Londres – Do início errático de Elon Musk como dono do Twitter até a decisão da Meta de demitir mais de 11 mil funcionários e à queda no valor das ações de tecnologia, o setor de mídia social está novamente em turbulência.

Embora as ondas de choque tenham atraído atenção, falamos menos de suas repercussões sobre as mulheres, principalmente o assédio online.

As empresas de tecnologia estão falhando dos dois lados da tela: com as funcionárias e com as usuárias.

Assédio às mulheres usuárias

É por isso que movimentos para regulamentar as empresas de mídia social devem incluir proteções específicas para as mulheres.

Do lado de cá da tela, o assédio online geralmente tem como alvo as usuárias. Um dos primeiros atos de Musk no Twitter foi introduzir a verificação para reduzir contas falsas, citadas entre as principais causas de violência nas redes. Mas o processo inicial de autenticação (retirado após protestos) simplesmente dependia de perfis “certificados” que pagavam uma taxa.

A mudança parecia mais uma forma de aumentar receitas do que estratégia de segurança online. Para piorar, Musk restaurou as contas de figuras anteriormente banidas por discurso misógino.

Essas decisões indicam tendências amplas na indústria de mídia social, com consequências para as mulheres.

Plataformas como Twitter, Facebook, YouTube e TikTok têm respondido à pressão adotando diretrizes mais rígidas contra o discurso de ódio baseado em gênero.

Essas mudanças, no entanto, foram alcançadas principalmente por meio de autorregulação e parcerias voluntárias com o setor público. Isso deixa as empresas livres para reverter decisões anteriores, como Musk fez.

Além disso, censurar personalidades e verificar contas não aborda as causas da violência nas redes. O design das plataformas e os modelos de negócios têm papel mais central na raiz do problema.

As plataformas querem nos manter online para produzir dados lucrativos e assegurar público para anúncios, usando algoritmos que criam uma câmara de eco e nos fazem ver conteúdo semelhante ao que atraiu nossos cliques.

Mas pesquisas mostram que isso também facilita a circulação de mensagens “divisivas” e favorecem o sexismo online.

Assédio a mulheres que trabalham nas plataformas

Do outro lado da tela, as empresas por trás das plataformas também falham com as profissionais que as constroem e gerenciam.

O tratamento dos funcionários deve ser examinado através de lentes de gênero, sobretudo quando se trata de demissões em massa e outras estratégias de corte de custos.

Uma categoria em risco é a dos moderadores. Eles estão expostos a discurso misógino, imagens de violência sexual e pornografia não consensual. Muitas funcionárias desenvolvem problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e síndrome de estresse pós-traumático.

As empresas de mídia social e seus subcontratados internacionais fazem escolhas que infringem os direitos dos funcionários. Uma delas foi colocar câmeras com inteligência artificial nas casas dos que trabalham remotamente. É uma intrusão brutal para as mulheres, já submetidas a problemas de assédio ou segurança em espaços públicos.

O assédio online e o tratamento dos profissionais preocupam pessoas de todos os gêneros. As mulheres, no entanto pagam um preço único pela violência nas redes.

Uma pesquisa recente da The Economist mostra que o medo de agressões levou nove em cada dez vítimas do sexo feminino pesquisadas a alterar seus hábitos digitais – 7% pediram demissão.

Caminhos para a melhoria

Embora mulheres profissionais e usuárias se deparem com problemas como resultado das políticas das empresas de mídia social – ou da falta delas –, intervenções destinadas a melhorar sua segurança e bem-estar podem ajudar.

Entre as reformas que sugiro estão medidas para tornar as plataformas mais responsáveis, como a futura Lei de Segurança Online do Reino Unido, que vai permitir aos reguladores multar ou processar empresas que não removam conteúdo nocivo.

É importante, porém, que essas políticas identifiquem as mulheres como uma categoria protegida.

Compromissos de transparência dos algoritmos das plataformas e regulamentação dos modelos de negócios de coleta de dados também podem ajudar, mas ainda não estão – ou pelo menos não totalmente – integrados à maioria das legislações nacionais e internacionais.

E como os profissionais devem ser protegidos tanto quanto os usuários de tecnologia, é vital que eles possam se organizar por meio de sindicatos, além de se empreender um esforço para garantir que os empregadores cumpram seu dever de cuidar da força de trabalho.

Há soluções: é hora de os gigantes da mídia social implementarem estratégias para proteger as mulheres em ambos os lados da tela.


Este artigo faz parte da edição especial sobre representação de gênero na mídia