As mídias alternativas, representadas principalmente pelos sites de visões radicais de direita ou de esquerda, contribuem para diminuir o interesse em política dos leitores da chamada “grande imprensa”.

A conclusão é de um estudo feito pela Universidade de Viena, que traz revelações válidas para outros países que contam com um ecossistema de mídia diversificado, como o Brasil.

Os pesquisadores constataram que a exposição da audiência ao contraste entre as visões mais moderadas da imprensa tradicional e as opiniões extremas e fake news da mídia alternativa corrói o interesse pela política, como uma espécie de fadiga

Para chegar aos resultados, o estudo examinou o comportamento dos leitores da Áustria durante o período eleitoral de 2019, e  perceberam que as fontes alternativas de informação e de opinião na internet são capazes de provocar uma mudança de comportamento nos hábitos de leitura das pessoas.

Entre as fontes tradicionais e as alternativas, o leitor parece ficar sem saber em quem acreditar.

“Observamos que a relação entre o uso da mídia tradicional e o interesse político depende do nível de uso da mídia digital alternativa”, afirmam os pesquisadores, Franz Reiter e Jörg Matthes.

Discurso antissistema e conteúdo radical caracterizam a mídia alternativa 

A pesquisa acompanhou leitores da grande imprensa (grandes grupos de comunicação e os jornais e sites de maior audiência) e da mídia alternativa. Esta última foi representada pelos sites caracterizados por sua postura antissistema, com conteúdo ideológico radical (independente da posição no espectro político) e que se posicionam como vigilantes da imprensa tradicional.

Os pesquisadores ressaltaram o questionamento crescente provocado pelas plataformas digitais alternativas, independentemente de seu perfil político, ao alcançarem cada vez mais cidadãos:

“Especialmente na última década, essa noção de mídia jornalística clássica – também chamada de mídia tradicional – tem sido cada vez mais questionada”.

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Desânimo caracteriza leitores da grande imprensa que também consomem mídia alternativa 

A partir de questionários respondidos em dois momentos diferentes da campanha eleitoral da Áustria em 2019, os pesquisadores puderam comparar a percepção dos leitores que consumiam apenas conteúdo da grande imprensa com a visão dos que consumiam simultaneamente fontes alternativas de informação.

Cada participante foi questionado sobre seu nível de interesse pela política e seu conhecimento do sistema eleitoral. Além disso, foram solicitados a lembrar com que frequência, na semana anterior, haviam se informado por meio dos sites de notícias tradicionais e dos sites alternativos.

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A conclusão foi a de que, quanto mais expostos a mídias alternativas e seus pontos de vista radicais, mais desmotivados os leitores da mídia tradicional se sentiam para seguir se atualizando sobre o assunto.

“O interesse político normalmente aumenta quando a mídia aponta para tópicos de interesse público que afetam a vida dos cidadãos. No entanto, quando mundos ideológicos completamente conflitantes colidem, os cidadãos podem reagir com incerteza, diminuindo assim seu interesse pela esfera política”, afirma o estudo.

Acompanhar mídia tradicional não significa ter conhecimento de política, aponta pesquisa

O estudo ainda põe em xeque a crença de que leitores da imprensa tradicional têm bom conhecimento político, contrariando pesquisas anteriores:

“Descobrimos, surpreendentemente, que o uso da mídia convencional não está associado a interesses políticos nem a conhecimento político ao longo do tempo.”

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Segundo relatam os pesquisadores, uma explicação para este dado pode estar no fato de que a associação de mídias digitais alternativas com interesse político é algo ainda pouco estudado, que merece aprofundamento:

“Sendo a mídia digital alternativa um fenômeno bastante recente, estudos anteriores podem ter sido conduzidos sem uma presença online alternativa forte.”

Na guerra entre grande imprensa e mídia política alternativa radical, o prejudicado é o leitor

A pesquisa conduz a conclusões inquietantes. Os pesquisadores sugerem que o embate entre as imprensas tradicional e a alternativa, ao provocar um contraste de ideias, estaria fazendo mais mal do que bem à democracia, ao desmobilizar politicamente os cidadãos:

“Em um mundo sem mídia digital alternativa, o uso da mídia convencional pode promover uma cidadania politicamente interessada. No entanto, quando as pessoas estão fortemente expostas à mídia alternativa, o uso da mídia convencional pode, surpreendentemente, até corroer o interesse político.”

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A crítica embutida na pesquisa aponta para “uma mudança na compreensão individual da natureza política”. Isso provocaria um efeito desmobilizador, como ocorre em discursos que tentam subverter a ordem estabelecida, tachando a imprensa como uma grande mentira ou fomentando teorias da conspiração:

“A mudança no interesse político pode ser induzida por uma imagem negativa do discurso público dominante ou críticas de que a grande mídia se alinhou com as elites políticas e ocultam ou distorcem informações políticas relevantes”, concluem os pesquisadores.

Polarização da sociedade após a pandemia 

A pesquisa da Universidade de Viena tomou como base o contexto anterior à pandemia. Mas ela agravou ainda mais a polarização da sociedade, refletida pela mídia.

Um estudo feito pelo instituto americano Pew Research Center constatou que seis em cada dez pessoas de 17 países desenvolvidos − o Brasil não está entre as nações pesquisadas − relataram que as divisões nacionais pioraram desde o início do surto.

Em 12 dos 13 países examinados, o sentimento de divisão aumentou significativamente entre 2020 e 2021 − em alguns casos em mais de 30 pontos percentuais. Ao todo, 61% das pessoas pesquisadas acreditam que estão mais divididas por diferenças de pensamento. Apenas 34% sentem-se mais unidas.

Americanos são os mais divididos

O estudo demonstra que adequar o discurso público e corporativo ao que pensa a “maioria” é um sonho cada vez mais distante. A desunião maior foi encontrada nos Estados Unidos: 88% dos americanos dizem que estão mais divididos do que antes da pandemia, a maior proporção que sustenta essa opinião em todos os lugares pesquisados.

A maioria dos canadenses também afirmou que seu país está mais polarizado.

Na Europa, a maioria em sete das nove nações pesquisadas disse que a sociedade está mais polarizada do que antes do coronavírus.

A discórdia é maior na Holanda, Alemanha e Espanha, onde cerca de oito em cada dez relataram mais divisão. Já na Suécia e no Reino Unido, cerca de quatro em cada dez acreditam que estão mais unidos do que antes do surto, segundo o Pew.

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