Londres – O recuo do fundador do grupo de mercenários Wagner, Yevgeny Prigozhin, que mandou as tropas darem meia-volta a apenas 200 quilômetros de Moscou, não foi interpretado como uma vitória de Vladimir Putin: o motim afetou severamente sua imagem de líder poderoso e com pleno domínio dos acontecimentos na Rússia. 

A ousadia do ex-“chef” do presidente da Rússia foi coberta pela imprensa internacional como um sinal do enfraquecimento do líder que comanda o país há 23 anos, dando visibilidade a críticas quanto a seu isolamento ou sobre decisões erradas tomadas na guerra. 

A falta de notícias confiáveis sobre o que de fato aconteceu torna Vladimir Putin ainda mais vulnerável a boatos. Apesar de um discurso duro contra os mercenários, sem citar o nome de Prigozhin, prometendo punição aos ‘traidores’ que ‘esfaquearam’ a pátria, o desfecho foi brando, com o chefe do Wagner indo para a Bielorrússia e as ameaças de punição retiradas. 

Visões da mídia europeia sobre o desafio a Putin

O resultado está nas primeiras páginas dos jornais deste domingo, com manchetes desfavoráveis a Putin. 

No Reino Unido, o The Sunday Times foi direto: “Putin humilhado pelo motim”. O The Observer, versão dominical do The Guardian, diz: “Motim do Grupo Wagner deixa Putin em seu ponto mais baixo”. Uma análise do jornalista Luke Harding, escrevendo de Kiev, diz que Putin nunca esteve tão enfraquecido em décadas.

O Mail On Sunday indaga se Putin teria subornado Yevgeny Prigozhin para que ele saísse da Rússia e desistisse da rebelião. O Sunday Telegraph também fala de um acordo. O Sunday Express, o Daily Mirror e o The Sun viriam a Rússia e Putin levados às cordas.

No melhor estilo dos tabloides, o Daily Star não dispensou um bom trocadilho para alardear que os rebeldes estavam colocando a bota em Moscou, brincando com a semelhança da forma verbal “puting” e o nome do líder soviético.

Na Alemanha, o jornal Bild destaca “Levante contra Putin” ao lado de imagens dos combatentes de Wagner. Die Welt e Der Spiegel destacam a “luta pelo poder” na Rússia, reforçando a percepção de fraqueza de Vladimir Putin.  

As edições dominicais do Die Welt e do Der Taegespiegel classificam o episódio como a luta dramática pelo poder na Rússia.

O francês Le Monde abre sua primeira página com a imagem de Yevgeny Prigozhin. Em um editorial, o jornal diz: “Rússia de Putin colocada a nu”. O Le Parisien foi sucinto: “A confusão”. 

Na Itália, o La Repubblica destaca a tentativa de golpe, enquanto o La Stampa vai mais além e fala em “Revolução Russa”. A manchete do Corriere della Sera ressalta o desafio a Putin, enquanto Il Fato Quotidiano exagera com “A Marcha sobre Moscou”.

O Il Mattino resume tudo como “o dia do caos”. E o Il Tempo esbanja criatividade com o título “Roleta Russa”, fazendo alusão à instabilidade e ao risco de guerra civil da Rússia.

Em Portugal, o Diário de Notícias abriu manchete para “o dia em que o Grupo Wagner fez tremer Putin”. Na Espanha, o El País ressalta que a rebelião exibe a debilidade de Putin.

O espanhol La Vanguardia explora a imagem do boxe adotada por alguns jornais britânicos e destaca que a rebelião colocou Putin contra as cordas.

Em Israel, o Haaretz, de Tel Aviv, destaca que graças ao grupo Wagner, a guerra de Putin na Ucrânia chegou em casa. O Jerusalem Post limitou-se a um título objetivo, informando que os rebeldes russos deram meia-volta a 200 km de Moscou.

O motim contra Putin nos EUA 

O New York Times abordou o significado do motim para o futuro de Vladimir Putin no poder e a possibilidade de vantagem para a Ucrânia na guerra, a partir do enfraquecimento do líder russo.

Mas observou um ângulo preocupante do episódio: o risco de um presidente sob ameaça dono de um arsenal nuclear.

O Washington Post considera as últimas 24 horas como a mais grave ameaça à presidência de Putin “que até agora prosperou na capacidade de Putin de dividir e governar colocando grupos rivais uns contra os outros e servindo como o árbitro final entre as elites rivais”. E criticou a capacidade de julgamento do líder russo, que não percebeu o risco que o ex-aliado Prigozhin representava. 

O Wall Street Journal não tem uma versão impressa aos domingos, mas no site opinou que a guerra da Ucrânia “saiu pela culatra” para Putin.

Além de registrar os fatos, muitos veículos reproduziram opiniões de especialistas em Rússia, que invariavelmente seguiram a linha de enfraquecimento de Putin.

Nos EUA, a rede de notícias pública NPR fez um artigo com opiniões desfavoráveis ao presidente. 

  • O ex-embaixador dos EUA na Rússia, Michael McFaul, diz que “não há dúvida” de que o motim de Prigozhin enfraquece Putin e “levanta dúvidas sobre sua capacidade de continuar a governar a Rússia de maneira eficaz”.
  • Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center, diz que, apesar do aparente fim do motim, o líder russo sem dúvida ficará enfraquecido pelo forte desafio à sua autoridade.
  • Samuel Charap, cientista político sênior da Rand Corp, adverte que, no momento, pouco se sabe, mas “uma coisa que sabemos com certeza é que a autoridade de Putin está irreparavelmente danificada”.

Na China, o motim na Rússia foi o assunto principal deste sábado no buscador Baidu e na Weibo, segundo o site What’s On Weibo, que analisa o conteúdo da principal rede social. 

O tópico “Putin acusa Wagner Head [Prigozhin] de traição” recebeu  1,2 bilhão de visualizações na plataforma Weibo dentro apenas algumas horas. A análise aponta uma divisão entre os usuários que apoiam a Rússia os que a ridicularizaram.