Londres – A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) anunciou nesta sexta-feira (5/11) os indicados para o Prêmio RSF de Liberdade de Imprensa de 2021, que será entregue no próximo dia 18. 

Jornalistas e meios de comunicação de 11 países onde o direito de informar está drasticamente restringido ou ameaçado — Belarus, China, Brasil, Turquia e Irlanda do Norte  —  foram indicados para os prêmios em três categorias: coragem jornalística, impacto e independência.

O indicado brasileiro é o site Intercept Brasil, na categoria que premia impacto jornalístico, com a série Vaza Jato, revelando arranjos na operação Lava Jato a partir de mensagens entre integrantes do Ministério Público e da Justiça Federal.

Quatro mulheres entre os seis jornalistas selecionados 

Desde 1992, o Prêmio Repórteres Sem Fronteiras pela Liberdade de Imprensa tem incentivado, apoiado e recompensado o trabalho de jornalistas e meios de comunicação que contribuem para a defesa ou promoção da liberdade do setor no mundo. 

Entre os 12 indicados deste ano (quatro em cada categoria), há seis jornalistas, quatro dos quais são mulheres, e seis veículos de comunicação ou organizações de imprensa. 

Entre elas está Zhang Zhan, condenada a quatro anos de prisão na China por transmitir notícias da Covid-19 a partir de Wuhan, cidade onde o surto foi primeiro detectado. Nesta sexta-feira sua família revelou que seu quadro de saúde se agravou. 

Mais de 50 homens, mulheres, organizações de notícias e ONGs já receberam o prêmio.

“A lista de indicados para 2021 reflete os desafios enfrentados por jornalistas e meios de comunicação engajados em uma batalha comum pela liberdade de informar”, disse o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.

 “Esses homens, mulheres e meios de comunicação lutam com coragem e determinação contra as forças convergentes que minam a independência jornalística. Os jornalistas são freqüentemente ameaçados, processados ou presos em muitos países ao redor do mundo.”

Deloire lembrou que a mídia tem sido censurada, estigmatizada, marginalizada, banida ou fechada em diversas partes do mundo, e o Prêmio RSF é uma homenagem e, acima de tudo, “um apoio a todos aqueles que encarnam os ideais do jornalismo”.

Indicados para o Prêmio de Coragem

KAY ZON NWAY (MIANMAR)

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A jovem e experiente repórter é um símbolo da luta corajosa pela liberdade de informar em Mianmar, uma luta que a levou a ser presa enquanto transmitia ao vivo um protesto antigolpe militar, em fevereiro. 

Libertada após 124 dias, em julho, Kay Zon Nway é também o símbolo de uma geração de repórteres que começou a trabalhar durante breve período democrático do país (de 2011 até o golpe de Estado em fevereiro deste ano).

A junta militar promoveu recentemente uma anistia a milhares de presos políticos, mas imediatamente prendeu diversos deles novamente, segundo publicações e instituições de direitos humanos no país.

Kay trabalha para o Myanmar Now, uma publicação com papel histórico na longa luta pela liberdade de imprensa em Mianmar

ZHANG ZHAN (CHINA)

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A advogada que se tornou jornalista Zhang Zhan foi condenada em dezembro de 2020 a quatro anos de prisão por “brigar e provocar problemas” enquanto cobria o surto inicial de Covid-19 na cidade de Wuhan, em fevereiro de 2020.

Apesar das constantes ameaças das autoridades, ela transmitiu reportagens em vídeo no YouTube, WeChat e Twitter, mostrando as ruas e hospitais da cidade e o assédio às famílias dos enfermos.

Amplamente compartilhada nas redes sociais, suas reportagens foram uma das principais fontes independentes de informações sobre a situação da saúde em Wuhan na época.

Presa desde maio de 2020, ela foi mantida incomunicável por vários meses sem qualquer justificativa oficial e, quando fez greve de fome, acabou sendo algemada e alimentada à força. Hoje a jornalista se encontra em estado crítico de saúde.

PATRICIA DEVLIN, IRLANDA DO NORTE (REINO UNIDO)

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Patricia Devlin é uma jornalista que trabalha na luta contra o crime no Sunday World, atualmente com sede em Belfast.

“Ela enfrentou enorme pressão e demonstrou tremenda coragem em suas reportagens sobre o crime organizado e atividades paramilitares”, observa a RSF.

