A entrada da agĆŖncia de inteligĆŖncia britĆ¢nica M15 no Instagram Ć© a prova mais recente de que nĆ£o dĆ” para ficar fora das redes sociais, nem mesmo para quem o sigilo Ć© a alma do negĆ³cio. Depois de anos monitorando as mĆ­dias sociais para descobrir tramas terroristas e outras ameaƧas, uma das principais agĆŖncias de espionagem do Reino Unido resolveu se render Ć  rede controlada pelo Facebook, com mais de um bilhĆ£o de usuĆ”rios em todo o mundo. 

A notĆ­cia divulgada nesta quinta-feira (22/4) foi recebida com simpatia e tambĆ©m muita ironia, dando margem a uma imensidĆ£o de trocadilhos nas redes. 

Agora Ć© vocĆŖ quem pode seguir os espiƵes

Afinal, depois de 112 anos com a famosa agĆŖncia secreta seguindo todo tipo de suspeito, a iniciativa abre a oportunidade de pela primeira vez vocĆŖ poder seguir os espiƵes! Ken McCallum, diretor geral do MI5, que aos 46 anos Ć© o mais jovem da histĆ³ria a chefiar a agĆŖncia secreta, nĆ£o perdeu a piada.

Instando as pessoas a se inscreverem na nova conta @mi5official, ele disse:

“VocĆŖ pode inserir sua prĆ³pria piada sobre se estaremos seguindo vocĆŖ.”

Um dos motivos da mudanƧa foi o espiĆ£o mais famoso de todos, o legendĆ”rio Bond, James Bond. McCallum disse que o esforƧo visa a mostrar um MI5 mais aberto, captar jovens para o serviƧo secreto, e, numa alusĆ£o a Bond, acrescentou:

ā€œQueremos acabar com o estereĆ³tipo do agente secreto bebendo martini.ā€

AtƩ 1993, nem o nome do diretor do MI5 era conhecido

HĆ” trĆŖs dĆ©cadas, nem o nome de McCallum seria conhecido do pĆŗblico, e muito menos suas decisƵes.

O primeiro nome de um dirigente do MI5 que se tornou conhecido foi o de Stella Rimington, em 1993.

McCallum tem mais de 25 anos de serviƧo na agĆŖncia secreta e supervisionou todas as operaƧƵes de combate ao terrorismo durante as OlimpĆ­adas de Londres de 2012. Formado pela Universidade de Glasgow, disse que nunca tinha pensado em ser agente secreto em seu perĆ­odo de formaĆ§Ć£o.

O anĆŗncio do ingresso do MI5 no Instragram aconteceu poucos dias depois de a agĆŖncia ter alertado que as mĆ­dias sociais estavam sendo usadas por espiƵes estrangeiros para acessar informaƧƵes confidenciais de mais de dez mil cidadĆ£os britĆ¢nicos.

O primeiro post a gente nunca esquece

O MI5 planeja usar a plataforma para desmascarar mitos populares sobre seu trabalho. Vai revelar na conta material de arquivo nunca visto, publicarĆ” perguntas e respostas com membros do serviƧo de inteligĆŖncia e divulgarĆ” oportunidades de carreira.

ExposiƧƵes histĆ³ricas do museu do MI5, localizado no porĆ£o da sede em Londres, em Westminster, perto do rio TĆ¢misa, tambĆ©m serĆ£o compartilhadas pela primeira vez.

O primeiro post publicado mostra uma imagem rara para a maioria dos mortais: o hall de entrada da sede do serviƧo secreto.

EspiƵes nĆ£o podem usar mĆ­dias sociais

A ironia da histĆ³ria Ć© que o MI-5 inaugura sua nova fase mantendo a proibiĆ§Ć£o de que seus espiƵes ingressem nas redes sociais. McCallum disse que a entrada nas redes foi um dilema que a agĆŖncia teve que superar em um mundo cada vez mais aberto e conectado:

“Por um lado, nossa capacidade de servir ao pĆŗblico e manter o paĆ­s seguro depende criticamente de operar secretamente. Por outro, seria uma vaidade perigosa imaginar que o MI5 pode fazer isso e construir todas as capacidades de que precisa dentro de sua prĆ³pria bolha.ā€

Primeira vez que um diretor do MI5 escreve artigo

A nova era da agĆŖncia rendeu outra novidade: a publicaĆ§Ć£o do primeiro artigo de opiniĆ£o escrito exclusivamente por um diretor-geral do MI5 para um jornal nacional em mais de um sĆ©culo.

O escolhido para a publicaĆ§Ć£o do texto exclusivo foi o The Telegraph, que saiu na frente com a notĆ­cia ontem (21/4).

McCallum disse que o serviƧo secreto tinha uma “necessidade de se envolver” com o pĆŗblico, a academia e as empresas do setor privado, acrescentando: “Ɖ por isso que ser mais aberto Ć© uma parte crucial da abordagem do MI5 na dĆ©cada de 2020 ā€.

Hoje a cobertura conquistou grandes espaƧos em toda a imprensa britĆ¢nica. E o Telegraph, retribuindo a gentileza, foi o que deu mais destaque em sua chamada de capa, enfatizando a nova era de abertura do Ć³rgĆ£o.

