Londres – Eventos meteorológicos extremos nem sempre são associados às mudanças climáticas pela imprensa, que na correria do fechamento acaba se concentrando nos efeitos e não nas causas- e assim deixando de lado a chamada “ciência da atribuição”.
Mas conectar causa e efeito não é tão simples quando uma grande catástrofe acontece e há necessidade de informar o público rapidamente.
Um guia criado pelo projeto World Weather Attribution (WWA) ajuda a compreender a ciência da atribuição e ensina como jornalistas ou pessoas que escrevem ou falem sobre clima pode podem aplicá-la em seu trabalho.
O que é a ciência da atribuição?
Em 2015, os pesquisadores Friederike Otto e Geert Jan van Oldenborgh (falecido em 2021) se uniram para criar o projeto World Weather Attribution (WWA), sediado no Imperial College, onde Otto leciona em Londres, com o objetivo de fomentar a chamada ciência da atribuição.
Segundo o WWA, o primeiro estudo de atribuição de eventos extremos foi publicado em 2004, analisando uma onda de calor no ano anterior na Europa responsável pela morte de 70 mil pessoas.
A metodologia atual consiste em três etapas:
- Simulação e comparação do clima atual e a era pré-industrial com base em diferentes modelos climáticos
- Observações de dados climáticos do presente e do passado para ver como a probabilidade de eventos similares mudou
- Simulação do clima desde uma data histórica – digamos 1900 – até os dias atuais, incorporando o efeito do aumento gradativo das emissões humanas
Segundo o WWA, o processo permite que os cientistas detectem tendências extremas, bem como calculem uma mudança geral nas probabilidades.
Dessa forma eles podem fazer declarações sobre eventos meteorológicos como: “Este evento foi duas vezes mais provável de ter ocorrido pela mudança climática causada pelo homem”, ou “Esta onda de calor foi 3ºC mais quente do que teria sido em um mundo sem aquecimento global”.
Pode-se também afirmar que um evento seria efetivamente impossível sem a mudança climática, quando ele não não tem precedente histórico e não ocorre em simulações que não levam em conta a mudança climática.
O WWA já realizou mais de 50 estudos de atribuição de eventos, entre eles ondas de calor, chuvas extremas, secas, inundações e incêndios florestais.
As análises são feitas durante ou logo após os eventos, buscando responder à pergunta capital: ‘qual foi o papel das alterações climáticas para que isso acontecesse?’
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Guia para jornalistas tem versão em português
Entre as iniciativas do projeto para promover a atribuição está o guia para jornalistas, publicado em 12 idiomas.
A edição brasileira tem o prefácio de Giovana Girardi, que chefia a cobertura de clima na Agência Pública e esteve em Dubai cobrindo a COP28.
O documento explica a ciência da atribuição e apresenta argumentações confiáveis sobre as situações climáticas mais comuns.
A jornalista salienta a importância das análises recentes da WWA, que ajudaram a imprensa a explicar como estavam relacionadas às alterações no clima.
No entanto, ela observa que em alguns casos o cenário pode ser mais complexo.
“Embora os efeitos de chuvas intensas e rápidas estejam ligados a um planeta mais quente, podem também ser resultado de má gestão de infraestrutura urbana, pavimentação sem permeabilidade, ausência de árvores e ocupação de mananciais”.
Girardi chama a atenção para o risco de governantes usarem o clima como desculpa para justificar que não havia nada a ser feito para prevenir ou minimizar as catástrofes.
“É justamente porque o clima não é mais o mesmo que o planejamento das cidades, estados e países tem que mudar para levar em conta as novas variáveis trazidas pelas mudanças climáticas”, afirma a jornalista.
O guia completo pode ser visto aqui.
Este artigo faz parte de um relatório especial analisando as repercussões da COP28, jornalismo ambiental, ativismo e percepções da sociedade sobre as mudanças climáticas
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