Patricia também é conhecida por falar abertamente sobre a violência de gênero que ela enfrentou em relação ao seu trabalho, incluindo ameaças para ela e sua família. A jornalista entrou com uma ação legal contra o Serviço de Polícia da Irlanda do Norte por falha em investigar adequadamente as ameaças contra ela.

Patricia pressionou ainda o Facebook, buscando a divulgação dos detalhes de uma conta que fazia ameaças de estupro contra seu filho recém-nascido.

CONFIDENCIAL (NICARÁGUA)

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Confidencial é um semanário nicaraguense fundado em 1996, conhecido por seu jornalismo investigativo e um dos poucos veículos de mídia não oficial que permanece no país. 

No último dia 20 de maio, o governo de Daniel Ortega invadiu a redação, fundada pelo jornalista Carlos Fernando Chamorro. 

Forças do Estado prenderam jornalistas que cobriam o incidente. A polícia confiscou caixas, computadores e câmeras, usadas para gravação e edição de material para televisão.

A sede do Confidencial já havia sido invadida pela primeira vez pela polícia em 13 de dezembro de 2018, sem ordem judicial. A censura e os ataques contra meios de comunicação independentes têm se intensificado desde 2018 na Nicarágua, sob um governo que busca silenciar vozes críticas, prendendo opositores e sufocando o trabalho da imprensa.

O cartunista Pedro Molina, integrante do Confidencial, foi vencedor do Prêmio Gabo de Excelência de 2021, por seu trabalho crítico em relação aos direitos humanos na América Latina e principalmente na Nicarágua.

Nomeados para o prêmio de impacto

PROJETO PEGASUS (INTERNACIONAL)

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O Projeto Pegasus é uma investigação de um consórcio internacional de mais de 80 jornalistas de 17 veículos * de 11 países diferentes, coordenado pela ONG Forbidden Stories com apoio técnico de especialistas do laboratório de segurança da ONG Anistia Internacional. 

Com base em um vazamento de mais de 50 mil números de telefone visados pelo Pegasus, programa computacional de espionagem feito pela empresa israelense NSO Group, o Projeto Pegasus revelou que cerca de 200 jornalistas foram monitorados por 11 governos — autocráticos e democráticos — que haviam adquirido licenças de uso da tecnologia. 

Esta investigação alertou as pessoas sobre a extensão da vigilância a que os jornalistas estão expostos e levou muitos meios de comunicação e a própria RSF a registrar queixas e exigir uma moratória nas vendas de tecnologia de vigilância.

(Aristegui Noticias, Daraj, Die Zeit, Direkt 36, Knack, Forbidden Stories, Haaretz, Le Monde, Organized Crime and Corruption Reporting Project, Proceso, PBS Frontline, Radio France, Le Soir, Süddeutsche Zeitung, The Guardian, The Washington Post et The Wire)

ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE BELARUS (BAJ) (BELARUS)

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Fundada em 1995 para apoiar o jornalismo independente, a Associação de Jornalistas de Belarus desempenhou um papel fundamental na documentação do nível sem precedentes de ataques e prisões dirigidos a jornalistas no país desde a disputada eleição presidencial em agosto de 2020, vencida por Aleksandr Lukashenko.

A BAJ revelou os métodos do governo para perseguir jornalistas e meios de comunicação independentes — incluindo buscas arbitrárias, censura, violência e prisão — que se intensificaram no ano passado.

O trabalho da associação ajudou a alertar os cidadãos, ONGs internacionais e governos estrangeiros sobre a gravidade da situação da liberdade de imprensa em Belarus.

BELLINGCAT (HOLANDA)

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Bellingcat é um coletivo internacional independente de pesquisadores, investigadores e jornalistas cidadãos que publicam sobre uma variedade de assuntos.

Com suas abordagens inovadoras usando dados de código aberto publicamente disponíveis, investigação de mídia social e análise de jornalismo cidadão, a publicação produziu reportagens significativamente avançadas sobre a violência contra jornalistas durante os protestos que ocorreram no verão passado nos Estados Unidos após a morte de George Floyd, um homem negro desarmado. 

No ano passado, junto com uma equipe de voluntários, o Bellingcat trabalhou com uma organização parceira para mapear centenas de outras instâncias de violência policial contra manifestantes, transeuntes e repórteres durante os protestos de maio e junho de 2020.

