Às vésperas de completar 40 anos em 2022, o jornal americano USA Today, que sempre se manteve entre os de maior circulação impressa do país, anunciou sua entrada para o clube dos que apostam no modelo de negócios de cobrança de conteúdo na internet.
Com queda acentuada da receita de publicidade e a circulação paga (grande parte dela na distribuição de hotéis), situação agravada pela pandemia e a quase paralisação das viagens de negócios, o jornal comunicou a adoção do paywall em um artigo publicado nesta quarta-feira (7/7).
Depois de oferecer notícias no formato digital sempre de forma gratuita, com mais de 90 milhões de visitantes únicos por mês, o USA Today segue a linha de seus concorrentes. No comunicado, se diz honrado por fazer parte da vida dos leitores e faz um apelo: “Sua assinatura é um investimento em jornalismo de qualidade pelo qual vale a pena pagar, um jornalismo que fortalece nossas comunidades e nossa nação. Crescemos juntos quando entendemos perspectivas diferentes das nossas, quando encontramos e ouvimos pessoas fora de nossas bolhas de mídia social.”
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Para não afastar leitores (e anunciantes), o paywall não atingirá todo o conteúdo publicado, pelo menos nesta fase inicial. A cobrança passa a valer para notícias exclusivas, reportagens investigativas, jornalismo de dados e “abordagens instigantes sobre as notícias”.
Serão oferecidos três planos, e a assinatura mais barata será de US$ 4,99 (cerca de R$ 26) por mês. Os que já assinavam a versão impressa terão acesso digital completo.
Predisposição a pagar por conteúdo cresceu entre leitores
O momento que o USA Today escolheu para adotar o paywall é favorável. A pandemia elevou a confiança do público no jornalismo e gerou um aumento na quantidade de pessoas dispostas a pagar por conteúdo.
Segundo o último Digital News Report do Instituto Reuters, houve um aumento de dois pontos percentuais no último ano entre os leitores dispostos a pagar por assinaturas. O percentual, que era de 15%, passou para 17% nos vinte países acompanhados pelo instituto. O aumento é ainda maior, de cinco pontos, se comparado ao índice de 12% de 2016. O número de brasileiros dispostos a pagar por assinaturas ficou na média de 17%.
Nos Estados Unidos (EUA), onde os assinantes têm uma média de idade na faixa dos 50 a 55 anos, mais de um quinto deles (21%) disse ter uma ou mais assinaturas digitais.
O USA Today entra agora num jogo em que quase metade de todos os assinantes nos EUA (45%) pagam por uma assinatura do New York Times, Washington Post ou Wall Street Journal, segundo os dados do Instituto Reuters.
Por outro lado, o país é um dos poucos onde os assinantes já pagam em média por duas publicações, geralmente associando um veículo nacional a um local. Quase um quarto das assinaturas atuais (23%) já são de jornais locais ou regionais. Isso pode beneficiar os planos do USA Today de oferecer uma combinação de sua assinatura nacional com uma das mais de 200 opções dos jornais locais de sua rede.
Grupo aposta na sinergia entre USA Today e os jornais regionais do grupo
O USA Today é a publicação nacional da Gannet, a maior editora de jornais dos Estados Unidos (EUA) em termos de circulação total diária.
Fundada há 115 anos, a Gannet tem atualmente mais de 20 mil funcionários e edita mais de 200 títulos regionais e locais, entre eles o Detroit Free Press, The Indianapolis Star, The Cincinnati Enquirer, The Arizona Republic e The Des Moines Register — estes três últimos ganhadores do Prêmio Pulitzer de 2018. A rede inclui alguns dos jornais mais antigos dos EUA ainda em circulação, como o Poughkeepsie Journal, fundado em 1785.
