A Federação Internacional de Jornalistas fez nesta sexta-feira um diagnóstico da situação do jornalismo no país depois da primeira semana da tomada do poder pelo Taleban. A onda de assassinatos e perseguições que se intensificou nos últimos dois dias não poupou profissionais da imprensa. 

Jeremy Dear, secretário-geral adjunto da IFJ e responsável por coordenar a resposta de emergência aos profissionais de mídia no país, revelou que a entidade recebeu “centenas de pedidos de ajuda” dos jornalistas localizados na região, seja para evacuação ou para assistência para aqueles que se mudaram de uma província do Afeganistão para outra para escapar de ameaças.

E diz que o sentimento é de “pânico e medo”.

 “Tivemos o caso de uma família que foi ameaçada, e a única maneira de ficar em paz seria se sua filha — uma jornalista — se casasse com o comandante local do Taleban”, afirma Dear. 

Jeremy Dear, secretário-geral adjunto da IFJ, coordena socorro à imprensa no Afeganistão. (Carly Schneider/Marymount Manhattan College/Divulgação)

Dear afirma que é um momento dramático para os profissionais de imprensa.  

Muitos temem por suas vidas. As jornalistas estão sendo impedidas de trabalhar, alguns meios de comunicação foram forçados a fechar, centenas fugiram ou estão tentando deixar o país. 

Segundo a Federação, a principal rota de fuga é pelo Paquistão. E as mulheres são as mais ameaçadas, permanecendo escondidas ou tentando escapar. 

Temos trabalhado  com nossos colegas no Paquistão para ajudar jornalistas a obter vistos especiais e para conseguirem sobreviver uma vez que cheguem ao país.

E também pressionando os governos a aceitarem quem precisa fugir, ajudando a levá-los ao aeroporto e arrecadando fundos para assistência humanitária aos que ainda estão no campo. 

Leia também:  Análise | Taleban dá aula de relações públicas na largada, mas será julgado por atos, não por palavras

Ele relatou que os jornalistas e veículos de imprensa que continuam a trabalhar o fazem “com uma ameaça pairando sobre eles e com severas restrições sobre o que podem denunciar.”

E considera as promessas feitas pelo Taleban nos primeiros dias, de que a liberdade de imprensa seria preservada, como “uma pitada de sal”. 

Ainda há meios de comunicação operando, mas mesmo para eles não está claro quais serão as regras.

Âncora do canal Tolo News durante transmissão após a queda do governo afegão. (Reprodução)

O representante da IFJ  questionou o que seria o jornalismo baseado nos princípios da lei Sharia (a lei islâmica baseada nos ensinamentos do Alcorão, que o Taleban decidiu aplicar também ao trabalho da imprensa):

Que tipo de jornalismo independente pode haver quando o Taleban diz o que você pode e não pode reportar e quem pode ou não trabalhar?

Para a mídia que continua funcionando, há discussões com o Taleban para tentar entender o que seus anúncios significam em termos de como os jornalistas podem operar – quais tópicos estão proibidos, quais fotos eles podem publicar, se as mulheres podem trabalhar, disse Dear. 

Promessa não cumprida 

A situação dos dois últimos dias desapontou os que viram nas primeiras declarações do Taliban sinais de que o tratamento dado à imprensa desta vez poderia ser diferente. No discurso inicial após a tomada de Cabul, o grupo chegou a afirmar que nenhuma ameaça ou represália seria realizada contra jornalistas no país.

O compromisso foi assumido também em uma conversa com a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) no dia da tomada de Cabul. No entanto, instado a formalizar o acordo por escrito, o representante dos radicais recuou. E o quadro só vem se deteriorando. 

Leia também: Na caçada a jornalistas no Afeganistão, Taleban mata parente de editor alemão que já tinha deixado o país

Nesta quinta-feira (19/8), a Deutsche Welle, emissora pública alemã, denunciou que um de seus editores foi caçado pelas tropas do Taleban. Como o jornalista não foi encontrado (já havia fugido para a Alemanha), os radicais mataram um de seus parentes e deixaram outro gravemente ferido.

Recursos limitados 

A Federação Internacional de Jornalistas atua em vários níveis, ajudando a processar cada pedido de apoio e fazendo reuniões com governos e outros órgãos que possam fornecer passagem segura e asilo para aqueles que estão fugindo.

O representante da IFJ afirmou que as organizações que apoiam jornalistas também enfrentam enormes obstáculos.

“É difícil conseguir dinheiro para sustentar as centenas de pessoas que precisam de passagem segura, uma casa segura, comida, abrigo e conexões de internet – as organizações estão  sobrecarregadas com pedidos de ajuda.”

Leia também: Porta-voz do Taleban mostra o rosto após “mistério” de mais de uma década sobre sua identidade

As previsões para os próximos dias são sombrias, já que há incertezas sobre quanto tempo as tropas americanas permanecerão no aeroporto e, uma vez que saiam, essa rota está efetivamente fechada para a maioria.

Alguns que fugiram começarão a estabelecer operações no exílio, mas Jeremy Dear lembra que será necessário apoio da comunidade internacional para ajudar a financiar meios de comunicação menores, permitindo continuem a contar ao mundo o que estiver acontecendo no Afeganistão. 

Estamos fazendo lobby com doadores e governos para tentar garantir fundos para permitir que a mídia local continue trabalhando.

É importante que a ajuda internacional  não se restrinja apenas a jornalistas que trabalharam para a mídia do próprio país, mas a todos os jornalistas afegãos.

Leia também

Tomada de Cabul por Taleban agrava riscos para a mídia, com assassinatos de jornalistas e veículos obrigados a fechar

Taleban afirma que jornalistas estão seguros, mas se nega a assinar compromisso de proteção