Londres – A repressão à imprensa na Turquia, marca do governo de Recep Tayyip Erdoğan, foi intensificada após os protestos contra a prisão do prefeito de Istambul, com agressões a jornalistas que têm feito a cobertura e detenção de pelo menos 10 deles, segundo organizações de defesa da liberdade de imprensa.
Ao mesmo tempo, o caos que se instalou no país vem sendo ignorado pela mídia estatal controlada pelo governo, que faz ainda pressões sobre a mídia independente que noticia os protestos para silenciar a cobertura.
De acordo com a Repórteres Sem Fronteiras, o Conselho Supremo de Rádio e Televisão da Turquia (RTÜK) emitiu um “aviso final” às emissoras nacionais críticas ao governo, ameaçando-as com multas severas e revogação de licença se continuarem a cobertura dos atos ao vivo ou exibirem programas criticando o governo.
Mais de 10 jornalistas presos nos protestos contra o presidente da Turquia
A RSF afirmou em nota que desde o início da onda de protestos contra a prisão de Ekrem İmamoğlu — o principal rival do presidente Erdoğan —, que se espalharam por todo o país, pelo menos dez jornalistas foram fisicamente agredidos por forças policiais, e dezenas de outros foram atingidos por bombas de gás lacrimogêneo ou balas de borracha.
Na terça-feira (26), a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) informou que 11 profissionais de imprensa foram detidos após batidas policiais em suas casas em diferentes cidades pela polícia turca.
Os tribunais turcos ordenaram a prisão de sete dos jornalistas detidos: Yasin Akgül (AFP), Ali Onur Tosun (Now TV News), Bülent Kılıç (freelance), Zeynep Kuray, Kurtuluş Arı (İBB), Hayri Tunç e Gökhan Kam, mas eles foram libertados no dia 27.
De acordo com a Media and Law Studies Association (MLSA), os jornalistas provavelmente foram enquadrados na Lei No. 2911 sobre Reuniões e Manifestações.
Erol Onderoglu, representante da RSF na Turquia, condenou “nos termos mais fortes” a repressão violenta aos profissionais da mídia que cobrem os protestos.
“Esses ataques e restrições à liberdade de imprensa devem parar imediatamente e todos os responsáveis por essa violência devem ser identificados e levados à justiça.”
Agressões a jornalistas da Turquia em protestos por prisão de prefeito
Os casos relatados envolvem profissionais de imprensa de meios de comunicação locais e internacionais.
Entre os alvos da repressão apontados pela RSF estão os repórteres do jornal BirGün, Ebru Celik e Deniz Gungor, e o repórter da Agência Anadolu, Murat Sengul, severamente agredidos pela polícia de choque, que os socou, chutou e esmurrou.
Eylül Deniz Yasar, do canal Ilke TV, e o fotojornalista Kemal Aslan foram alvo de balas de borracha e gás lacrimogêneo disparado em seus rostos enquanto cobriam o comício em frente à sede da prefeitura de Istambul.
Na noite de 21 de março, enquanto cobriam a repressão policial a jovens manifestantes perto do Sarachane Park, Yasin Akgul, da AFP, Hakan Akgun, da Agência Anadolu, e Dilara Senkaya, da Reuters, sofreram violência policial, de acordo com a organização de liberdade de imprensa.
Senkaya levou socos na cabeça e Hakan Akgun foi hospitalizado com o nariz quebrado. Ali Dinc, do site de notícias Bianet, foi atacado enquanto registrava uma reunião de estudantes em frente ao campus da Universidade de Istambul.
Ele relatou a agressão à RSF:
“Éramos quatro jornalistas. Eles [os policiais] nos encurralaram no Sarachane Park. Como eu estava com máscara, não fui afetado pelo gás lacrimogêneo, mas eles começaram a nos bater mesmo quando seguramos nossas câmeras para mostrar que éramos jornalistas.
Fomos claramente visados por esse motivo. Fiquei com lesões nas pernas e nas costas.”
Ameaças e sanções do Conselho de Rádio e TV turco
Para tentar conter as notícias sobre as manifestações, que já resultaram em mais de 1,2 mil prisões, o governo Erdogan está agindo em duas frentes: enquanto as TVs estatais ignoram os acontecimentos em seus noticiários, o Conselho Supremo de Rádio e Televisão da Turquia (RTÜK) exerce pressão sobre a mídia independente.
No dia 23 de março, o presidente da RTÜK, Abubekir Şahin, emitiu um “aviso final” às emissoras nacionais críticas ao governo, ameaçando-as com multas severas e revogação de licença se continuassem a cobertura ao vivo de sites de protesto ou programas transmitidos criticando a resposta do governo, de acordo com a Repórteres Sem Fronteiras.
Segundo a organização, o conselho já havia sancionado as redes Now TV, Tele1, Halk TV e SZC TV em 20 de março, ordenando que pagassem multas equivalentes a 3% de sua receita publicitária do mês anterior, devido a programas e reportagens críticas sobre a prisão de Ekrem İmamoğlu.
As transmissões da SZC e da Halk TV foram suspensas em três ocasiões separadas, afirmou a RSF.
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Redução da banda larga e bloqueio a contas em mídias sociais
Além desses obstáculos, a entidade aponta que jornalistas e atores da sociedade civil baseados em Istambul foram severamente afetados pelo redução da velocidade de conexão à internet durante os dois primeiros dias dos protestos, e esporadicamente nos dias que se seguiram.
A diminuição teria sido uma ordem direta do gabinete presidencial e chegou a interromper plataformas como Instagram, Facebook e WhatsApp.
A Federação Internacional de Jornalistas informou que as autoridades turcas ordenaram que a plataforma de mídia social X bloqueie 700 contas, incluindo a conta em língua turca do meio de comunicação on-line independente Bianet sob uma ordem judicial citando “segurança nacional e ordem pública”, assim como as da Gazete Yolculuk e do Middle East Eye.
A Turquia ocupa o 158º lugar entre 180 países no Índice de Liberdade de Imprensa 2024 da Repórteres Sem Fronteiras.
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