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Análise | Em 2022, defensores da liberdade de imprensa precisam ir além de gritar e espernear 

 Londres – O ano de 2021 termina deixando pouca esperança para o futuro da liberdade de imprensa no mundo, a não ser que a estratégia para reverter um quadro cada vez mais sombrio mude. 

A metáfora de “enxugar gelo” é a mais apropriada para classificar o esforço de organizações de direitos humanos e de liberdade de imprensa, que dia sim, outro também denunciam prisões, crimes e ameaças a jornalistas importantes, blogueiros pouco conhecidos e veículos de imprensa de todos os tamanhos.

Nos apagar das luzes do ano, uma das principais emissoras de TV do Afeganistão encerrou a programação e seu dono foi preso em casa. O site de notícias StandNews, de Hong Kong, foi alvo de uma operação policial, teve seis profissionais e conselheiros presos e encerrou as atividades no mesmo dia. 

Ameaças à liberdade de imprensa e a seres humanos

Casos assim não são apenas estatísticas em relatórios de 0rganizações como Repórteres Sem Fronteiras, Comitê de Proteção aos Jornalistas, Press Emblem Campaign ou Federação Internacional de Jornalistas.

Envolvem  seres humanos presos, amedrontados ou que perderam a vida em situações como a de um jovem indiano assassinado por usar sua página de notícias no Facebook para denunciar clínicas ilegais.

Ou da jornalista iemenita grávida, morta junto com o bebê que esperava por uma bomba colocada no carro de seu marido, também jornalista.

Índia e Iêmen estão distantes da maioria de nós, assim como a China, campeã de maldades, que chega a merecer relatórios só para ela.

A tomada do poder pelo Talibã no Afeganistão encerrou uma primavera de vinte anos, em que a mídia independente prosperou. A despeito de promessas de respeitar o jornalismo, o grupo extremista que lidera o país desde agosto vem sucessivamente baixando normas restritivas sobretudo para o trabalho das mulheres

A imagem mais emblemática desse ambiente tóxico para a liberdade de imprensa é a do âncora de TV rodeado de homens armados lendo a mensagem que eles levaram ao estúdio para ser transmitida à população: “não tenham medo”. 

No entanto, o que une jornalistas de grandes veículos brasileiros vítimas de ameaças verbais, repórteres afegãos refugiados no Paquistão, coleguinhas mexicanos vítimas do crime organizado e expoentes  da mídia nicaraguense presos e exilados é o que os britânicos chamam de sense of duty.

A expressão significa o compromisso de realizar a sua missão, seja ela qual for. Todos sabiam do risco que corriam, como outros ainda correm.

Uma das mais corajosas a encarnar esse espírito foi Zhang Zhan, a jornalista cidadã que no início da pandemia se mandou para Wuhan, epicentro da Covid, e narrou pelas redes sociais a gravidade da crise que o governo chinês tentava ocultar.

Foi condenada a quatro anos e meio de prisão, entrou em greve parcial de fome e definha na cadeia, apesar de ter recebido o prêmio Coragem da Repórteres Sem Fronteiras em 2021. 

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Profissionais de imprensa mortos e presos em 2021

Os relatórios das organizações adotam critérios diferentes para contabilizar jornalistas mortos e aprisionados.

Alguns listam somente casos de repórteres ou fotógrafos profissionais, empregados em grandes organizações de mídia. Outros somam pessoal de apoio, como produtores e fixers.

Há diferenças também na classificação, somando-se ou não os casos em que a associação do crime com o trabalho jornalístico não foi comprovada por autoridades policiais ou não ficou evidente para os pesquisadores. 

Em 2021, todos os levantamentos registraram queda em mortes e aumento de prisões.

Para quem foi preso e não perdeu a vida, como o principal jornalista investigativo holandês assassinado no centro de Amsterdã pelo narcotráfico, a notícia é boa.

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Mas não é boa para a sociedade. Mortes e prisões de jornalistas reduzem o ânimo para denunciar e a coragem para encarar riscos pessoais ou empresariais.

Em vários países, organizações jornalísticas encolheram ou fecharam em 2021 por fuga de anunciantes, ações fiscais arbitrárias resultando em multas impagáveis e até congelamento de ativos financeiros, como ocorreu em Hong Kong. 

Nações poderosas interferem por liberdade de imprensa quando há interesses

O impressionante é que parece haver uma anestesia generalizada.

Governos de países democráticos onde as violações se acumulam, como o México, pouco fazem para conter a violência ou se mantêm distantes de casos como o de Julian Assange, que em dezembro teve a sentença que impedia sua extradição para os Estados Unidos anulada

A defesa ainda tenta recorrer, mas o ativista que revelou documentos confidenciais americanos publicados por jornais de todo o mundo corre o risco de amargar o resto da vida na prisão. 

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Organizações como a Comissão Europeia ou países poderosos como EUA e Reino Unido ladram mas não mordem dirigentes autoritários que perseguem a imprensa até na antes segura Europa.

As raras exceções são quando há interesses em jogo.

