Após o conteúdo da investigação de assédio sexual sobre o governador de Nova York, Andrew Cuomo, ter sido publicado na terça-feira (3/8) pelo Ministério Público americano, seu irmão, o apresentador da CNN Chris Cuomo, entrou em uma espinhosa saia-justa, que coloca em pauta um tema recorrente para a imprensa: o risco de conflito de interesses quando jornalistas fazem consultorias ou participam de eventos corporativos. 

As investigações revelaram que o âncora, que comanda dos programas de maior audiência da emissora na TV a cabo dos Estados Unidos (EUA), aconselhou o irmão governador sobre como proceder na comunicação oficial após denúncias surgirem, em março. Chris foi incluído em e-mails oficiais da equipe do governador.

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A atuação como conselheiro político simultaneamente com o cargo de apresentador no horário nobre americano é material para uma bomba nas questões de ética que envolvem a prática jornalística. Uma vez que o governador foi implicado, seu irmão jornalista vai de arrasto e leva consigo a emissora, estandarte do jornalismo televisivo dos EUA e mundial.

Emissora fica na linha de tiro

Os questionamentos no dia seguinte às denúncias recaem sobre a CNN, que manteve o jornalista em seus quadros até o momento. Chris não se pronunciou nas redes sociais ou tocou no assunto durante seu programa noturno da terça-feira, véspera da publicação do relatório.

Se a imagem de Chris já havia sido arranhada com a divulgação do Washington Post sobre  sua participação como “assessor paralelo” do governador, em reportagem de maio, os detalhes oficializados pela procuradoria estadual expõem uma vida dupla que desafia questões éticas no jornalismo. 

A CNN admitiu o erro de seu apresentador após a revelação do Post, mas afirmou que o jornalista não participa da cobertura do caso sobre o irmão governador, “na frente ou atrás das câmeras”. Não houve punição anunciada.

Jornalista não comentou envolvimento com caso do irmão em seu programa no horário nobre. (Divulgação)
Jornalista integrava governo e redigiu discurso, aponta investigação

Segundo o material divulgado pela procuradora-geral Letitia James, Chris foi copiado em uma série de e-mails do diretor de comunicação e chefe de gabinete do governador sobre como lidar com as alegações sexuais feitas por Charlotte Bennett, uma ex-assessora de Andrew Cuomo.

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O jornalista também teria redigido uma declaração para seu irmão, escrevendo, entre outras alegações: “Nunca tive a intenção de ofender ninguém ou causar qualquer dano … Meu único desejo é colocar alguma leveza e brincadeira em um negócio muito sério”.

Nos corredores da CNN, críticas e justificativas

Os bastidores da CNN viraram foco da mídia americana, com uma apuração do BuzzFeed detalhando indignação com o aparente consentimento da emissora, que manteve o jornalista no ar. 

A própria CNN publicou em seu portal Business um texto comentando a situação, expondo as contradições da relação entre os irmãos Cuomo. O texto cita a reportagem do BuzzFeed, mas traz um contraponto de que o jornalista teria apoio de parte da redação.

“Dentro da CNN, alguns funcionários com quem falei apoiaram Cuomo na terça-feira, reconhecendo que ninguém escolhe seus familiares e que os espectadores esperavam vê-lo”, escreveu o colega Brian Stelter nesta quarta-feira (4/8).

O governador de Nova York, Andrew Cuomo, é acusado de assediar sexualmente 11 mulheres. (Mike Groll/Office of Governor Andrew M. Cuomo/Divulgação)
Chris entrevistou o irmão e fez elogios ao governador durante a pandemia

Durante a pandemia, Chris entrevistou seu irmão em seu programa várias vezes sobre o combate ao coronavírus em Nova York. 

Em uma entrevista, o jornalista disse ao governador: “Eu te amo como um irmão. Obviamente, nunca serei objetivo, [mas] obviamente acho que você é o melhor político do país.”

“A situação em que a CNN se encontra ilustra por que os jornalistas não devem se desviar ou fazer exceções, mesmo bem-intencionadas, dos princípios bem estabelecidos da ética jornalística”, disse Scott Stroud, diretor de ética do Center for Media Engagement da Universidade de Texas em Austin, em entrevista ao The Guardian.

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