Londres – A organização de defesa da liberdade de imprensa internacional One Free Press Coalition publicou esta semana seu último relatório de 2021, com um balanço dos casos mais graves envolvendo jornalistas em diversos países.
No ano em que dois jornalistas foram indicados para receber o Prêmio Nobel da Paz, a entidade listou episódios de vigilância, assédio e prisão e assassinato de profissionais de imprensa, a maioria impunes.
“Sem o controle das violações da liberdade de imprensa, os jornalistas ficam ameaçados em seu trabalho de relatar a verdade”, alerta a organização.
Liberdade de imprensa sob risco pelo mundo
A lista da One Free Press é encabeçada pela chinesa Zhang Zhan, condenada e em greve parcial de fome. Segundo familiares, ela está pesando menos de 40 quilos e corre risco de morrer.
Zhan recebeu uma pena de quatro anos e meio de prisão por “ provocar problemas”. O motivo foi a postagem de vídeos em redes sociais mostrando a real extensão do surto da Covid-19 na cidade de Wuhan, onde os primeiros casos de coronavírus foram diagnosticados.
Os vídeos da jornalista-cidadã mostravam ruas vazias, hospitais lotados e desinfeção de locais públicos. Naquele momento, o governo chinês tentava transmitir ao mundo a ideia de que a crise não era tão grave no país.
Zhan acabou premiada pela sua coragem pela organização Repórteres sem Fronteiras, mas as pressões de entidades de defesa da liberdade de imprensa e de direitos humanos por sua libertação vem sendo ignorados pela China.
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O segundo caso destacado é o do francês Olivier Dubois. Ele desapareceu em maio no Mali enquanto fazia reportagens sobre o grupo afiliado à Al-Qaeda Jamaa Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM).
Dias depois, um vídeo de Dubois foi divulgado, revelando que ele estava sob custódia do JNIM. Ele continua desaparecido, e sua família luta para obter respostas sobre seu paradeiro.
Os casos listados pela One Free Press acontecem também em países sem conflitos ou regimes repressores. Nos EUA, a polícia prendeu a repórter de rádio April Ehrlich em Portland, em setembro. Ela cobria o despejo de pessoas que viviam em um parque da cidade.
A polícia acusou-a de invasão criminosa, interferência e resistência à prisão. Algumas dessas contravenções podem valer pena de até 364 dias de prisão e multa de até US$ 6.2 mil, afirma a organização.
Na América Latina, repressão à imprensa em Cuba e Nicarágua
Os dois países latino-americanos mencionados no último relatório da One Free Press em 2021 são Cuba e Nicarágua.
Lázaro Yuri Valle Roca, jornalista cubano que cobre assuntos sociais e políticos em seu canal no YouTube está detido em prisão preventiva há quase seis meses, como resultado de uma investigação sobre crimes de desrespeito e “compartilhamento de propaganda inimiga”.
Segundo a organização, um dia antes de sua prisão ele publicou um vídeo relatando que folhetos pró-democracia estavam sendo jogados de um prédio de Havana.
Na Nicarágua, que acabou de reeleger Daniel Ortega para mais um mandato em um pleito marcado pela repressão a opositores e a profissionais de imprensa, Juan Lorenzo Holmann, editor do jornal La Prensa, e o jornalista Miguel Mendoza são mantidos em uma prisão famosa por suas más condições e tortura, em retaliação por suas reportagens e comentários críticos, segundo a One Free Press.
A prisão ocorreu no momento de crescente repressão à imprensa no país, que obrigou diversos jornalistas a se exilarem para não serem presos.
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Liberdade de imprensa foi extinta em Mianmar
Desde que tomou o poder em um golpe de estado em fevereiro, a junta militar que governa Mianmar colocou em marcha um plano para calar a imprensa, opositores e até cidadãos, que passaram a ter seus telefones revistados nas ruas por policiais.
Há vários jornalistas presos no país, mas a One Free Press destacou o caso do produtor de notícias Hanthar Nyien, Ele foi preso em março passado sob o artigo 505(a) do código penal, e responde ainda a outra acusação criminal por seu jornalismo.
Segundo a organização, seus colegas disseram que ele foi torturado e privado de comida e água.
Em outubro, vendo-se isolada de países asiáticos vizinhos, a junta anunciou uma anistia e libertou vários presos, incluindo alguns jornalistas. Mas outros seguiram presos. Um dos casos mais notórios foi a condenação do americano Danny Foster, sentenciado a 11 anos de cadeia.
No entanto, ele foi liberado e deixou o país dois dias depois, após interferência da diplomacia americana. Outro jornalista estrangeiro, o japonês Yuki Kitazumi, também conseguiu deixar o país com a ajuda de autoridades do Japão.
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Profissionais de imprensa locais não tiveram a mesma sorte, e muitos continuam na cadeia, sem julgamento.
Na Turquia, prisão de jornalista já dura cinco anos.
Ayşenur Parıldak, repórter judicial do diário (agora extinto) fechado Zaman, foi preso em 2016 como parte de repressões mais amplas contra a imprensa após o golpe de 2016 na Turquia. Sua liberdade condicional foi negada, apesar de outros jornalistas respondendo às mesmas acusações terem sido libertados desde então, afirma a One Free Press.
Em Belarus, as eleições consideradas fraudulentas que mantiveram o presidente Aleksander Lukashenko no poder vitimaram a liberdade de imprensa, com diversos profissionais perseguidos e detidos.
O episódio mais ousado foi o de Roman Protasevich, editor do canal de notícias via Telegram Nexta, capturado dentro de um avião, e que continua em prisão domiciliar.
Mas o caso destacado pela One Free Press na lista das violações mais graves à liberdade de imprensa é o da jornalista independente Ksenia Lutskina, que tem um tumor cerebral.
Ela foi presa depois de participar de um evento no Press Club Belarus. Cinco membros do clube também foram presos, e todos receberam acusações infundadas de evasão fiscal. Segundo a organização, ela não recebeu tratamento médico quando foi detida e pode enfrentar sete anos de prisão.
Afeganistão, campo minado para o jornalismo livre
Desde a tomada de poder pelo Talibã, em agosto, a liberdade de imprensa entrou em crise no Afeganistão, com jornalistas perseguidos pelo regime e regras draconianas impostas aos veículos de comunicação.
Mas os problemas para a imprensa são anteriores. A One Free Press listou a morte de Mina Khairi como um dos dez casos mais graves do ano. A âncora da emissora Ariana News TV em Cabul foi morta em junho passado depois que atacantes não identificados detonaram um dispositivo explosivo improvisado preso a uma van.
Os autores nunca foram apontados. O Afeganistão ocupa o 5o lugar no Índice de Impunidade 2021 do Centro de Proteção a Jornalistas.
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Na Índia, assédio a jornalista
O caso destacado pela One Press na Índia é o de Rana Ayyub. Em junho, a polícia de Uttar Pradesh apresentou uma queixa criminal afirmando que estava abrindo uma investigação sobre a colunista e jornalista, bem como sobre o site de notícias The Wire, e dois outros profissionais.
Segundo a organização, ela tem sido alvo de assédio on-line e de campanhas de desinformação em resposta a comentários críticos e denúncias contra o governo.
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