O Departamento de Estado americano pressionou o presidente Andrzej Duda, da Polônia, para não sancionar uma lei de mídia aprovada pelo Parlamento a toque de caixa  que poderia fazer mudar de mãos (e possivelmente de orientação editorial) o principal canal de notícias do país.

Deu certo. A lei foi vetada dias depois. 

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Não era  primeiro veículo de oposição ameaçado no mundo. Em Hong Kong, o legendário Apple Daily fechou. Seu dono, o bilionário Jimmy Lai, de 74 anos, está na cadeia.

O Stand News acabou de seguir pelo mesmo caminho. 

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Mas a TVN polonesa pertence ao Discovery Inc, uma empresa que é a maior investidora americana no país. Isso pode explicar a preocupação dos EUA com ela e a indiferença em relação ao Apple Daily.

No dia seguinte ao fechamento do Stand News, o Departamento de Estado americano até que fez um movimento, com uma nota condenando a China e pedindo libertação dos presos. Mas a poderosa China não tem nada a perder com mais alguém falando mal dela sem tomar medidas concretas que afetem negócios ou relações bilaterais.

Em Mianmar, os veículos independentes foram fechados. Cerca de 50 jornalistas estão presos. Um fotógrafo perdeu a vida sob custódia da polícia no início de dezembro.  

Dois jornalistas conseguiram escapar: o japonês Yuki Kitazumi e o americano Danny Foster, beneficiados por ação diplomática de seus países sobre a junta militar que tomou o poder em fevereiro.

Mesmo no ano em que dois jornalistas foram premiados com o Nobel da Paz, pouco mudou até para eles próprios.

Ameaças em países autoritários e democráticos 

Quando se fala em violações da liberdade de imprensa, os primeiros países que vêm à mente são aqueles em conflito ou governados por ditadores que tomaram o poder à força ou nele continuam à custa de golpes de estado. 

Não é bem assim. O Brasil ganhou destaque em 2021 como país em que jornalistas são perseguidos e ameaçados, figurando em diversos relatórios internacionais. 

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Nos Estados Unidos, duas situações ocorridas em dezembro, já sob o governo Joe Biden e não na era Trump, em que o jornalismo foi castigado pelo líder da nação, demonstram que a liberdade não depende apenas do poder executivo, mas também do judiciário e do legislativo. 

O Projeto Veritas, organização de extrema direita alinhada ao ex-presidente Donald Trump, conseguiu na justiça impedir que o New York Times utilizasse documentos comprovando seus métodos escusos para atacar a imprensa e pessoas de orientação liberal. A Corte foi além, ordenando que o jornal devolva os documentos e destrua suas versões eletrônicas. 

Trata-se de um caso de censura prévia que especialistas dizem ter ocorrido pela última vez em 1971. 

E a fotógrafa Amy Harris teve que entrar com um processo judicial para impedir que a operadora de telefonia Verizon entregue a uma comissão do Congresso que investiga a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 toda a sua comunicação pessoal em um período de dois meses. 

O motivo é o trabalho que fazia documentando o grupo extremista Proud Boys, que teve papel crucial na rebelião que deixou cinco mortos. Por conta do trabalho, trocou mensagens e falou ao telefone com integrantes do grupo. 

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Nobel para jornalistas não fez diferença para liberdade de imprensa na Rússia

Fama mundial pode até ajudar em alguma coisa, mas não muda o jogo. A filipina Maria Ressa teve que pedir autorização judicial para ir a Estocolmo receber o prêmio, devido aos processos a que responde.

No dia em que o Nobel foi anunciado para o russo Dmitry Muratov, mais jornalistas do país foram enquadrados na draconiana Lei do Agente Estrangeiro.

Semanas depois, o jornal comandado por Muratov, o Novaya Gazeta, caiu nas malhas da mesma lei. 

No Vietnã, a jornalista e ativista Pham Dan Trang ganhou de presente de Natal em dezembro uma sentença de nove anos por “propaganda anti-Estado”, depois de mais de um ano detida. 

A pena foi maior do que a que havia sido pedida pela promotoria. De nada adiantou ser reconhecida mundialmente e ter recebido em 2019 o mesmo prêmio concedido à chinesa Zhang Zhan este ano. 

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Assim como ocorreu em outros casos, a condenação de Trang foi objeto de protestos de entidades, notas em tom indignado e manifestação do governo dos EUA. 

Missões dessas organizações foram em 2021 a países em conflito, denunciaram abusos com relatórios detalhados e bem documentados das violações. E daí?

A batalha das entidades e de ativistas merece todos os elogios.Porém, falta encontrar a fórmula que transforme esse clamor em mudança efetiva.

Aos que fazem pedidos para o Ano Novo, vai aqui uma sugestão para a lista: que em 2022 as palavras escritas e faladas contra abusos, ameaças e crimes que deterioram a liberdade ed imprensa gerem ação por parte de quem tem poder para estabelecer sanções capazes de proteger o jornalismo e os jornalistas.

O ano de 2021 deixa uma lição: é preciso ir além de gritar e espernear.

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