Londres – Uma declaração do polêmico sultão Ahmed al Jaber, presidente da COP28, provocou reação indignada dos que discordaram desde o início de sua escolha para presidir a conferência de mudanças climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas), que está acontecendo em Dubai.
Neste domingo, o jornal britânico The Guardian revelou comentários feitos pelo líder da cúpula, que preside a companhia petrolífera estatal de Dubai, durante uma sessão de perguntas e respostas organizada pela ONG She Changes Climate dias antes da abertura do encontro
“Não há ciência, ou nenhum cenário, que diga que a eliminação gradual do combustível fóssil é o que vai atingir [a meta de limitar o aquecimento global] em 1,5ºC”, disse, em resposta a uma declaração da palestrante Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e voz respeitada nos debates sobre o clima.
O sultão foi além, sugerindo que os que defendem a tese – amplamente confirmada pela ciência – de que a redução no uso dos combustíveis fósseis é imperativa para evitar o aquecimento e catástrofes como secas, enchentes e elevação dos mares estariam querendo retornar à pré-história:
“Por favor, me ajude, mostre-me o roteiro para uma eliminação gradual dos combustíveis fósseis que ao mesmo tempo permita o desenvolvimento socioeconômico sustentável, a menos que você queira levar o mundo de volta às cavernas.”
No vídeo obtido pelo The Guardian, Mary Robinson afirmou que as nações precisavam se comprometer a eliminar gradualmente o uso de combustíveis fósseis, o que provocou a resposta do chefe da COP28.
Ele admitiu que “uma eliminação gradual dos combustíveis fósseis, é inevitável, é essencial”, mas pediu: “precisamos ser reais, sérios e pragmáticos sobre isso”.
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O polêmico sultão escolhido para liderar a COP28
O ‘Dr. Sultan’, como é conhecido, ocupa o cargo de CEO da Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi – um gigante produtor de combustíveis fósseis que planeia aumentar a sua produção para 5 milhões de barris de petróleo por dia até 2027.
Ele estudou na Grã-Bretanha e nos EUA, obtendo um bacharelado em Engenharia Química pela Universidade do Sul da Califórnia e um MBA pela Universidade Estadual da Califórnia, em Los Angeles, e passou a ter atuação ativa em fóruns internacionais debatendo soluções energéticas.
Mas ativistas e cientistas discordaram na nomeação, aceita pela ONU, com alguns comparando a decisão a “nomear o CEO de uma empresa de cigarros para supervisionar uma conferência sobre a cura do câncer”.
A Anistia Internacional acusou-o de ser responsável pela instituição de um programa rigoroso de censura aos meios de comunicação social quando era presidente do Conselho Nacional dos Meios de Comunicação Social (NMC) do emirado.
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As críticas à ONU por ter aceitado o nome do sultão al Jaber como presidente da conferência internacional foram tantas que dois dias antes da abertura da COP28 um falso comunicado foi enviado à imprensa informando que ele teria pedido desligamento do cargo.
A notícia fake foi logo desmentida, mas chegou a provocar comentários de alívio. O sultão tem sido alvo de notícias negativas, como a de que estaria usando a COP28 para fazer contatos comerciais.
As opiniões do chefe da conferência da ONU não estão em desacordo apenas com cientistas ou ONGs, mas com a própria organização que promove a conferência anual.
Em seu discurso na abertura da COP28, o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, cobrou dos líderes mundiais a interrupção total do uso de combustíveis fósseis, não apenas a redução.
“Não podemos salvar um planeta em chamas com uma mangueira de incêndio de combustíveis fósseis. O limite de 1,5 ºC só será possível se pararmos de queimar todos os combustíveis fósseis. Não basta reduzir. Não basta suavizar”.
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O que é o limite de 1,5ºC
A necessidade de limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC em comparação aos níveis da era pré-industrial foi estabelecida no Acordo de Paris, em 2015. Desde então os países deveriam se esforçar para o seu cumprimento, mas não é que vem acontecendo.
O relatório “10 novos insights sobre a ciência”, lançado durante a COP28, explica a necessidade de cortar os combustíveis fósseis, alvo do polêmico comentário do sultão al Jaber.
Ultrapassar os 1,5°C está se tornando inevitável.
Múltiplas linhas de evidência indicam que, devido à mitigação insuficiente dos gases com efeito de estufa (GEE), não existe qualquer caminho que evite o aquecimento global superior a 1,5°C durante pelo menos algumas décadas, exceto no caso de transformações verdadeiramente radicais. Minimizar a magnitude e a duração do período de ultrapassagem é fundamental para reduzir perdas e danos e o risco de alterações irreversíveis.
É necessária uma eliminação rápida e bem administrada dos combustíveis fósseis para permanecer dentro da meta do Acordo de Paris.
A rápida redução do orçamento de carbono significa que os governos e o sector privado devem parar de permitir novos projectos de combustíveis fósseis, acelerar a desativação antecipada das infra-estruturas existentes e aumentar rapidamente o ritmo de implantação de energias renováveis.
Os países de rendimento elevado devem liderar a transição e prestar apoio aos países de baixo rendimento. Todos os países devem prosseguir uma transição equitativa e justa, minimizando os impactos socioeconómicos nos segmentos mais vulneráveis da população.
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