Dificuldade para quem atua no negĆ³cio de guardar segredos

Em seu artigo, McCallum disse que as operaƧƵes da agĆŖncia nĆ£o se tornarĆ£o um ā€œlivro abertoā€ e que o ingresso nas redes sociais foi um pouco mais complicado do que para a maioria das organizaƧƵes e empresas:

ā€œEntrar no Instagram torna-se mais interessante quando vocĆŖ estĆ” no negĆ³cio de guardar segredos.”

AtraĆ§Ć£o de novos agentes

A agĆŖncia, famosa por ser retratada recrutando novos membros em encontros discretos e sombrios, passou a anunciar publicamente os cargos vagos nos Ćŗltimos anos.

No artigo do The Telegraph, McCallum disse que a agĆŖncia precisa continuar atraindo uma forƧa de trabalho mais diversificada e superar qualquer associaĆ§Ć£o “persistente” que as agĆŖncias de inteligĆŖncia possam ter com James Bond, o arquĆ©tipo do espiĆ£o britĆ¢nico branco, homem e educado nas universidades de elite de Oxford ou Cambridge.

Em uma referĆŖncia Ć  sua prĆ³pria educaĆ§Ć£o, crescendo em Glasgow, McCallum disse que o MI5 seria “mais forte” se recrutasse pessoas de “todos os tipos de lugares”, acrescentando:

“Incluindo, crucialmente, pessoas que nunca pensaram em trabalhar em lugares como o MI5. Eu jĆ” fui um desses. Nunca me passou pela cabeƧa que acabaria trabalhando na seguranƧa nacional, muito menos em um cargo sĆŖnior. ā€

Ele acha que a conta no Instagram pode ajudar no esforƧo de atrair os jovens para a carreira:

“Queremos transmitir um pouco mais do que o MI5 realmente Ć©, para que as pessoas nĆ£o se desestimulem por causa de barreiras imaginĆ”rias, como histĆ³rico socioeconĆ“mico, gĆŖnero, etnia, opĆ§Ć£o sexual, deficiĆŖncia, ou em que parte do paĆ­s nasceram.”

Dos cerca de 5 mil funcionĆ”rios do MI5, 8,6% sĆ£o negros, asiĆ”ticos ou de outras minorias Ć©tnicas.

Abertura prometida ao assumir cargo

Em seu primeiro compromisso com a imprensa em outubro de 2020, McCallum, que assumira o cargo em abril, jĆ” havia antecipado que queria que a agĆŖncia altamente secreta “se abrisse e se expandisse de novas maneiras”, principalmente para se comunicar com o pĆŗblico mais jovem.

“Muito do que fazemos precisa permanecer invisĆ­vel, mas o que somos nĆ£o precisa ser. Na verdade, a abertura Ć© a chave para nosso sucesso futuro.

CrĆ­ticas Ć s redes sociais

A escolha do Instagram acontece na semana em que seu controlador, o Facebook, foi criticado pela ministra do Interior, Priti Patel, a quem o MI5 Ć© subordinado. A ministra uniu-se aos crĆ­ticos da iniciativa da empresa de implantar a criptografia ponta a ponta no Instagram e no Facebook Messenger . Ela enfatizou que a medida, se implantada, por tornar mais difĆ­cil a identificaĆ§Ć£o e captura de pedĆ³filos justamente pelas agĆŖncias de inteligĆŖncia e de aplicaĆ§Ć£o da lei.

O MI5 tambĆ©m criticou com frequĆŖncia as mĆ­dias sociais e McCallum reconheceu isso.

Em seu artigo no Telegraph, ele aludiu Ć  necessidade de as empresas de tecnologia fazerem mais para ā€œcombater a desinformaĆ§Ć£o prejudicial apoiada pelo Estado e garantir que os terroristas nĆ£o possam usar suas plataformas para planejar ou encorajar atos terroristasā€.

Mas tambƩm elogiou as empresas de mƭdia social por sua capacidade de manter as pessoas em contato, ainda mais crucial durante a pandemia.

Outras iniciativas

O MI5 estƔ relativamente atrasado quando se trata de espiƵes nas redes sociais.

No prĆ³prio Reino Unido, Richard Moore, o recĆ©m-nomeado chefe do ServiƧo de InteligĆŖncia Secreta (SIS), tambĆ©m conhecido por MI6 e lar de James Bond, tuĆ­ta frequentemente. Em uma de suas postagens recentes ofereceu condolĆŖncias Ć  rainha.

A agĆŖncia de seguranƧa cibernĆ©tica GCHQ estĆ” no Twitter e tinha aderido ao Instagram em 2018. Nesse ano, um relatĆ³rio de um comitĆŖ parlamentar criticara as agĆŖncias de espionagem do paĆ­s por nĆ£o refletirem a GrĆ£-Bretanha moderna e pela falta de mulheres e minorias Ć©tnicas em cargos de chefia.

Nos Estados Unidos, a CIA conta com 3,2 milhƵes de seguidores no Twitter.

Embora mais atrasada, deve-se reconhecer que a estreia do MI5 nas redes foi bem menos complicada do que a da pioneira GCHQ. Naquela ocasiĆ£o, demorou semanas para que os funcionĆ”rios da GCHQ concordassem com a redaĆ§Ć£o de seu primeiro tweet, que dizia:

ā€œOlĆ”, mundo.ā€

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