Londres – Na segunda semana da COP27, 30 veículos de imprensa de 23 países − nenhum do Brasil − publicaram um editorial conjunto que tem a justiça climática como alvo.

O texto, que saiu em 15 de novembro, diz que “em vez de abandonar os combustíveis fósseis e adotar energia limpa, nações ricas estão reinvestindo em petróleo e gás, falhando na promessa de reduzir as emissões com rapidez suficiente e regateando a ajuda que estão capacitadas a enviar aos países pobres”.

Desde os primeiros dias da cúpula da ONU no Egito − que será tema de uma edição especial do MediaTalks − o debate sobre quem paga a conta toma conta das conversas, mas no último dia da conferência um consenso nesse sentido parece cada vez mais longe de ser alcançado. 

O presidente eleito, Lula, ganhou as manchetes mundiais ao defender a necessidade de os países ricos financiarem os mais pobres, que menos emitem CO2 e mais sofrem com suas consequências. 

Alguns governos fingem que não é com eles. É o caso do Reino Unido. O primeiro-ministro Rishi Sunak chegou a anunciar que não iria ao Egito. Mas mudou de ideia depois que seu antecessor, Boris Johnson, resolveu aparecer lá.

Os dois viraram inimigos depois que Sunak se desgarrou do antigo chefe. Mas em uma coisa parecem concordar: o país não quer colocar a mão no bolso.

Em um discurso-relâmpago na semana passada na COP27, parecendo querer livrar-se da batata quente do clima, Sunak usou uma retórica que ilustra a distância entre teoria e prática. Ele disse que é “moralmente certo” que a Grã-Bretanha honre seus compromissos. Mas não falou em dinheiro.

Antes, em um encontro não-oficial, Johnson foi mais direto e adotou o estilo “devo-não-nego-mas-pago-quando-puder”.

Ele admitiu que o país havia despejado “uma quantidade terrível de carbono na atmosfera”, mas afirmou:

“O que não podemos fazer é compensar isso com algum tipo de reparação. Nós simplesmente não temos os recursos financeiros – e nenhum país pode”.

O desafio da justiça climática na COP27

Várias nações estão sendo cobradas a rever posição sobre o lost and damage (perdas e danos). E isso pode não acabar quando as cortinas se fecharem em Sharm El-Sheikh.

O editorial dos 30 jornais é um sinal de que uma parte da mídia internacional não deve deixar o assunto esfriar, mantendo a crise do clima como risco de prejuízos à imagem de governos e empresas que não atenderem às expectativas da sociedade, dos cientistas e dos ativistas.

The Guardian, talvez o jornal internacional que mais espaço dedica ao clima − é um dos fundadores da coalizão Covering Climate Now, da qual o MediaTalks faz parte −, deu metade de sua capa ao editorial e incorporou-o à testeira, diagramação carregada de simbolismo.

É mais do que uma matéria. É “o” jornal que tem um compromisso com a cobertura climática publicado e atualizado regularmente. E contabiliza mais de quatro mil matérias sobre o clima, lidas por 65 milhões de pessoas em 2021.

Capa The Guardian COP27 mudança climática editorial

Em uma reportagem sobre a iniciativa, Katharine Viner, editora-chefe do Guardian, que liderou o movimento, disse que o editorial “é uma demonstração poderosa de como as organizações de notícias de todo o mundo podem se unir para colaborar no interesse público”.

O texto diz que os 30 que publicaram o manifesto têm uma visão comum sobre o que precisa ser feito, criticando nações que pouco agiram para mitigar os efeitos das mudanças associadas a catástrofes ambientais registradas este ano. E aponta que essas mesmas nações seguem investindo em combustíveis fósseis, tendência chamada de “nova corrida do ouro”.

Os editorial cobra os investimentos de US$ 100 bilhões por ano por parte das nações mais ricas e um imposto sobre os lucros combinados das maiores empresas de petróleo e gás.

Uma COP estranha, mas no radar da mídia

A COP27 começou meio esquisita, com pressões sobre o Egito pelas violações aos direitos humanos e restrições a manifestações de rua, algo que não combina com o desejo de justiça climática. Muitos líderes globais não foram, nem Greta Thunberg, o que parecia ser um sinal de esvaziamento.

É fato que nem todos os países estão vendo a mídia local cobrir a COP27 com destaque.

Um exemplo são os EUA. Na terça-feira em que o editorial foi publicado, nenhum dos jornais mais influentes − Washington Post, New York Times, Los Angeles Times, Chicago Tribune − trouxe chamadas de capa sobre a conferência da ONU, nem um rodapé.

Dos grandes jornais do país, apenas o Miami Herald republicou o editorial. Junto com eles a revista The Nation, também uma das fundadoras da Covering Climate Now, e a Rolling Stone.

Em outros países, no entanto, os debates da conferência estão sendo acompanhados atentamente, incluindo no Brasil. A presença da ex-ministra Marina Silvia e do presidente eleito, Lula, foi destaque positivo na mídia internacional, contrastando com as críticas ao Brasil durante a COP26. 

Em entrevista para o Especial COP27 do MediaTalks,  as pesquisadoras Sanae Okamoto, líder da Iniciativa de Resistência Climática da Universidade das Nações Unidas, e Nidhi Nagabhatla, da mesma universidade, observaram que o trabalho da mídia como formadora de opinião sobre a crise climática é uma obrigação social e moral.

E recomendaram cautela com o tratamento do tema: “É necessário certificar-se de que os fatos relativos à mudança climática sejam reportados com clareza, destacando a realidade, os riscos e também as soluções para mitigar seus impactos”.