Há dois anos, a ciência deixou de ser pauta secundária e passou a ocupar manchetes e abertura de telejornais, mas o protagonismo do coronavírus na mídia não levou as mulheres cientistas junto.
Diversas pesquisas constataram a sub-representação feminina na cobertura da covid-19.
Uma das maiores evidências foi apresentada em uma investigação comissionada pela Fundação Gates em 2020 examinou o noticiário online sobre o coronavírus no Reino Unido, nos Estados Unidos, na Nigéria, na África do Sul e na Índia durante 45 dias.
Mulher cientista é menosprezada pela mídia, revelam estudos
A pesquisa constatou que as mulheres representavam meros 19% do total de especialistas citados nos textos. Quando as matérias tinham fontes femininas, elas traziam também entre três e cinco homens entrevistados, mas nem sempre em igualdade de condições.
Mulheres foram retratadas mais como vítimas ou como personagens dando opiniões, e menos como autoridades de saúde pública ou especialistas médicas.
Na mídia, mulheres cientistas são vistas como ‘tendenciosas e dramáticas’
O desequilíbrio de fontes na cobertura de ciência pode ser atribuído à mídia, que dá preferência a fontes masculinas, ou às próprias cientistas, que podem estar evitando riscos.
É o que sugere o estudo “O papel do gênero nas percepções de pares sobre declarações na mídia de cientistas do clima”, publicado em julho de 2021 no Sage Journals.
Os pesquisadores britânicos Lauren Armstrong e George Adamson investigaram como cientistas reagiam a declarações na mídia atribuídas a colegas homens ou mulheres. E descobriram que os participantes do sexo masculino associaram opiniões de cientistas do sexo feminino na mídia como mais tendenciosas e dramáticas.
Segundo os autores, isso pode levar mulheres cientistas a evitarem entrevistas, temendo que suas ideias sejam percebidas como não alinhadas à ciência.
O problema é global. O pesquisador Ivan Nathanael Lukanda, da Makerere University, investigou a marginalização e sub-representação das mulheres como autoras e fontes de matérias científicas na mídia em países em desenvolvimento.
Com base em análises de 317 reportagens publicadas em dois jornais de Uganda, ele observou que as chances de mulheres serem publicadas como autoras e citadas como fontes aumentam se estiverem colaborando com um homem.
Ao que parece, a natureza da ciência, a lógica midiática e os fatores socioculturais marginalizam as mulheres no noticiário e na esfera pública”, escreveu.
“Embora o aumento de jornalistas do sexo feminino pareça ser uma solução para aumentar as vozes das mulheres na imprensa, é imperativo sensibilizar os jornalistas sobre o desafio da marginalização. A situação atual sugere que matérias ouvindo homens e mulheres como fontes são percebidas como mais importantes do que aquelas em que mulheres são as únicas fontes”, ele conclui.
Nunca, nunca!, protestou a cientista durante entrevista na TV
A tendência de homens cientistas não tratarem com o mesmo respeito a opinião de uma colega mulher, revelada na pesquisa dos autores britânicos, foi comprovada em rede nacional no Canadá em 2020, durante uma entrevista na CBC News que desencadeou um intenso debate nas redes sociais.
A médica Nili Kaplan-Myrth reagiu energicamente quando um colega disse que ela estava falando alto. Chamou-o de sexista e prosseguiu defendendo seu ponto de vista.
Mais tarde, ela postou sua revolta:
“NUNCA diga a uma mulher (profissional ou não) que ela não pode falar com autoridade. NUNCA diga que não somos preparadas o suficiente, especialistas o suficiente ou boas o suficiente. Temos a mesma autoridade para falar”.