com organizações independentes de verificação de fatos para garantir que a plataforma permaneça um “lugar seguro e autêntico”.
TikTok ganhou ainda mais relevância na guerra
O TikTok teve um aumento meteórico de popularidade desde seu lançamento, em 2017. No final de 2021, o aplicativo celebrou a conquista de 1 bilhão de usuários ativos mensais – acima dos 85 milhões no início de 2018 – tornando-se o primeiro aplicativo sem ser da Meta/Facebook a alcançar essa marca.
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Na guerra da Rússia com a Ucrânia, o TikTok ganhou relevância, com influenciadores divulgando notícias sobre a guerra para milhões de seguidores.
A Casa Branca chegou a fazer um briefing, semelhante às coletivas de imprensa, para informar tiktokers sobre o lado dos EUA no conflito. A ideia foi ironizada em programas de humor, mas mostra o poder da plataforma.
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De acordo com a empresa de pesquisas Statista, um quarto dos usuários do aplicativo nos EUA em 2021 tinha entre 10 e 19 anos, apesar da alegação do TikTok de que limita o uso de seu aplicativo a crianças com mais de 13 anos.
Citando a Bloomberg, a NewsGuard informou que aproximadamente 30% dos usuários franceses do TikTok têm menos de 18 anos, assim como um terço dos usuários italianos e quase um quarto dos usuários alemães.
Apesar de ser de propriedade e operado pela ByteDance, um conglomerado de internet chinês parcialmente de propriedade do governo chinês, o TikTok não está disponível na China.
Em vez disso, os usuários chineses podem acessar o Douyin, um serviço quase idêntico que proíbe conteúdo “politicamente sensível”, de acordo com o Citizen Lab da Universidade de Toronto.
Segundo a NewsGuard, O TikTok também foi acusado de censurar conteúdo que não se alinha com os pontos de vista do governo chinês. Em 2019, documentos internos vazados do TikTok mostraram que a plataforma censurou conteúdo relacionado à Praça Tiananmen, independência tibetana e outras questões sensíveis, disse a organização.
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Além da conexão do TikTok com a China, o Centro de Rastreamento de Desinformação Rússia-Ucrânia da NewsGuard descobriu que os sites de notícias apoiados pelo estado chinês relataram acriticamente a alegação do Kremlin de que os Estados Unidos financiaram laboratórios de armas biológicas na Ucrânia.
“Com o alinhamento ambíguo do governo chinês com a Rússia em relação à invasão da Ucrânia e certos sites apoiados pelo estado chinês repetindo acriticamente a propaganda do Kremlin, ainda não está claro se a propriedade da plataforma pelos chineses afetará as decisões de conteúdo Rússia-Ucrânia tomadas pelo TikTok nas próximas semanas e meses”, diz a NewsGuard.
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