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No artigo em que anunciaram a cobrança do conteúdo digital, a editora-chefe Nicole Carroll e a presidente do USA Today, Maribel Perez Wadsworth, destacam o diferencial da chamada USA Today Network para fornecer uma cobertura mais rápida, precisa e completa aos leitores com representantes em todos os estados do país:
“Não precisamos “chegar” lá. Nossa rede já está lá. É uma combinação poderosa: matérias originais e locais apuradas na fonte, com uma perspectiva nacional. Apresentamos os pontos de vista de todas as partes do país, e não apenas das costas Leste ou Oeste.”
A decisão vem resolver uma situação estranha, já que a maioria dos títulos regionais da rede já utilizavam o paywall para proteger o acesso ao seu conteúdo, que incluem reportagens próprias e do USA Today. Dessa maneira, um determinado artigo podia não estar disponível sem a assinatura em um jornal regional, mas podia ser acessado gratuitamente no site do USA Today.
Meta do CEO é chegar a 10 milhões de assinantes pagos em cinco anos
Por enquanto, o anúncio informa que o jornal e os títulos regionais manterão planos de assinatura digital “mutuamente exclusivos”. Mas essa situação pode mudar em breve. Mayur Gupta, diretor de marketing e estratégia da Gannett, que veio do Spotify, disse que faz sentido no futuro oferecer assinaturas que incluam o USA Today e um jornal local da rede.
“É inevitável que em algum momento criemos uma proposta de valor muito mais forte juntando tudo.”
O Poynter, publicação especializada em mídia, enfatizou que o CEO da Gannett, Mike Reed, já tinha sugerido várias vezes este ano que o USA Today deixaria de ser totalmente gratuito. Ele definiu uma meta de alcançar 10 milhões de assinantes digitais pagos em toda a rede, um aumento de dez vezes, em cinco anos.
Em fevereiro, Reed disse aos investidores em uma teleconferência que a prioridade do grupo é “continuar sua evolução de um negócio de mídia impressa mais tradicional para uma plataforma de conteúdo com foco digital”.
O grande obstáculo, como de praxe, será converter leitores do USA Today acostumados por tanto tempo ao acesso total gratuito. Em seu comunicado, o jornal explica por que o acesso a algumas matérias teve que ser bloqueado:
“Algumas matérias não estão disponíveis sem assinatura porque fazem parte da experiência premium do USA Today. Artigos e vídeos considerados premium representam o melhor do jornalismo de leitura obrigatória do USA Today, ancorado em reportagens originais com impacto visual. Investimos neste jornalismo em seu nome.”
A nota para os assinantes diz que o nível premium vem com acesso a um boletim informativo de bastidores exclusivo, além de “prioridade nos eventos e experiências exclusivas”.
NYT e Post são referências em assinaturas digitais nos EUA
A cobrança pelo conteúdo tem se mostrado uma alternativa para os veículos depois que as receitas de propaganda caíram ou migraram para as mãos das plataformas digitais, com o mercado de publicidade digital dominado por Facebook e Google.
A mais recente organização de notícias de grande porte a optar pelo paywall foi a Reuters, que em maio anunciou a intenção de passar a cobrar US$ 34,99 pelo conteúdo, um valor semelhante ao que cobram The Wall Street Journal e Bloomberg.
Outras publicações americanas, como The New York Times e The Washington Post já têm milhões de assinantes digitais pagos. Muitos oferecem um número fixo ou variável de artigos gratuitos por mês e, em seguida tentam convencer os clientes a assinarem com grandes descontos, com preços que podem chegar a US$ 1 por mês.
O Poynter, especializado em análise de mídia, enfatiza que esta é uma grande mudança para os consumidores de esportes em particular.
O USA Today vinha sendo uma das principais fontes de conteúdo esportivo disponíveis nos Estados Unidos sem paywall, especialmente porque a ESPN vem transferindo cada vez mais seu conteúdo escrito para o paywall no ESPN+. E a Sports Illustrated, que também costumava ser gratuita (sustentada por anúncios), implementou seu próprio acesso pago no início deste ano.
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