Londres – O presidente russo Vladimir Putin sancionou na última quinta-feira (14) uma lei destinada a aumentar o controle sobre a imprensa local e internacional que desafie o discurso do governo e também a punir órgãos de imprensa cujos países tomem “decisões hostis” contra organizações jornalísticas russas no exterior. 

Mesmo antes da invasão à Ucrânia, veículos estatais russos foram bloqueados ou perderam licença de transmissão em alguns países por transmitirem propaganda governamental. Com a guerra, as tensões aumentaram e as proibições também, sobretudo contra a emissora RT (Russia Today). 

Pela nova lei, o Procurador-Geral da Federação Russa não precisará de processo judicial para proibir as atividades da mídia estrangeira cujos países adotem atos contra a mídia russa, e também para revogar a licença de qualquer meio de comunicação que distribua “informações publicamente significativas ou expressando claro desrespeito ao Estado”.

Lei pune ‘discriminação’ da mídia da Rússia no exterior 

A nova lei de mídia formaliza o que a Rússia já vinha praticando contra órgãos de imprensa e jornalistas estrangeiros, alvo de medidas como suspensão de vistos de trabalho, proibição de entrada no país e fechamento de escritórios.

Ao criar uma legislação específica, o governo manda um recado de que não planeja ser mais tolerante com os que criticam a guerra ou a propaganda estatal. 

O texto da legislação foi apresentado em maio na Duma, a câmara baixa do Parlamento russo, e aprovado em primeira leitura no final de junho.

Após passar em segunda leitura na câmara alta, o projeto foi encaminhado para a assinatura de Putin, que validou a lei como parte de um pacote legislativo que inclui outras medidas como o endurecimento da regulamentação sobre “agentes estrangeiros”. 

Segundo o site independente Meduza, até agora governo só poderia interromper à força as atividades de um veículo de imprensa amparado por decisão judicial. 

E isso somente se fosse comprovado que a publicação abusou repetidamente da “liberdade dos meios de comunicação de massa” durante um ano.

Pela nova lei de mídia, órgãos de imprensa russos russos não perderão a licença para operar imediatamente se se acusados de divulgar informações e notícias “perigosas”, com “desrespeito à sociedade, ao Estado ou à constituição” ou desacreditando o exército do país.

Na primeira violação, eles podem ser suspensos por três meses, diferentemente dos estrangeiros. Os jornalistas passam também a ser responsabilizados se veicularem mensagens que contenham convocação para comícios.

Outro dispositivo da nova lei estabelece jornalistas e empresas de mídia que republicarem materiais de outros meios de comunicação que contenham “informações imprecisas” sobre o uso de forças militares russas no exterior.

No contexto da invasão à Ucrânia, isso significa que sites russos que reproduzirem conteúdo produzido por agências de notícias ou órgãos de imprensa estrangeiros podem ser processados e até fechados.

Antes de lei, mídia estrangeira já sofria retaliação na Rússia

Mesmo antes da guerra, os principais órgãos independentes russos foram inseridos na lista de “agentes estrangeiros”, que dificulta a atuação de pessoas ou empresas que recebem algum tipo de financiamento do exterior, inclusive doações. Muitos foram obrigados a fechar as portas. 

Outro instrumento para censurar a mídia foi a lei de fake news, criada em março. Ela fez com que jornais locais, incluindo o do jornalista Dmitry Muratov, detentor do Prêmio Nobel da Paz, tivessem que suspender as operações.

Organizações de mídia estrangeiras retiraram seus correspondentes da Rússia, temendo penas que podem chegar a até 15 anos de prisão  para crimes como o de chamar a invasão à Ucrânia de guerra.

Enquanto isso, empresas de mídia estatais russas foram alvo de medidas duras, sobretudo no Reino Unido e no Canadá 

A RT foi suspensa no Canadá em fevereiro. Também teve o sinal interrompido na Europa, e em março foi proibida de transmitir no Reino Unido, onde já tinha sido multada por ausência de imparcialidade. 

Em resposta à suspensão da RT no Canadá, a Rússia mandou fechar o escritório da emissora pública canadense em Moscou em maio. Os profissionais foram informados de que deveriam deixar o país num prazo de três semanas.

Na semana passada, durante a reunião do G20 na Indonésia, o Canadá anunciou sanções a veículos estatais e personalidades da mídia russa. 

Em outra ação recente, a Rússia proibiu a entrada de 29 profissionais dos principais veículos de comunicação britânicos e de outras 20 pessoas acusadas de ligações com o “complexo de defesa” do país.

Chefes de redação, editores, repórteres e correspondentes da BBC, The Independent, The Times, The Guardian e outras empresas jornalísticas foram impedidos de entrarem e trabalharem no país como resposta às “ações anti-russas do governo britânico”, informou o Ministério das Relações Exteriores ao anunciar a medida. 

A principal agência noticiosa russa, a estatal Tass, perdeu em março o contrato com a Reuters, sob o argumento de veicular conteúdo não alinhado a princípios de confiança. 

A nova lei de agente estrangeiro na Rússia

Além da lei de mídia, a Rússia aprovou também ontem uma ampliação da lei do agente estrangeiro, aplicada contra vários órgãos de imprensa, jornalistas independentes, organizações da sociedade civil e ativistas. 

Agora, o país pode declare seus cidadãos “agentes estrangeiros” mesmo que as pessoas em questão não tenham financiamento estrangeiro.

Segundo o jornal Novaya Gazeta Europa, foram definidos os conceitos de “influência estrangeira” e “indivíduo filiado ao estrangeiro”.

A partir de 1º de dezembro de 2022, qualquer indivíduo ou organização russa ou estrangeira poderá ser declarado “agente estrangeiro” caso tenha “apoio estrangeiro” ou esteja sob “influência estrangeira” e “realize atividades políticas”.

No entanto, as seguintes atividades não são consideradas políticas: proteger os “valores tradicionais da família”, promover programas culturais, científicos, de saúde ou esportivos, bem como aqueles que visam proteger a natureza ou a caridade.

O regulamento prevê a criação de um cadastro unificado de agentes estrangeiros e um registro separado de “indivíduos afiliados a estrangeiros”, incluindo pessoas que trabalharam para organizações declaradas agentes estrangeiras ou receberam dinheiro delas.

Os agentes estrangeiros não poderão ensinar cidadãos menores de idade ou produzir quaisquer “produtos de informação” para eles.

Também serão impedidos de receber assistência financeira do Estado, atuar como especialistas em exames estaduais de impacto ambiental, trabalhar em cargos estaduais, ser voluntários em pesquisas estaduais ou organizar eventos públicos, o que afeta diretamente ativistas e organizações não-governamentais. 

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