Após um ano preso, o jornalista e editor-chefe do elPeriódico, José Rubén Zamora, foi condenado a seis anos de cadeia pela Justiça da Guatemala por crimes fiscais. 

A decisão, emitida nesta quarta-feira (14), foi recebida com críticas e protestos de diversas entidades de defesa da liberdade de imprensa, que consideram a sentença um esforço do governo local em “criminalizar o jornalismo”.

O episódio é mais uma capítulo na longa perseguição do presidente Alejandro Giammatei ao jornalista e ao elPeriódico, veículo de imprensa notório tanto pelo jornalismo investigativo quanto pela oposição ao governo, que acabou obrigado a encerrar as operações

Editor foi condenado por ‘lavagem de dinheiro’

Zamora foi preso em 29 de julho de 2022 como parte da repressão liderada pela Procuradoria Especial Contra a Impunidade (FECI), órgão anticrime do país que perseguiu opositores em todos os níveis da sociedade local.

Em pré-detenção desde então, o jornalista respondia por lavagem de dinheiro, chantagem e tráfico de influência. Ele foi absolvido pela Corte das duas últimas acusações. 

O assédio judicial tornou-se o instrumento preferido de indivíduos e governos autoritários para intimidar jornalistas e silenciar críticos, levando em alguns casos, como o do el Periódico, à extinção do próprio veículo. 

Nos termos finais do tribunal da Guatemala, o editor foi condenado a de seis anos de prisão e pagamento de uma multa de 300 mil quetzales (aproximadamente R$ 184 mil). 

Em coletiva de imprensa após a audiência, Zamora, de 66 anos, estava sorrindo e parecendo calmo, chamando o caso de “perseguição política” de Giammatei e seus aliados, segundo a Reuters:

“Sinto-me feliz porque no final (a sentença) foi arbitrária. Ainda sou inocente e ele ainda é um ladrão. Ninguém na história vai tirar isso dele.”

José Carlos Zamora, filho do acusado, declarou ao Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) que a defesa irá recorrer da decisão. O processo deve ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Dois dias antes do veredito, o editor recebeu novas acusações da FECI por “falso testemunho” ao utilizar documentos falsos.

Entidades chamam prisão de ‘perseguição política’

Grupos de direitos humanos classificaram a prisão e a sentença um ataque declarado à imprensa e exigiram que autoridades da Guatemala revertessem a condenação do editor.

Carlos Martinez de la Serna, do CPJ, chamou a acusação e o encarceramento de Zamora como “vergonhosos” e um atestado da erosão da liberdade de expressão no país.

“Oficiais guatemaltecos devem acabar com essa fantochada absurda de processos criminais contra ele.

Já é hora de José Rubén Zamora ser libertado, pois seu único “crime” foi o exercício destemido de sua profissão.”

A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) publicou uma nota chamando a acusação de lavagem de dinheiro de “outro ataque inaceitável do estado da Guatemala ao trabalho jornalístico do elPeriódico”:

Carlos Jornet, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), chamou o processo de “ato de intimidação”.

“O governo deve parar com esse abuso legal e judicial, usado como instrumento contra veículos e jornalistas para amedrontar e desencorajar investigações jornalísticas e gerar censura interna.”

Além de Zamora, o governo da Guatemala abriu processos contra outros oito integrantes do elPeriódico — movimento que o SIP chama de “caça às bruxas”.

 

Presidente da Guatemala perseguiu elPeriódico após ser acusado por corrupção

Antes de ser preso, o editor liderava elPeriódico, jornal independente fundado em 1996, após 36 anos de guerra civil na Guatemala.

O veículo sempre foi conhecido e respeitado pelo seu forte teor investigativo, desvendando décadas de corrupção e abusos de direitos humanos pelos militares e pelo governo.

Em 1995, Zamora recebeu da CPJ o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa, em reconhecimento ao combate à censura na Guatemala. Em 2000, o Instituto Internacional de Imprensa o nomeou como um dos 50 heróis mundiais da liberdade de imprensa.

Apesar de um longo histórico de perseguições, foi em 2021 que a situação se agravou. Zamora denunciou que Giammattei e a procuradora-geral do Ministério Público (MP), Consuelo Porras, estavam “fabricando” um processo contra ele. 

Desde então, o veículo foi alvo de assédio judicial: em maio de 2022, uma ordem deu censura prévia à reportagens sobre nepotismo envolvendo Dina Dina Bosch Ochoa, filha da presidente da Corte Constitucional (equivalente ao Superior Tribunal Federal) do país, Dina Ochoa.

O argumento foi “violência contra a mulher”. 

A prisão de Zamora e a perseguição judicial foram afetando as atividades do elPeriódico, que, em dezembro de 2022, suspendeu a impressão de exemplares e, em 17 de maio, fechou as portas.

No texto de despedida, o fundador do jornal destacou o legado de mais de 200 investigações jornalísticas rigorosas e bem documentadas durante o regime do presidente Giammattei, mostrando “o nível exponencial que a corrupção atingiu nas instituições do Estado da Guatemala”.

Zamora chegou a fazer uma greve de fome logo após ser preso e teve todos os pedidos de liberdade condicional negados pela justiça da Guatemala. 

Atualmente, o país ocupa o 127º lugar no Global Press Freedom Index, ranking da RSF para liberdade de imprensa entre 180 nações. 

Na análise, o caso de José Rubén Zamora e as perseguições sofridas pelo elPeriódico por denunciar corrupção governamental são citados como causa para a posição: 

A Guatemala vive uma crise sociopolítica há mais de cinco anos, o que resultou em um aumento de ataques a jornalistas críticos das autoridades e teve um efeito amordaçante na mídia. 

“Jornalistas que investigam corrupção, violações de direitos humanos ou práticas ilegais do setor privado foram submetidos a campanhas de difamação nas redes sociais, vigilância do Estado, assédio policial e criminalização – tudo isso com a aquiescência do Ministério Público e do Supremo Tribunal de Justiça”, afirma a organização.