Um grupo da ONU criado para reprimir a chamada “lavagem verde” das promessas de zerar emissรตes de carbono por parte de corporaรงรตes e governos pediu na COP27, que estรก acontecendo no Egito, o estabelecimento de โ€œlinhas vermelhasโ€ para interromper o apoio ร  exploraรงรฃo de novos combustรญveis fรณsseis e o uso excessivo de compensaรงรตes de carbono.

O grupo de especialistas de alto nรญvel, criado em marรงo pelo secretรกrio-geral da ONU, Antรณnio Guterres, para aconselhar sobre regras para melhorar a integridade e transparรชncia nos compromissos de “net zero” de empresas, regiรตes e cidades, disse que os planos climรกticos devem incluir cortes profundos nas emissรตes de gases de efeito estufa antes de 2030, e nรฃo adiar a aรงรฃo atรฉ perto de 2050.

Os integrantes do grupo enfatizaram que compromissos sรฉrios devem priorizar cortes imediatos nas emissรตes absolutas, com o uso de compensaรงรตes de carbono โ€“ uma prรกtica muitas vezes controversa que permite que empresas e governos paguem por cortes em outros lugares em vez de reduzir sua prรณpria poluiรงรฃo โ€“  serem usados โ€‹โ€‹com moderaรงรฃo. 

Lavagem verde na agenda da COP27

As regras eram necessรกrias para garantir que as compensaรงรตes fossem de alta qualidade e viessem de uma fonte confiรกvel e verificรกvel, disse o grupo.

O grupo de especialistas foi criado apรณs uma preocupaรงรฃo generalizada com o “greenwashing” (lavagem verde), incluindo alegaรงรตes de grandes empresas de combustรญveis fรณsseis de que estavam buscando zerar emissรตes atรฉ 2050, apoiando novos desenvolvimentos de carvรฃo, petrรณleo e gรกs que dependem fortemente de compensaรงรตes.

Uma investigaรงรฃo do jornal britรขnico The Guardian revelou este ano que as empresas de petrรณleo e gรกs, incluindo vรกrias com promessas de zerar emissรตes, ainda planejavam novos projetos que levariam o mundo muito alรฉm das metas do histรณrico acordo de Paris, celebrado em 2015.

Na Austrรกlia, eles incluem a Woodside, que assumiu os ativos globais de petrรณleo da BHP e planeja abrir novos campos na costa noroeste do paรญs. 

Os planos de ‘net zero’  jรก adotados atraรญram crรญticas por serem vagos, adiando a aรงรฃo atรฉ que seja tarde demais e confiando demais em reduรงรตes reivindicadas de projetos de compensaรงรฃo baseados na natureza nรฃo relacionados, como plantio de รกrvores e apoio ร  regeneraรงรฃo florestal.

Embora as compensaรงรตes tenham recebido amplo apoio dos governos e da indรบstria como uma maneira mais barata de reduzir a poluiรงรฃo do que os cortes absolutos, os especialistas disseram que elas sรณ devem ser usadas depois que uma empresa ou governo regional ou local atingir metas de curto e mรฉdio prazo.

Ao divulgar o relatรณrio na conferรชncia climรกtica COP27 em Sharm el-Sheikh, a presidente do grupo de especialistas, a ex-ministra canadense do clima Catherine McKenna, disse que as promessas de zerar emissรตes devem ser โ€œsobre o corte de emissรตes, nรฃo sobre medidas secundรกriasโ€.

โ€œNeste momento, o planeta nรฃo pode permitir atrasos, desculpas ou mais lavagem verdeโ€, disse ela.

Um dos integrantes do painel, Bill Hare, cientista climรกtico e executivo-chefe da Climate Analytics, disse que ninguรฉm pode ignorar a necessidade de โ€œcortar as emissรตes de forma imediata e drรกsticaโ€.

โ€œSe a indรบstria, instituiรงรตes financeiras, cidades e regiรตes querem dizer o que dizem em suas promessas de net zero, elas adotarรฃo essas recomendaรงรตesโ€, disse ele.

โ€œSe as empresas de combustรญveis fรณsseis pensam que podem expandir a produรงรฃo sob uma meta lรญquida zero, precisam pensar novamente.โ€

Os especialistas disseram que organizaรงรตes privadas deveriam ter que relatar publicamente sua situaรงรฃo a cada ano, respaldando suas alegaรงรตes com informaรงรตes verificรกveis, para evitar uma contabilidade climรกtica desonesta.

Eles pediram que os compromissos voluntรกrios de zerar emissรตes para grandes emissores corporativos fossem substituรญdos por requisitos regulamentados.

E disseram que a indรบstria deve abordar as emissรตes de โ€œescopo 3โ€ โ€“ aquelas liberadas atravรฉs do uso de seus produtos โ€“ bem como a poluiรงรฃo direta.

Antรณnio Guterres, secretรกrio-geral da ONU, disse:

โ€œUm nรบmero crescente de governos e [empresas] estรก prometendo ser livre de carbono โ€“ e isso รฉ uma boa notรญcia.

O problema รฉ que os critรฉrios e benchmarks para esses compromissos lรญquidos zero tรชm nรญveis variados de rigor e brechas amplas o suficiente para conduzir um caminhรฃo a diesel.

Devemos ter tolerรขncia zero para o greenwashing da emissรฃo de carbono.โ€

O secretรกrio-geral tambรฉm usou palavras fortes para se dirigir ร s empresas de combustรญveis fรณsseis:

โ€œOs chamados ‘compromissos net zero’ que excluem produtos essenciais [carvรฃo, petrรณleo, gรกs] estรฃo envenenando nosso planeta.

Usar promessas falsas de zerar emissรตes  para encobrir a expansรฃo maciรงa dos combustรญveis fรณsseis รฉ condenรกvel. Esse encobrimento tรณxico pode empurrar nosso mundo para o precipรญcio climรกtico.โ€

O relatรณrio foi apoiado por Laurence Tubiana, executiva-chefe da European Climate Foundation e considerado um dos arquitetos do acordo de Paris, como ministro do Meio Ambiente francรชs.

Ela disse durante a COP27  que cumprir esse acordo exigia traรงar โ€œuma linha clara sobre o verdadeiro net zeroโ€“ o que realmente significa e exige, e o que รฉ simplesmente lavagem verdeโ€.

โ€œNรฃo podemos arcar com a contabilidade criativaโ€, disse ela.

โ€œPeรงo a todos os envolvidos โ€“ incluindo cidades, regiรตes, empresas, investidores, alianรงas, paรญses e reguladores que levem a sรฉrio essas recomendaรงรตes e as incorporem com urgรชnciaโ€.


Esta reportagem foi publicada originalmente no jornal britรขnico The Guardian e estรก sendo reproduzida pelos integrantes da rede de jornalismo ambiental internacional Covering Climate Now.