As imagens de afegãos despencando do avião americano que decolou de Cabul após a invasão do Taleban são o começo de uma discussão sobre imigração nos Estados Unidos (EUA). 

Perfis de direita na mídia americana já rotulam os refugiados como “eleitores democratas”, que podem influenciar eleições de municípios e estados onde forem alocados.

Anos após a campanha de Donald Trump contra os mexicanos, em que prometeu construir um muro em toda a fronteira entre os países, a declaração do governo de Joe Biden sobre aceitar refugiados do Afeganistão ligou as fornalhas da xenofobia, alerta a agência First Draft de checagem de fatos.

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O Taleban concordou em permitir “passagem segura” para civis que tentam chegar ao aeroporto internacional de Cabul e ingressar no transporte aéreo dirigido pelos Estados Unidos.

A discussão sobre o fracasso ou o sucesso americano no Afeganistão foi imediatamente adotada por formadores de opinião da mídia americana, ocupando espaço no retorno de Chris Cuomo à CNN, por exemplo, quando o jornalista também explicou sua participação no escândalo envolvendo o seu irmão, que renunciou ao cargo de governador de Nova York.

Cuomo entrevistou um especialista em assuntos militares para discutir se os americanos estariam a salvo de um novo 11 de Setembro, razão primária para a invasão americana do Afeganistão há 20 anos.

O “novo eleitorado” democrata, segundo a direita conservadora

Contudo, vozes mais conservadoras se concentram em defender a resistência a uma “nova população” em solo americano — os refugiados afegãos.

O jornalista Tucker Carlson foi criticado por dizer que a invasão ao Capitólio foi uma “operação do FBI”. (Reprodução)

“Se a história serve de guia, e é sempre um guia, veremos muitos refugiados do Afeganistão se reassentarem em nosso país e, na próxima década, esse número pode aumentar para milhões”, afirmou Tucker Carlson durante seu programa no horário nobre da Fox News, na segunda-feira (17/8). “Então, primeiro invadimos e depois somos invadidos”, acrescentou.

Carlson é uma estrela conservadora da TV americana, acusado de difundir desinformação. Recentemente ele esteve na Hungria, onde entrevistou o premiê Victor Orbán , que está à frente de um governo que se tornou modelo de repressão à imprensa e retrocesso nos direitos humanos no século 21.

Figuras de direita nos EUA já ensaiam teorias de conspiração de que o governo Biden usará os afegãos para mudar os resultados políticos a favor dos democratas. Seriam “eleitores em potencial”.

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“Todo governador republicano precisa fazer declarações agora mesmo de que não aceitarão, em nenhuma circunstância, nenhum dos refugiados que Biden vai tentar instalar em estados vermelhos”, tuitou Robby Starbuck, um influenciador cubano-americano que concorre ao Congresso no Tennessee. Nos EUA, a cor vermelha é associada ao Partido Republicano, conservador de direita.

“Este é um dos próximos movimentos que eles [os democratas] estão fazendo.” 

Preconceito contra regras islâmicas também vira munição de discurso xenófobo

“Pense duas vezes antes de permitir que refugiados do Afeganistão entrem em seu país”, tuitou Emerald Robinson, correspondente da Newsmax na Casa Branca. A emissora apoia a falsa narrativa de que as eleições perdidas por Trump foram manipuladas. 

Robinson cita uma pesquisa do Pew Research Center de 2013 que mostrou o apoio dos afegãos ao uso da lei Sharia no Afeganistão. 

Sharia, que se refere à “lei islâmica”, é frequentemente usada por comentaristas não muçulmanos para se referir a uma forma linha-dura de lei religiosa, adotada pelo Taleban. Recentemente, em entrevista coletiva, o porta-voz do grupo extremista assegurou  que as mulheres islâmicas do Afeganistão “estariam felizes” em viver sob este regime.

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Grande parte da xenofobia é sustentada pela crença de que o governo Biden admitirá muito mais afegãos nos Estados Unidos do que o planejado atualmente. Embora mais de 300 mil afegãos tenham trabalhado com a missão dos EUA por mais de 20 anos, apenas uma pequena minoria se qualifica para o reassentamento.

Empresas de tecnologia reagem à tomada de poder pelo Taliban

Após sua ascensão ao poder, o Taleban foi classificado pelo Facebook como grupo terrorista, e conteúdo relacionado aos radicais será excluído da plataforma, afirmou a empresa.

Já o WhatsApp, pertencente ao mesmo grupo, afirmou que não pode censurar mensagens sobre o grupo uma vez que o aplicativo usa criptografia de ponta a ponta. 

A organização Repórteres Sem Fronteiras conversou com o porta-voz do Taleban sobre a segurança da imprensa. Apesar de afirmar que o grupo tem interesse no trabalho de jornalistas para mostrar o “novo Afeganistão”, os extremistas se negaram a assinar compromisso escrito de que asseguram o trabalho da mídia no país.

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