THE INTERCEPT BRASIL (TIB) (BRASIL)

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A investigação do Intercept Brasil sobre o vazamento de mensagens trocadas entre promotores da Operação Lava Jato revelou um desrespeito explícito à legislação brasileira, ao comprovar parcialidade do juiz Sergio Moro e seu envolvimento com a acusação. 

A equipe de jornalistas foi ameaçada, perseguida e respondeu a inquéritos judiciais. Glenn Greenwald, então diretor do TIB, recebeu ameaças de morte. 

O site de notícias continuou com as publicações, o que acabou trazendo à tona os abusos praticados pelos promotores da Lava Jato. Em abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações do ex-presidente Lula, considerando Moro parcial em seu julgamento.

Nomeados para o Prêmio da Independência

STAND NEWS (HONG KONG)

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Fundado em Hong Kong em dezembro de 2014, o Stand News é um site de notícias cantonês-chinês independente, sem fins lucrativos, que se compromete a defender os valores fundamentais de Hong Kong — “democracia, direitos humanos, liberdade, estado de direito e justiça” — e tem como objetivo ser um espaço onde os jornalistas sejam “independentes de empresas, acionistas, autoridades e partidos políticos”. 

Após o fechamento forçado do jornal pró-democracia Apple Daily em junho, sob a Lei de Segurança Nacional chinesa, seis dos diretores do site renunciaram para evitar serem processados e todos os artigos de opinião e colunas do Stand News foram retirados da internet para proteger seus autores. 

O Stand News continua a cobrir desenvolvimentos políticos e sociais no território e e todos os julgamentos relacionados com a Lei de Segurança Nacional.

MAJDOLEEN HASSONA (PALESTINA) 

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Antes de ingressar no canal de TV turco TRT e se mudar para Istambul, a jornalista palestina Majdoleen Hassona foi frequentemente perseguida e processada por autoridades israelenses e palestinas por suas reportagens críticas. 

Durante uma visita de retorno à Cisjordânia em agosto de 2019 com seu noivo (também um jornalista do TRT baseado na Turquia), ela foi parada em um posto de controle israelense e informada de que estava sujeita a uma proibição de deixar o território emitida pela inteligência israelense “por razões de segurança”.

Desde então, ela está na Cisjordânia e separada de seu noivo, que teve que voltar para a Turquia sem ela. 

Ela decidiu retomar a reportagem na Cisjordânia e, enquanto cobria protestos antigovernamentais em junho de 2021 após a morte do ativista Nizar Banat, foi uma das duas jornalistas agredidas e espancadas por oficiais de segurança palestinos.

MOUSSA AKSAR (NÍGER)

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No Níger, um jornalista não pode ganhar a vida com uma publicação especializada em reportagens investigativas. O nível de assédio é muito alto e os anunciantes estão assustados. 

Para garantir a sobrevivência e a independência de L’Événement, o jornal que fundou em 2002, Moussa Aksar também administra uma fazenda. A venda de mangas e leite de camelo permite que continue seu trabalho como jornalista.

Ao mesmo tempo, ele também dirige o Centro Norbert Zongo para o Jornalismo Investigativo (CENOZO). Ele parou de publicar uma edição impressa de L’Événement há três anos, mas o site continua a dar notícias e a investigar, apesar das ameaças. 

Aksar compareceu ao tribunal oito vezes apenas nos últimos dois anos e foi multado em € 1.830 (R$ 11.756) em junho por participar de uma investigação jornalística internacional que expôs o desvio de grandes somas de dinheiro público no país em conexão com a compra de armas.

ANDRAS ARATO (HUNGRIA)

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Andras Arato dirige a Klubradio, uma estação de rádio independente com sede em Budapeste conhecida por suas críticas francas e bem-humoradas às autoridades.

O jornalista se tornou mais uma vítima das políticas de censura do governo húngaro quando o Conselho de Mídia da Hungria suspendeu sua licença de operação por motivos administrativos triviais, em uma decisão que foi considerada discriminatória pela Comissão Europeia, mas foi confirmada pelo Supremo Tribunal da Hungria.

Hoje, a Klubradio é transmitida pela internet e sobrevive graças às doações de seus ouvintes. Arato continua a liderar a batalha jurídica e financeira pelo que é uma das últimas grandes fontes de notícias independentes na Hungria.

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