Combatentes do Talibã fizeram uma aparição na TV nacional afegã no domingo (29/8), cercando o apresentador de um debate político, em mais uma demonstração de sua postura em relação à imprensa no Afeganistão. Radicais armados cercaram o jornalista, enquanto ele lia um manifesto do grupo que pedia a colaboração dos telespectadores, que não devem temê-los.

 “Não tenham medo”, fala o apresentador, rodeado de metralhadoras. O trecho do programa foi compartilhado pela jornalista e apresentadora do BBC World News Yalda Hakim, que escapou do Afeganistão quando criança com sua família antes de se estabelecer na Austrália.

Hakim descreveu a situação como “surreal” e acrescentou: “É assim que um debate político agora aparece na TV afegã — soldados talibãs vigiando o apresentador”.

Talibã teria invadido emissora e exigido aparição na TV
Um grupo de oito integrantes do Talibã teria invadido a estação de TV e exigido que o apresentador falasse com eles. Em um clipe mais longo, o apresentador é visto entrevistando um membro do grupo.
O programa em questão era o Pardaz, atração de debate político da emissora Peace Studio.

O Talibã proibiu anteriormente a televisão e censurou reportagens noticiosas quando estava no poder de 1996 a 2001. Em sua retomada do poder em 2021, uma postura diferente em relação ao uso da mídia foi vista a princípio, com uso de redes sociais e entrevistas coletivas.


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Entre os gestos que surpreenderam jornalistas na comunicação do grupo, o porta-voz Zabihullah Mujahid fez sua primeira aparição pública em mais de uma década, revelando seu rosto a repórteres que por anos apenas se comunicaram com ele por mensagens ou telefonemas.

Em conversa com a organização Repórteres Sem Fronteiras, entretanto, o porta-voz do grupo se negou a assinar um compromisso pela segurança de jornalistas no país, mesmo dizendo que o Talibã precisa da imprensa no Afeganistão para registrar a mudança no país.

Após retomar o Afeganistão, o Talibã organizou entrevista coletiva. (Reprodução)

Dias depois, um jornalista alemão da rede Deutsche Welle, perseguido pelos extremistas, teve um parente morto em seu lugar, pois já havia fugido do país. 

Em sua campanha para conquistar Cabul, o Talibã assassinou jornalistas e o chefe das comunicações do antigo governo do Afeganistão.

Yalda Hakim, de 38 anos, conduziu recentemente uma entrevista improvisada na BBC com Suhail Shaheen, porta-voz dos extremistas, que ligou para o telefone dela enquanto ela estava no ar ao vivo, material que teve repercussão mundial.

Beheshta Arghand, uma jornalista afegã que ganhou as manchetes em todo o mundo quando se tornou a primeira mulher afegã a entrevistar um líder do Taleban neste mês, também fugiu. O âncora da TOLO, rede de notícias afegã, disse: “Saí porque, como milhões de pessoas, temo o Talibã”.

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