Cláudia Wallin correspondente Suécia
Cláudia Wallin

Desde que despontou na arena global como um tsunami em prol da preservação do planeta, a ativista sueca Greta Thunberg tem sido retratada, tanto na mídia tradicional como nas redes sociais, como “uma garota histérica, esquisita e transtornada” – uma espécie de ‘Greta, a Louca’.

“O bullying por parte de homens de meia-idade atingiu um limite nefasto”, assinalou Camilla Nelson, professora de Mídia na Universidade de Notre Dame, em artigo publicado no site acadêmico The Conversation. 

Na Austrália, Andrew Bolt, colunista do Herald Sun, definiu a sueca como “bizarramente influente, com muitos distúrbios mentais”. Chris Kenny, comentarista da britânica Sky News, descreveu  a ativista como uma “adolescente histérica que precisa de  tratamento”.

Comentaristas masculinos rotulam Greta 

Em várias outras partes do mundo, segundo observa Camilla Nelson, comentaristas masculinos usam termos pejorativos para caracterizar Greta como mentalmente desequilibrada. 

Um deles chegou a dizer que ela precisava de “umas palmadas” e de uma “intervenção psicológica”; outro comparou seu ativismo ambiental a uma espécie de “bruxaria medieval”.  

Acusações de histeria, distúrbios mentais e incapacidade de raciocinar são, conforme aponta Camilla, estereótipos tradicionalmente usados para silenciar a voz das mulheres e afetar sua credibilidade.

Por que Greta incomoda?

Para Camilla Nelson, o discurso do negacionismo climático, contrário às ideias de Greta, está associado a uma forma de identidade masculina fundamentada no capitalismo industrial moderno – mais especificamente, na ideia da conquista da natureza pelo homem, em um mundo feito para os homens:

“Ao atacar o capitalismo industrial e suas normas políticas, Greta se insurge não apenas contra as crenças básicas e a visão de mundo de certo tipo de homens, como também sua autoestima. O ódio é uma reação instintiva e automática”.

Ela não tentou ser boazinha quando confrontou líderes mundiais na ONU. E não tentou fazer ninguém se sentir confortável, destaca a professora.

O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, escreveu no Twitter: “Ela parece ser uma menina muito feliz, que anseia por um futuro brilhante e maravilhoso. É tão bom de se ver!”

“A referência à felicidade  tem a ver com conformidade, e com a  expectativa de que mulheres e crianças sejam dóceis e complacentes. Mas na realidade, Greta está deixando o sentimentalismo de lado”, diz Camilla. 

“O que determinados tipos de homens se recusam a admitir é que exigir ação para fazer frente às mudanças climáticas é totalmente racional”, acrescenta ela.

Em 2019, Greta revelou que aos 12 anos fora diagnosticada como portadora de um tipo de autismo brando. 

“Eu tenho Síndrome de Asperger, e isso significa que às vezes sou um pouco diferente da norma. E, dadas certas circunstâncias, ser diferente é um superpoder”, escreveu a jovem no Twitter.

Mídia confunde condição de Greta com doença mental 

No entanto, segundo Meg Vertigan, conselheira da Universidade de Newcastle, na Austrália, políticos e comentaristas da mídia parecem ter confundido a condição de Greta com doença mental.

“A caracterização como ‘doente mental’ é usada para rotular e potencialmente estigmatizar mulheres ‘difíceis’, às quais se recomenda repouso, medicação ou encarceramento”, destaca a professora.

São flagrantes os exemplos.

“Nunca vi uma garota tão nova e com tantos distúrbios mentais ser tratada por tantos adultos como um guru”, disse o comentarista Andrew Bolt, da Sky News. 

Após o célebre discurso de Greta Thunberg na ONU em 2019, o então primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, insinuou que os temores relacionados às mudanças climáticas eram um tipo de patologia. 

Segundo ele, o debate climático exporia as crianças a uma “ansiedade desnecessária”, e é preciso “deixar as crianças serem crianças”.

“Ao chamar Greta Thunberg de ansiosa, os homens estão ‘patologizando’ a preocupação com o meio ambiente, e desprezando seus temores como sendo infundados e consequência apenas de supostos distúrbios mentais”, observa Vertigan.

“Em seu discurso, Morrisson deu a entender que a ansiedade de Greta é de certa forma contagiosa. Isto é ofensivo tanto em relação  a quem sofre de distúrbios de ansiedade quanto às mulheres engajadas e vocais”, diz  a professora.


Este artigo faz parte do Especial MediaTalks sobre representação de gênero na mídia